Prezada
chanceler Ângela Merkel! Também eu lhe quero escrever uma carta, que pode
ler durante a próxima deslocação a Portugal! Aqui vou ser benévolo porque
o que espero de si é ajuda e a ajuda que nos pode dar é louvar o povo,
admoestar as nossas elites e motivar alemães investidores a
estabelecerem-se em Portugal... Pedia-lhe também que chamasse a atenção
dos portugueses para redescobrirem as suas raízes germânicas (temos no
nosso vocabulário cerca de 600 palavras germânicas), uma vertente cultural
e de génio que garantiria mais futuro à nação.
Helmut Kohl,
seu promotor, dizia: “não quero uma Europa alemã mas uma Alemanha
europeia”! Os povos do Sul acusam-na de querer uma Europa alemã. Eles
só aceitaram a união da Alemanha sob a condição de esta ser vinculada à
Europa. Sabiam que V. Excia. tem um povo muito trabalhador e forte, e que
isto poderia vir a criar problemas de concorrência a outros povos não
menos conscientes de si, mas talvez menos eficientes, numa Europa das
nacionalidades que parece renitente em reconhecer os sinais dos tempos. A
Alemanha perdeu a guerra e apesar disso, depois de destruída, com muito
trabalho, conseguiu reconstruir-se e posicionar-se de maneira vantajosa a
causar inveja aos vencedores. Isto apesar das indemnizações feitas aos
vencedores e do apoio que presta a outros povos, o que lhe tem granjeado
admiração e simpatia de todos os povos fora da Europa.
Naturalmente, de Vossa parte é necessário mais respeito no trato dos
parceiros europeus. O preço da paz na Europa não se reduz apenas ao
aspecto económico. A paz interna só pode ser conseguida com uma europa
social e confiante. A política de subvenções até agora seguida é
injusta e como tal fomenta conflitos (a manteiga europeia é mais
barata em Marrocos que na Europa); não podemos ter uma Europa protectora
do comércio internacional e das suas finanças que não proteja, ao mesmo
tempo, todos os seus cidadãos.
No dia 12 de
Novembro, V. Excia. vem a Portugal. Certamente, não nos vem ler os
levíticos porque estes já lhe são lidos na Alemanha, com as acusações que
muitos seus conterrâneos lhe fazem, culpando-a de esbanjar com o
estrangeiro os dinheiros que os contribuintes pagam, de hipotecar o futuro
dos netos da nação, e outros queixando-se que se encontrariam em melhor
companhia com o marco alemão do que com o Euro enquanto outros alegam que
V. Excia. não faz o suficiente pela Europa, e que quer exportar o espírito
alemão para a EU (União Europeia).
Não se
preocupe, só quem age faz erros e a Europa sofre de velhice pensando que
pode viver dos rendimentos, numa altura em que as culturas e os
continentes se reorganizam e quem não estiver atento perderá o comboio da
História. Hoje que já não resolvemos os problemas nacionais com medidas
nacionais, nem através da guerra, precisamos, mais do que nunca, de
espíritos lúcidos e sem medo. Numa Europa do relativismo decadente
precisamos de pessoas e nações com vontade forte. Portugal e a Europa
necessitam de restauração.
Nota-se uma
desconfiança geral, por toda a Europa, quanto ao projecto de construção
dum Estado federal europeu (USE)! Muitos erros têm sido feitos com uma
cúpula da EU (União Europeia), longe do povo e das regiões, demasiadamente
fixada na economia e no comércio sem considerar a alma que lhe deu o ser e
possibilitou o seu corpo. No meio de tantos erros e da complexidade do
projecto EU toda a gente barafusta perdendo de vista o projecto
supranacional que é a construção daquilo que lhe garantirá o futuro: os
USE! Os inimigos de tal projecto aproveitam toda a ocasião para uma
crítica destrutiva, agarrando-se só aos erros que têm sido cometidos sem
terem em conta os sinais dos tempos e o que urge fazer. Naturalmente que o
neoliberalismo que a EU tem seguido é destruidor de microorganismos e de
toda a erva rasteira do grande biossistema cultural europeu. Aqui há que
arredar caminho, para não criarmos espaço para os dinossáurios
especuladores universais, sem abdicar do projecto que urge: a criação dos
USE. Cada vez é maior a parte do povo
socialmente excluída ou que vêem a sua participação social em perigo.
