“Segundo
estimativas de especialistas, os militares egípcios, com pessoal em
uniforme e civil, são hoje os maiores dadores de emprego no país”, como
descreve a notável revista alemã “Cicero”, August 2012, num artigo sobre o
Egipto. O negócio dos generais cifra-se entre 10 e 40% da economia
egípcia, refere ainda a revista.
Agora, com o
islamista Mohammed Mursi na presidência, os militares perderam influência
no aparelho do Estado.
Apesar disto, Mursi (que vem do seio da radical Irmandade Muçulmana), terá
de se moderar nas suas pretensões de maior islamização do país, se
pretende conseguir impulsionar a economia que só será viável num clima de
estabilidade política e social. Também não poderá renunciar às receitas do
turismo, outro factor modernizador a domar o zelo e a fúria inicial de
forças islamistas que pretendiam irradiar da cultura egípcia o que não
fosse islâmico.
Também a
rivalidade vigente, entre o Tribunal Constitucional, Militares e
Presidente, pode revelar-se como factor moderador das intenções do
Presidente e impedir confrontações.
Entretanto os islamistas, com a sua maioria parlamentar, demonstraram que
não tinham soluções para os problemas do país: alimentação, escola e
hospital. Até setembro terá de ser elaborada uma nova constituição a ser
aprovada por plebiscito.
“O Islão não
oferece soluções” disse Amr Mohammed Musa, Ministro dos Negócios
Estrangeiros do Egipto em entrevista a “Cícero”. Amr Musa foi
escolhido para ministro das Relações Exteriores, a desejo dos militares,
para indicar uma certa continuidade pró-ocidental e que a política
anti-israelita não será o caminho da política externa.
O ministro
dos meios de comunicação social (estatais) é Salahedin al Maksud, também
ele, membro eminente da Irmandade Muçulmana. O programa de promoção do
islamismo encontra-se assim em boas mãos. Uma inovação da TV estatal
egípcia revelou-se no facto de o noticiário passar a ser apresentado,
depois de 50 anos, por uma jornalista com véu islâmico na cabeça. Esta
inovação foi exibida como sendo uma “vitória da Revolução de 25 de
Janeiro”. A agenda da “Irmandade Muçulmana” é longa; agora que se
encontra no poder, exercê-lo-á com decretos, não precisando, para já, de
recorrer à violência física. Entretanto a censura acentua-se e a
insegurança nas comunidades não muçulmanas também. O objectivo
declarado da Irmandade Muçulmana fundada em 1928 é estabelecer uma ordem
social subjugada à moral do Corão e à jurisprudência da Sharia islâmica.
Informação
estrutural enganosa ou factual descontextuada
Nos sistemas
muçulmanos, a formação de uma oligarquia militar corresponde, por vezes,
por muito contraditório que pareça, a um elemento diferenciador duma
sociedade de cunho religioso monolítico e hegemónico onde perspectivas
seculares civis se tornam difíceis. Os militares, tal como na Turquia,
formam como que uma pequena nobreza, que se tem revelado como elemento
correctivo do islamismo absorvente e omnipresente. Ao contrário da
democracia ocidental que favorece a alternância dos partidos mais fortes
no governo, o sistema hegemónico muçulmano favorece o fenómeno dual: dum
lado os militares e do outro, os imames (cabeças das mesquitas: o seu
poder de mobilização política pode verificar-se nas demonstrações
organizadas e realizadas às sextas-feiras logo a seguir às orações nas
mesquitas) e a revolta terrorista. Por muito estranho que pareça os
militares têm-se revelado como parceiros mais sérios em relação ao
estrangeiro atendendo aos interesses comuns. De lembrar, neste contexto o
ataque sistemático dos grupos islâmicos radicais contra a formação de
exércitos e a organização policial estatal, no Afeganistão, Iraque, etc.
Se aos
países ocidentais, o que mais os une é o sistema liberal capitalista
(competição em torno do trabalho/consumo), aos países muçulmanos/árabes
une-os a religião muçulmana que é ao mesmo tempo programa de vida e ideal
político…
Nas
sociedades muçulmanas não se tem revelado possível o desenvolvimento duma
cultura cívica/secular (possibilitadora duma democracia aberta) por razões
teológicas, antropológicas e sociológicas.
