Nos meus
escritos emprego a palavra biótopo/ecossistema não só no sentido
botânico mas alargo-o à antropologia e à sociologia dum lugar ou região
(assim, ecossistemas = unidades de vida de várias espécies em comum
abrangendo também o seu habitat humano cultural). Assim também a língua
faz parte dum ecossistema cultural, tal como o verde faz parte da
cobertura vegetal.
Um
ecossistema cultural é um processo de organização da vida resultante do
ambiente geográfico/climático e cultural. De facto a mitologia, a
filosofia, a religião e a maneira de organizar a vida e o pensamento
depende primária e intrinsecamente da geografia/clima e da maneira como
o ser humano reage técnica, emocional e intelectualmente ao seu meio.
Os conjuntos
dos ecossistemas biológicos e culturais encontram-se numa relação de
“diálogo” entre si: numa relação biológica e intercultural. Ao falar de
ecossistema/biótopo cultural quero sugerir a interdependência e a
coerência vital dentro dele mesmo; interdependência baseada no princípio
de colaboração/ selecção interna e de definição em relação ao
externo/estranho.
Assim como os
biótopos e ecossistemas formam a biosfera também os ecossistemas
culturais (civilizações, línguas, culturas) formam a esfera cultural
humana global. Habitat geográfico e cultural implica a configuração
geográfica e intelectual com diversos biótopos. Assim verifica-se que o
homem do deserto desenvolve uma filosofia diferente da do Homem das
terras férteis. Daí também as diferentes mitologias. A sobrevivência
afirma-se na diversidade.
Geralmente,
no diálogo entre disciplinas, culturas, ideologias e as épocas da
História, não se tem em conta a coerências dos “ecossistemas”,
afinidades e diferenças, nem se respeita a lei fundamental que se
verifica a nível biológico e cultural: a lei da complementaridade
subjacente ao desenvolvimento. Na discussão pública, geralmente um
afirma-se negando ou denegrindo o outro. As cores do arco-íris são
reduzidas ao branco ou ao preto, ao verdadeiro ou ao falso
desprezando-se a realidade que se encontra nas cambiantes.
A afirmação
duma opinião própria dum biótopo afirmada em relação a um outro ou a um
outro ecossistema cultural pode tornar-se fatal se não se tem em conta
as correlações a eles inerentes. Assim a filosofia cristã só pode ser
compreendida em relação a outra se tivermos em conta não só o espaço
geográfico que ocupa mas também as suas fontes semitas, gregas, romanas
num determinado processo histórico. A religião islâmica não se poderá
conhecer sem o seu pano de fundo: o oásis e o deserto.
Também se
torna arrojado falar-se e ajuizar dum ecossistema linguístico/cultural
medieval em termos de ecossistemas linguísticos/culturais
contemporâneos. Ao fazê-lo, geralmente, atraiçoa-se não só a cor local
mas corre-se também o risco de instrumentalizar mentalidades para fins
menos nobres. Até a transposição de textos ou comportamentos medievais
numa linguagem corrente hodierna pode induzir em erro. O mesmo talvez já
não fosse tão grave se a tradução fosse feita para árabe, uma cultura
que se encontra bastante próxima da medieval e como tal com compreensão
aferida à idade média. Geralmente, juízos de valor sobre o passado não
passam de desculpa duma mentalidade que sofre do mesmo mal da de ontem,
hoje criticada.
Na
actualidade temos suficientes áreas propícias à discussão sem
precisarmos de recorrer ao passado e perturbar o repouso dos mortos, por
muito bons ou maus que tenham sido. Quando os argumentos não valem
apela-se à responsabilidade clã. Neste sentido, hoje a Igreja Católica é
o bombo da festa.
A opinião
resulta dum biótopo geralmente em contraposição a um ecossistema.
Não há
raciocínio isento. Isenta poderá ser a procura. Na procura crescemos!
Por isso vale a pena procurar e raciocinar. O que fica da verdade é a
procura e a esperança de a encontrar. |