Vida sem erotismo é ausência, é frieza. De facto, a
sexualidade e a espiritualidade atravessam o coração humano. A
sexualidade é uma dádiva que não deve ser tabuizada nem
instrumentalizada. Ela é sinal de alegria na vida.
Apesar duma sociedade sexualmente pervertida em que o comércio se
apoderou da sexualidade, a Igreja não pode manipular a sexualidade dos
seus padres muito embora o argumento do testemunho pese muito.
A propaganda reduz a mulher a mercadoria. A mulher é transformada em
alegoria de mercadoria ao lado dum automóvel. Este é o melhor sinal de
como o mercado já colonizou o corpo da mulher com as fantasias sexuais a
ele unidas. A mercadoria tornou-se mulher e a mulher mercadoria. Ela
tornou-se reclame. A indústria comercializou o desejo sexual pondo-o ao
seu serviço.
Toda a pessoa se encontra sob tensão entre necessidade e valores, seja
qual for a forma de vida escolhida, a caminho do possível.
Maturidade afectiva pressupõe a capacidade de renúncia a necessidades e
a capacidade de diferenciação entre o papel que se desempenha e a pessoa
que se é. Só assim se pode observar os próprios abismos. Até ao concílio
de Espanha (Elvira) era comum os padres poderem compartilhar a
corporeidade com a esposa. A acentuação do ofício sobre a pessoa exige
super-homens sem necessidades, condicionando a santidade do ofício à
especialidade do homem padre. Em nome da independência sexual tornam-se
dependentes da administração. O facto dos párocos terem feito o voto de
castidade não os deve impedir de ter coragem para esclarecer o povo,
muito embora a coragem seja dificultada por uma obediência mal
entendida.
A igreja não pode calar-se em relação à sexualidade do padre nem pode
aceitar que o sacerdote seja torturado pela sexualidade.
A sexualidade consta de relação, fecundidade, identidade e prazer. A
Igreja solucionou muito bem a relação e a fecundidade, através de
rituais e sacramentos. O problema do prazer e da identidade reserva-os
para a controvérsia, sem lhe dar resposta.
O celibato é uma forma de vida, uma opção livre nas ordens e
congregações religiosas. É um testemunho especial do evangelho de
disponibilidade para o espiritual. Porém o processo da incarnação e da
ressurreição e o mistério da trindade não permitem apenas a visão
bipolar de extremos contraditórios. A espiritualidade cristã não se
esgota no diálogo ela vive do triálogo e por isso da complementaridade
dos “elementos”. Esta integra a dialéctica na mística.
A obrigação celibatária do clero secular traz, hoje, muito mais
desvantagens que vantagens para o povo de Deus.
Uma sociedade sexualizada faz dos celibatários exóticos levando-os ao
isolamento. O exercício sacerdotal torna-se hoje mais difícil que ontem.
A vida celibatária traz consigo mais disponibilidade mas acarreta também
perigos, além de arrogância e de egocentrismo, na falta do elemento
correctivo comunitário ou do parceiro, pressupostos necessários para
haver desenvolvimento. A abstinência genital sexual não implica
abstinência emocional sexual, isto tanto para casados como para
solteiros. A renúncia à prática genital pode aumentar a emocional
possibilitando uma maior relação com a comunidade, com os membros e com
Deus; o mesmo se diga duma prática genital sexual familiar. Há muitos
caminhos para chegar a Deus e nem sempre os que se manifestam mais
directos são os mais rápidos!
Celibato é uma questão para adultos. Pessoas que não aceitam e não
conhecem a sua sexualidade devem renunciar ao celibato. A contenção
sexual é uma prática também presente no matrimónio.
Também há perturbações (fobias) da personalidade que se podem esconder
no celibato. O amadurecimento da personalidade é um processo e como tal
não deve ser parado em nenhum sector.