Enquanto o ocidente se orienta pela fórmula cristã “dai a Deus o que é de
Deus e a César o que é de César” (princípio de distinção entre realidade
secular e realidade religiosa: Homem por um lado como ser divino e por
outro como ser secular), as sociedades de cunho árabe não conhecem esta
dualidade deixando tudo para Deus, sem nada para o Homem numa atitude de
súbdito e, consequentemente, de ser definido e controlado apenas pela
religião. A mitologia ocidental ao conceber o Homem como filho de Deus
reconhece no Homem os genes divinos e consequentemente o direito do Homem
à individuação e à personalização. No Islão não há o conceito de Homem
como filho de Deus nem tão-pouco o Homem pode ter comunhão com Alá tanto
no aquém como no além. Isto ocasiona diferentes antropologias e
diferentes sociologias, com as consequentes maneiras de estar no mundo e
de se compreender o Homem e a política. Se nos países de influência
cristã o Homem é concebido como ser autónomo, anterior ao religioso, nos
países de influência islâmica o Homem é concebido como súbdito, só tendo
sentido dentro do religioso, da Uma (a grande comunidade islâmica).
Aqui, o ser humano individual não tem consistência pessoal, só grupal. Daí
o facto de, quando se fala em democracia, assim como quando se fala em
direitos humanos, os ocidentais e os árabes compreenderem coisas
totalmente diferentes.
Geralmente,
os jornalistas e os políticos ocidentais, quando avaliam os acontecimentos
nos estados árabes e quando falam de integração de estrangeiros
equivocam-se porque julgam que as palavras e as manifestações públicas
duma cultura são equivalentes às da outra, quando, muitas vezes expressam
precisamente o contrário do que se diz delas. Enquanto o Ocidente
aposta sobretudo na força militar e na expansão económica os países de
influência árabe apostam tudo na religião e na expansão da procriação.
O entusiasmo
e optimismo dos meios de comunicação ocidental nas notícias sobre o Norte
de África e outros conflitos internacionais leva o público a avaliações
não aferidas à realidade meramente factual.
A informação
publicada, além de ser equacionada em perspectivas políticas condicionadas
pela própria localização política, sofre do equívoco de falar de
realidades que, muitas vezes, não passam de projecções da própria
mundivisão sobre a dos outros. Temos assim uma informação estrutural do
satus quo enganosa ou factual descontextuada.
Por vezes
tem-se a impressão de se viver no século V do império romano, assolado, ao
mesmo tempo, interna e externamente. Os tempos que se aproximam para o
norte de África e para a Europa pressagiam muita instabilidade! Todos
terão de mudar muito a nível de mentalidades e de estratégias de poder!
António da
Cunha Duarte Justo
antoniocunhajusto@gmail.com
www.antonio-justo.eu
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ANTÓNIO da Cunha Duarte JUSTO . Nasceu em Várzea-Arouca (Portugal). E-mail: a.c.justo@t-online.de.
Professor de Língua e Cultura Portuguesas, professor de Ética, delegado da disciplina de português na Universidade de Kassel .
PUBLICAÇÕES
- Chefe Redactor de Gemeinsam, revista trimestral do Conselho de Estrangeiros de Kassel em alemão com secções em português, italiano, turco, françês, grego, editada pela cidade de Kassel, tiragem 5. 000 exemplares.
- Editor da Brochura bilingue: "Pontes Para um Futuro Comum – Brücken in eine gemeinsame Zukunft", editada na Caritas, Kassel
- Editor de "O Farol" , jornal de carácter escolar e social em colaboração com alunos, pais e portugueses das cidades de Bad Wildungen, Hessisch Lichtenau, Kassel, Bad Arolsen e Diemelstadt( de 1981 a 1985)
- Editor de „Boletim da Fracção Portuguesa no Conselho de Estrangeiros de Kassel (1984)
- Autor da Brochura „Kommunalwahlrecht für Ausländer – Argumente“ editada pela Câmara Municipal de Kassel, Fevereiro de 1987.
- Co-autor da Brochura „Ausländerbeiräte in Hessen - Aufgaben und Organisation“, editada pela AGAH e Hessische Landeszentral für politische Bildung, Wiesbaden, 1988.
Colaborador de vários jornais e do programa de rádio semanal de português de Hamburgo.
http://blog.comunidades.net/justo
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