Conta a lenda que Ulisses, numa
viagem à península ibérica, fundou no Tejo a cidade Olissipo, hoje
Lisboa.
Ulisses foi um rei lendário de Ítaca
e grande herói do cerco de Tróia onde se distingui pela excepcional
coragem, prudência e sagacidade.
Ele é a figura central da Odisseia
(parte da Ilíada) onde Homero ( 700 a.C.) conta a viagem de Ulisses, no
seu regresso de Tróia para a pátria. Até chegar à sua terra Ítaca, na
Grécia, teve muitas aventuras e dificuldades. A odisseia dura dez anos.
Aportado à ilha da deusa Circe, esta
advertiu-o dos perigos que o esperavam ao longo da sua viagem. Falou-lhe
do perigo das Sereias que “com suas vozes enfeitiçantes criavam o desejo
ansioso de escutá-las sempre” e alertou-o para os monstros Sila e
Caribdes. Apesar de avisado, Ulisses conta, com tristeza, que Sila, o
monstro das seis cabeças, atacou o barco “e em cada uma das suas
bocarras ávidas sumiu-se um dos meus companheiros”.
A viagem é o símbolo da vida de cada
um de nós e Ulisses é o símbolo do homem que acorda para a vida,
desperta para si mesmo. Circe (a inteligência) ajuda a prever os
perigos.
Ulisses, depois de ter vencido os
outros, acorda para si e para a vida adulta, começa a viagem de
regresso; põe-se a caminho, na procura da sua terra. A sua terra (Ítaca)
significa o seu eu (a descoberta da sua pessoa). A viagem significa o
seu caminho (currículo), a sua vida. Ulisses procura, na vida, o seu eu
mais profundo (a ipseidade).
Geralmente as pessoas passam a vida
sem se descobrirem a si mesmas, são levadas a distrair-se com o que
aparece e acontece no seu caminhar; confundem o ter com o ser, conseguem
apenas o caminho do combate até Troia. Fazem o que os outros mandam ou
esperam delas. Subjugam-se às necessidades imediatas ou superficiais,
procurando compensar desilusões com ilusões. Mesmo na escola não
aprendem a aprender, nem a conhecerem-se a si mesmas. Aprendem
coisas sobre as coisas para melhor poderem servir os interesses daqueles
que guiam a sociedade e aprendem competências para se poderem safar na
vida com um emprego.
Ulisses, para se conhecer bem a si
mesmo, quer investigar a realidade até ao fundo e as ilusões que a
acompanham. No seu caminhar descobre que o sentido não vem das coisas
(de fora) mas que ele é que dá sentido às coisas (o sentido vem de
dentro). A autoridade é ele.
Ao aproximar-se da ilha das sereias
que, com o seu canto, o queriam desviar do seu caminho, Ulisses deu
ordem aos marinheiros para o amarrarem ao mastro do navio e tapou os
ouvidos dos companheiros com cera. As Sereias gritavam bem alto: “Não
fujas, Ulisses, generoso Ulisses, Ulisses famoso, honra da Grécia! Pára
defronte da praia, para ouvir a nossa voz.” O barco de Ulisses,
porém continuava a sua rota. De facto todo o mortal que até aí passara
pela ilha das sereias não tinha conseguido libertara-se delas, não
chegando mais a casa, à sua terra. Ulisses, com a sua táctica, conseguiu
gozar da melodia das sereias e ao mesmo tempo não se arredar do caminho
da sua vontade. A sensualidade e o espírito, o exterior e o interior são
integrados no Homem com inteligência e vontade. Sem uma meta acompanhada
da razão e da vontade não se vai longe.
Para não ser dominado pelas
influências exteriores (ilusões) e para se poder tornar ele mesmo
compromete-se com algo superior. Não chega seguir só a linha horizontal
da vida (o instinto, a opinião ocasional); Ulisses amarra-se, com a
ajuda do próximo, ao mastro do navio que significa a linha vertical, a
esfera superior que lhe dá força para ser livre muito embora
reconhecendo-se como parte do todo. Assim pôde saborear o prazer da
música e a beleza das sereias. Manteve, ao mesmo tempo, a sua liberdade
sem se perder nelas. O seu eu profundo conseguiu dominar o seu ego
superficial, impedindo que o barco, seu corpo, se perdesse nas bocarras
ávidas de Sila.
Ulisses dignifica o corpo e o
espírito! O seu eu adulto, orientado pelo espírito da liberdade,
consegue viver na harmonia dum corpo são em alma sã.
Os cristãos chamam a esse espírito da
liberdade e da união de tudo em todos, a aquisição da natureza de
Cristo. Nela a corporeidade (Jesus) complementa-se na espiritualidade
(Cristo); nela se acaba com a polaridade dos contrários, com a
polaridade de espírito e matéria.
A Odisseia prepara-nos o caminho para
a realidade da complementaridade de instinto e vontade, sentimento e
razão, de corpo e espírito. Nós somos ao mesmo tempo actores e
espectadores da vida. Para descobrirmos o nosso verdadeiro eu temos que
descobrir o mundo em nós, não nos limitando ao ser de espectadores.
A sociedade Oriental está mais virada
para o destino, subjuga-se mais à natureza, deixando-se viver mais no
nós, na família, no grupo. A sociedade Ocidental fixa-se mais na
afirmação do eu e da vontade; não aceita o destino, quer a emancipação
do Homem, quer transformar o mundo. Por isso o Ocidental criou toda uma
tecnologia que o ajuda no alcance da meta que se propõe.
A vida é esforço e compromisso! Com
Ulisses não há crise! |
ANTÓNIO da Cunha Duarte JUSTO . Nasceu em Várzea-Arouca (Portugal). E-mail: a.c.justo@t-online.de.
Professor de Língua e Cultura Portuguesas, professor de Ética, delegado da disciplina de português na Universidade de Kassel .
PUBLICAÇÕES
- Chefe Redactor de Gemeinsam, revista trimestral do Conselho de Estrangeiros de Kassel em alemão com secções em português, italiano, turco, françês, grego, editada pela cidade de Kassel, tiragem 5. 000 exemplares.
- Editor da Brochura bilingue: "Pontes Para um Futuro Comum – Brücken in eine gemeinsame Zukunft", editada na Caritas, Kassel
- Editor de "O Farol" , jornal de carácter escolar e social em colaboração com alunos, pais e portugueses das cidades de Bad Wildungen, Hessisch Lichtenau, Kassel, Bad Arolsen e Diemelstadt( de 1981 a 1985)
- Editor de „Boletim da Fracção Portuguesa no Conselho de Estrangeiros de Kassel (1984)
- Autor da Brochura „Kommunalwahlrecht für Ausländer – Argumente“ editada pela Câmara Municipal de Kassel, Fevereiro de 1987.
- Co-autor da Brochura „Ausländerbeiräte in Hessen - Aufgaben und Organisation“, editada pela AGAH e Hessische Landeszentral für politische Bildung, Wiesbaden, 1988.
Colaborador de vários jornais e do programa de rádio semanal de português de Hamburgo.
http://blog.comunidades.net/justo
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