Nos tempos em que havia grande afluência de vocações sacerdotais aos
seminários, os orientadores prestavam grande atenção à maturidade
intelectual, psíquica e afectiva; hoje, a carência pode tornar os
critérios de selecção mais laxa, o que pode ter más consequências. O
padre deve continuar a ser uma instância moral, também o pode ser como
casado! A instituição não pode limitar-se no mundo a ser um universo
paralelo. Os padres não são criaturas sem necessidades. A natureza
quer-se dominada mas não negada. A negação da necessidade implica a
negação da realidade. Uma afirmação da instituição à custa da negação da
necessidade pode tornar-se exploração e pode conduzir à hipocrisia e à
sobranceria.
O padre caminha ao lado das pessoas. Nas missões e no meio dos pobres
realizam acções heróicas. A sua entrega é total, vivem com os pobres de
dia e de noite, assumem as suas preocupações. Ele é cura de almas e
presencia o divino. Todo o cristão está chamado a esta missão.
O voto da castidade pode tornar-se, com o tempo, numa grande carga, numa
prisão da sexualidade e é já hoje uma renúncia a fomento de cristianismo
nas instituições democráticas.
A Igreja católica, num acto de angústia, viu-se na necessidade de
proclamar, a 19 de Junho de 2009, um ano sacerdotal.
Com isto espera das comunidades cristãs e dos padres maior empenho. Os
bispos, continuam a reagir como a avestruz que em situações de perigo
metem a cabeça debaixo da areia. Em vez de analisarem o porquê da crise
sacerdotal e a prescrição celibatária preferem continuar a apostar no
celibato do pároco, a reduzi-lo a um perfil de desafio entre aceitação e
rejeição, apesar da penúria que se alastra por todas as paróquias.
A instituição ainda não se deu conta que explora a pessoa do padre e por
vezes abusa de pessoas sobrecarregadas com cargos honoríficos, que os
chegam a envolver em activismos exaustivos. Naturalmente que embora o
trabalho feito, não reverta em favor da instituição mas em favor da
comunidade, esse facto não deve desresponsabilizar a administração no
cuidado que deve ter pelos seus membros. Naturalmente que uma igreja
pobre ao serviço dos pobres não tem fundos de meneio suficientes para
poder fomentar uma rede de colaboradores leigos mais eficiente. Embora a
fórmula trinitária seja plena em relação à dialéctica, a organização não
pode fugir à realidade dialéctica da disputa de dois pólos: um pólo
constante do exercício e da procura da verdade e outro variável de
expressão e adaptação cultural.
© António da Cunha Duarte Justo
http://antonio-justo.eu/ |
ANTÓNIO da Cunha Duarte JUSTO . Nasceu em Várzea-Arouca (Portugal). E-mail: a.c.justo@t-online.de.
Professor de Língua e Cultura Portuguesas, professor de Ética, delegado da disciplina de português na Universidade de Kassel .
PUBLICAÇÕES
- Chefe Redactor de Gemeinsam, revista trimestral do Conselho de Estrangeiros de Kassel em alemão com secções em português, italiano, turco, françês, grego, editada pela cidade de Kassel, tiragem 5. 000 exemplares.
- Editor da Brochura bilingue: "Pontes Para um Futuro Comum – Brücken in eine gemeinsame Zukunft", editada na Caritas, Kassel
- Editor de "O Farol" , jornal de carácter escolar e social em colaboração com alunos, pais e portugueses das cidades de Bad Wildungen, Hessisch Lichtenau, Kassel, Bad Arolsen e Diemelstadt( de 1981 a 1985)
- Editor de „Boletim da Fracção Portuguesa no Conselho de Estrangeiros de Kassel (1984)
- Autor da Brochura „Kommunalwahlrecht für Ausländer – Argumente“ editada pela Câmara Municipal de Kassel, Fevereiro de 1987.
- Co-autor da Brochura „Ausländerbeiräte in Hessen - Aufgaben und Organisation“, editada pela AGAH e Hessische Landeszentral für politische Bildung, Wiesbaden, 1988.
Colaborador de vários jornais e do programa de rádio semanal de português de Hamburgo.
http://blog.comunidades.net/justo
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