A coligação rebelde – uma aliança
paramilitar de 40 grupos díspares habituados a disparar para o ar (como
as imagens têm mostrado) - acaba com um regime para instalar outro. É
verdade que a rebeldia norte-africana unida apenas ao islão traz ventos
novos mas não os ventos da democracia e dos direitos humanos como
demonstram o Irão, o Iraque, o Kosovo/Albânia, o Afeganistão e outras
sociedades onde a violência se espelha nos rostos e nos gestos da praça
pública.
Para quem esteve atento, aos Meios de
Comunicação Social ocidentais, estes, nos últimos sete meses, só
apresentaram, imagens e entrevistas com os rebeldes; a voz dos fiéis a
Kadhafi foi oprimida independentemente da maioria querer ou não a
revolta. Amplia-se a voz de quem fala mais alto, a voz de quem serve os
“nossos” interesses. O Ocidente manipula e determina assim, através dos
Média, a opinião dos seus súbditos obrigando-os a ter a impressão que só
está na ordem do dia a voz dos rebeldes. Encontramo-nos perante um
sistema de lavagem cerebral refinada e o povo até pensa que tem uma
opinião bem formada, pelo facto de viver em democracia. A má intenção,
aliada à ingenuidade e à ignorância, pode muito.
Direitos humanos, liberdade e
democracia são produtos sociais ocidentais ainda muito enfezados no
próprio Ocidente. A sua concretização precisou de muitos séculos para se
ir tornando realidade numa sociedade europeia de história muito
conflituosa. O Ocidente não faculta aos árabes a sua luta paulatina pela
conquista das suas liberdades. Interesses económicos, que não humanos,
apoiam, conforme o estado do tempo, alternadamente, regimes que impedem
a colonização interna do país em benefício dum colonialismo suave
exterior. O preço são povos continuamente prostrados e violentados em
nome de humanismo e democracia. Continuam, a ser povos subjugados por
uma cultura prisão, que os põe ao serviço dos interesses mesquinhos de
poucos.
Depois de 42 anos de domínio de Maomé
al-Kadhafi, o seu poder corre pelas ruas. O seu paradeiro é a “tenda”,
três dos seus filhos acham-se nas mãos dos rebeldes e o preço do
petróleo baixa.
A Líbia parece juntar-se aos rebeldes
sob a orientação do presidente do Conselho Nacional Provisório (Governo
Provisório) Mustafa Abbdul Dschalil (antigo ministro do regime de
Kadhafi).
Que será depois do ditador Kadhafi?
Um lugar da anarquia, um alfobre de islamismos?
Anseios duma liberdade não realizada
projectam-se sobre uma sociedade de grupos rebeldes unidos apenas pela
mão forte e violenta dum Corão imprevisível. Liberdade e democracia não
fazem parte da sua filosofia. Democracia é um produto ocidental, não
oriental, tido como parte da colonização.
A América e a Europa ou são cegas ou
querem enganar os seus cidadãos ao atestarem vontade democrática ao povo
líbio, quando este luta por outras realidades, e o Ocidente, o que
pretende é petróleo, querendo, para adquirir estabilidade para o
negócio, impor ao mundo árabe um sistema de valores a este alheio.
Sociedades, sem partidos, sempre
confiantes em caudilhos ou no poder militar, ainda não chegaram ao
Renascimento europeu e menos ainda às lutas entre forças religiosas e
forças seculares.
Os nossos políticos certamente que
não têm conselheiros isentos em assunto de antropologia, de sociologia
árabe nem de islão.
Por isso o Ocidente perdeu a guerra
do Iraque sendo a emenda pior que o soneto; também sairá vencido da
guerra do Afeganistão e terá que pagar bem caro, económica e
culturalmente, as palhaçadas que se permite na África do Norte.
A Líbia encontra-se numa situação
pior que o Egipto ou a Tunísia. Sem um exército e com uma sociedade
tribal unida apenas pelo islão, a Líbia propõe-se mais à desmoronarão.
Profecias de al-Kadhafi
Kadhafi, como berbere, confessa: “Eu
sou um combatente, um revolucionário a partir duma tenda… vivo no
coração de milhões… morte, vitória é igual, nós não desistimos… Estas
pessoas (os líbios) chegarão um dia à posição de levar esta luta à
Europa e as vossas casas, escritórios e famílias tornar-se-ão alvos –
legítimos alvos militares – tal como vós usastes as nossas casas como
metas…”. (extractos de citações do HNA, 23.8.11).
Um “eu” no nós, um nós no eu,
constituem a força duma civilização que parece incompreensível ao
ocidente. Esta confissão revela uma estratégia islâmica que só conhece
vencedores e, no caso de fracasso, se alegra com o martírio, o último
valor que esperam os guerreiros do Deus/Alá.
É muito cedo para se poder prever o
caminho líbio. O deserto é grande e propício às mais diversas tendas.
Uma sociedade com muitos canteiros de obras só com o cimento do Corão e
da Sharia, mitigada por ideias e interesses contraditórios de berberes e
migrantes, não constitui fundamento para esperanças aleatórias de
liberdade e democracia. Pior ainda quando democracias ocidentais
mitigadas pela corrupção se armam em exemplo para uma sociedade de
corrupção estrutural?
O futuro próximo da Líbia não se
adivinha melhor que antes, tal como aconteceu com o Iraque. A embriaguez
do petróleo impede o Ocidente de ver e de pensar com clareza,
prejudicando irremediavelmente o seu desenvolvimento bem como o
desenvolvimento social dos árabes.
Restará à América e à Europa aguentar
com os riscos e com os custos do estacionamento (“construtivo”!...) de
militares da Nato na Líbia. Em nome da comunidade internacional e de
“medidas humanitárias” enganadoras, a política justificar-se-á,
abdicando do bom senso.
O Ocidente oferece aqui mais uma
oportunidade à estratégia de al-Qaida na sua guerra contra a economia
ocidental.
O papel da Europa e dos USA é
deprimente. Na sua arrogância não tomam o islão a sério nem os seus
representantes. Confundem o desejável com o praticável. A mudança não é
possível com coacção. Nos Media usa-se a palavra-chave democratização
como capa da corrupção, da censura e da violência.
A distância da Líbia à democracia
está na proporção da distância do Corão aos direitos humanos.
António da Cunha Duarte Justo
antoniocunhajusto@googlemail.com
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