Excluídos da sociedade, perdem o sentido de pertença, tornam-se infelizes
e desmotivados a participar. Resignam e vêem-se na necessidade de se
defenderem de tudo o que lhe é estranho…
Sabe, os
meus conterrâneos, ao contrário dos seus (que aprenderam com a guerra),
foram habituados a saltar para a rua, ao som de fanfarras ou de palavras
de ordem ideológicas, pensando que uma revolução ou uma mudança axial
histórica como a que se encontra em via, se realizam em festa e que se
resolve o problema acabando com elites, com os “fachos” (pessoas com
dinheiro ou posição) confiando que os mandantes lhe assegurariam o pão.
Estes porém serviram-se do Estado para eles e o povo só agora começa a
acordar. Tinha-se esquecido da experiência de que “quem se deita com
crianças acorda molhado”! A responsabilidade do Estado, da nação e do
povo está principalmente nas nossas elites, egoístas, sem consciência de
povo nem responsabilidade nacional histórica.
Senhora
chanceler, não se admire, se houver muita gente a fazer barulho na rua
falando de tudo menos da própria vida e dos próprios erros. Os que mais
reivindicam são geralmente aqueles que melhor vivem e a quem é indiferente
a situação do Estado e que, em situações de perigo, tal como os
governantes, metem a cabeça debaixo da areia, à imagem da avestruz,
marimbando-se para o Estado e para a maneira como vive o povo. Este que
pague a conta! Bem comum e povo é, para muitos, um estrangeirismo, ou,
quanto ao primeiro, algo estranho e quanto a povo depreciativo!
Infelizmente, nós, quando nos referimos ao povo, não entendemos o mesmo
que os alemães entendem quando falam de Volk (Povo), e isto é sintomático;
nós quando empregamos a palavra “povo” incluímos nela a ideia do
coitadinho como se se tratasse da classe inferior, de algo estranho ao ser
de Portugal. Muitos dos nossos meninos engravatados da capital,
continuam a ser os envergonhados da província, acantonados em Lisboa,
renegando as suas origens - a província - não aceitando o f(v)olklore
e ostentando o trofeu do doutor, o feitio citadino, como algo que “nos”
distingue e eleva da terra e do tal “povo”.
Sabe,
senhora Merkel, esteja atenta quando fala; as mesmas palavras não têm o
mesmo sentido na Alemanha e em Portugal, cada palavra tem o seu cenário de
fundo, o seu espírito; a língua alemã é muito concreta, com cheiro a
terra e povo e a língua portuguesa também ela completa é porém muito
abstracta com cheiro a Corte, precisando de mais intermediários, que
se aproveitam do cargo e da interpretação!
Para ter uma
ideia da urgência em restaurar a mentalidade portuguesa, cito-lhe uma
frase que ouvi de uma pessoa amiga que pertence à elite portuguesa, a
qual, referindo-se aos cortes que o governo tem em mãos, afirmava
convicta: “com os cortes “nós” é que sofremos, o povo, esse já está
habituado a sofrer e por isso não lhe dói tanto”. Esta mentalidade
levou-nos ao ponto onde nos encontramos, e isto também tem a ver com o que
se entende por povo! Sabe, senhora Chanceler, a nossa governação distribui
o mal pelas aldeias e reserva o bem nos seus subterrâneos (Bunker) da
cidade, cortando cautelosamente nos privilégios dos beneficiados do
sistema e tirando desmedidamente à boca dos que vivem com dificuldade (a
tal incoerência entre capital e província!). Por estas e por outras, não
venha massacrar mais o povo dizendo-lhe que deve tirar mais à boca;
venha pedir contas às nossas elites, conceda-nos créditos a baixos juros e
mande-nos firmas alemãs para Portugal como nós mandamos portugueses
trabalhar para a Alemanha.
Doutora
Merkel, também os há que são nacionalistas, não patriotas, de
esquerda e de direita, os eternos descontentes contra a Europa e há
também os indecisos que pensam que Portugal se encontra na África ou na
América do Sul e que a salvação lhes virá de lá como nos gloriosos tempos
dos descobrimentos! Põem as suas esperanças fora deles e isto é erro
fatal. Muitos sentem-na como uma desmancha-prazeres que nos vem acordar de
sonhos tão altos e tão belos que nos impediam de sujar as mãos no banal do
dia-a-dia. Os governantes sabem que o povo precisa dum tubo de escape para
evacuar tanta dor, tanta escuridão tanto fel. Muitos ainda não se deram
conta que nos encontramos num momento axial da história e que ou se
constrói a federação europeia ou as nações serão esmagadas pelo poder
económico doutros blocos, dado, o momento histórico em que nos
encontramos, ser a fase de transição da era das concorrências/
confrontos
nacionais para a era das concorrências/confrontos entre civilizações
(culturas). (Naturalmente que em muitos aspectos têm razão nas
críticas que fazem contra a maneira como são destruídos biótopos culturais
e no facto de se continuar com a estratégia de afirmação de egoísmos
nacionais injustos). O período mais longo da História da europa sem
guerra é este em que vivemos. A nossa paz no futuro e o nosso bem-comum só
poderão ser assegurados por um estado federado europeu (USE), com todos os
problemas inerentes ao processo. Não podemos regredir para a época das
guerras nacionais. Mas também não podemos deixar destruir o humanismo e os
direitos humanos individuais europeus por poderes anónimos e demoníacos em
acção. As regiões mais fracas também não podem ser abandonadas aos mais
fortes que tudo pisam e atropelam como elefantes.
Muitos dos
meus conterrâneos aprenderam na época do 25 de Abril que era mais fácil
colocar um bom professor na rua do que dar um mau diploma a um mau
estudante. Fomos em parte prejudicados por uma fornada de académicos de
Abril que passaram a aquecer o seu lugar em postos relevantes de empresas
e do Estado (A cunha e o nepotismo tinham muito poder!). A formação foi
mais orientada para a carência do que para a competência. Pensava-se
que a liberdade e a igualdade eram gratuitas e que a responsabilidade era
substituída pela desobriga do partido. Seria importante que a sua
vinda a Portugal motivasse as novas gerações portuguesas a adoptarem o
modelo de formação profissional e de trabalho alemão. Sabe, chanceler
Merkel, ao lado de muitos portugueses espertalhões encostados ao Estado e
a sociedades, há muito bons portugueses que trabalham ou emigram para
sustentar a má governação já crónica na nação. A culpa não é deste ou
daquele partido, o problema é institucional: uma mistura de mofo medieval
com jacobinismo da revolução francesa, um verdadeiro vírus da mentalidade
moderna portuguesa. Isto não quer dizer que em Portugal não haja
grandes cabeças nas nossas elites; não, pelo contrário, só que cada um
pensa só em si ou no grupo a que pertence. A massa cinzenta parece não
quer sujar as suas mãos.
Dona Ângela,
tenho um pouco de esperança que o seu empenho pela construção da Europa a
leve a evitar que Portugal se torne num achado para o enriquecimento dos
dinossáurios das finanças internacionais através de privatizações de
empresas significativas portuguesas. Enquanto o Estado alemão
salvaguarda, nas suas empresas, os interesses nacionais, Portugal corre o
perigo de, com as suas privatizações, só servir interesses internacionais
do Goldman and Sachs e de pessoas a eles ligadas. Monstros internacionais
querem tomar conta da nossas empresas de energia, águas, saúde, banca,
seguros, etc. para através delas ditarem preços aos clientes e ao Estado.
É verdade que o Estado alemão e a economia europeia também sofrem com as
manipulações do Goldman and Sachs, do Citygroup, do Wells Fargo, e de
outros, mas, a RFA, como potência mundial, encontra maneira de defender os
próprios interesses entre os grandes porque também eles dependem do seu
bem-estar. Nós os pequenos, estamos entregues à bicharada, precisamos de
quem nos defenda dos predadores internacionais e dos parasitas de
Portugal, até, convosco, aprendermos a andar por nós. Os nossos estadistas
têm de aprender a comportar-se como instituições estatais.
Onde há
muita luz também há muita sombra! Uma “Europa” que foi a luz do mundo
encontra-se na penumbra, confrontada nos seus tenros valores de
solidariedade e democracia por pragmatismos desumanos e por mundivisões
egocêntricas e anónimas fortalecidas pelo oriente. A RFA sonhava com uma
Europa à sua imagem, uma EU estável, soberana, numa Europa das regiões
capaz de enfrentar futuros desafios da Ásia e da estratégia troiana árabe.
O nosso
futuro, não se revela promissor, só deixa prever desilusão e uma vida cada
vez mais precária na saúde, assistência social, reformas, trabalho.
Eu venho dum
„povo de descobridores” que de tanto se fixarem no atlântico e no sonho
das ideias altas perdem o solo debaixo dos pés. Falam deste, culpam aquele
como se a glória dum descobridor não se pudesse medir com a dum
trabalhador. Naturalmente que cada povo tem a sua maneira de actuar. Um
Norte mais formiga um Sul mais cigarra; e agora, que o tempo frio da
escassez se aproxima, começa a guerra do palavreado. Um porque cantou o
outro porque trabalhou demais, cada qual tem o seu arrazoado. Nem a
formiga vive só de pão nem a cigarra do seu cantar. A vida é luta e quem
pensa que há algo de graça perdeu toda a graça.
Na Alemanha,
alguns seus conterrâneos dizem que seria melhor que os países com
dificuldades abandonassem o euro para assim poderem refazer as suas
economias e desvalorizar a sua moeda de maneira a poderem fazer
concorrência ao estrangeiro com os seus produtos mais baratos. Outros
falam da criação dum euro mole ao lado do forte. Isto significaria marcar
passo no desenvolvimento dos USE.
Fico triste
quando vejo pessoas do meu povo a associar o seu nome ao de Hitler; não
ligue, geralmente fazem-no as cigarras não as formigas. Alguns até querem
que a Alemanha recomece agora a pagar os desastres da guerra que provocou
como se não tivesse havido já as reparações impostas internacionalmente;
imagine-se que os portugueses começassem agora a exigir reparações pelas
invasões árabes, pelas invasões franceses e os colonizados pelas
colonizações…
Portugal há
já séculos que anda ajoelhado, não por culpa dos outros mas por mérito
próprio. Olhamos demasiado para os nossos monumentos e esquecemo-nos do
dia-a-dia. O facto do grande escritor alemão Schiller ter dito que daria
toda a sua obra para poder ter escrito “Os Lusíadas” não justifica que a
Alemanha tenha agora de nos alimentar. O trabalho honrado dos portugueses
espalhados pelo mundo, enriquecendo outros povos, só honra o luso
emigrante e demonstra a incompetência das nossas elites para criar
condições capazes de os alimentar dentro dos seus muros; não nos dá
direito a pôr exigências a outros povos, como fazem alguns. As diferentes
velocidades de desenvolvimento das economias, é que é necessário
ajustarem!
A lusofonia
é grande mas só será maior através da vontade de ser e do próprio trabalho
não se podendo dar à veleidade de viver dos rendimentos dos seus
antepassados nem de sobrecarregar o futuro dos filhos com dívidas.
Também o
facto de a nossa colonização ter sido “meiga” tem a ver com o espírito
universal português e com a nossa fraca organização de Estado, em termos
de nação, o que se revelou positivo também para povos desorganizados que
descobrimos.
Muitos
dançam ainda ao som da cantiga da “culpa alemã”, em vez de procurarem
entender porque é que a Alemanha é forte e porque é que outros que
ganharam a guerra o não são e porque não analisamos seriamente a razão da
nossa situação crítica. Os governantes portugueses quiseram ser bonzinhos
pondo o país e o povo à disposição duma Europa sôfrega. Confundiram o
Estado e os seus parasitas com a nação. Por isso Portugal chegou onde
está. Os governos alemães e os sindicatos, que procuram ter em conta,
primeiramente o bem-comum do seu povo e depois os interesses dos filiados,
são acusados agora de nacionalistas.
Acusam
V.Excia. de lhe ter subido o” poder à cabeça” como se não fosse dever dum
eleito governamental defender também os interesses do povo que o elegeu.
Os nossos não o fizeram, e queixam-se agora dos outros, esperando deles
beneficência.
Os partidos
portugueses, que assumiram a responsabilidade dos governos, foram outrora
apoiados económica e ideologicamente pelo estrangeiro. Depois mostraram-se
agradecidos para com os que os apoiaram pondo-lhes à disposição uma nação
que lhes não pertencia. Por cima das irmandades partidárias deve estar o
povo e o país.
Prezada
Ângela, ajude Portugal! Admoeste os políticos, ensine-os a defender, como
você, os interesses nacionais sem se tornarem nacionalistas. Ensine-os a
não confundir o património cultural e económico português com o património
do partido ou do grupo de amigos e conhecidos seja em que situação for.
Nós também
percebemos que os construtores da EU têm que nos contar muitas mentiras
para verem se conseguem, com pequenas guerrilhas, a unidade dos USE, sem
guerra, ao contrário do que se deu com o processo de unificação dos USA.
Uma cultura
que sempre liderou o mundo encontra-se, de momento, receosa… A chance de
cada Estado está na USE e na peculiaridade de cada país poder encontrar um
prolongamento da sua identidade nas ex-colónias e assim vir a dar à luz um
mundo mais humano e solidário.
De
momento o problema da Europa é ser uma união sem soberania e o problema de
Portugal está em ter um estado soberano sem nação nem povo.
Prezada
chanceler, a carta tornou-se longa; também isto é uma característica
nossa: falar muito e deixar os outros fazer. Com a vossa ajuda
arregaçaremos as mangas e começaremos a construir a nação à imagem do que
a Alemanha fez, depois da guerra e do que fizeram os nossos antepassados
na fundação da nação e nos descobrimentos.
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