O livro, “Luz do Mundo – O Papa, a Igreja e os Sinais
dos Tempos”, resulta duma entrevista efectuada de 26 a 31 de Julho, onde
Bento XVI em Castel Gandolfo respondia, uma hora por dia, às perguntas
directas e pessoais do jornalista Peter Seewald.
Bento XVI dá assim continuidade aos livros-entrevista
"O sal da terra" e "Deus e o mundo", resultantes das entrevistas que o
outrora comunista Peter Seeweald fizera ao então ainda Cardeal Razinger.
Esta nova forma de abertura ao jornalismo contemporâneo possibilita a
leitura a um público mais abrangente que o das encíclicas.
No livro “Luz do Mundo”, o chefe supremo de 1.200 mil milhões de
católicos, toma posição no respeitante aos problemas da Igreja e da
sociedade, falando, sem subterfúgios, sobre si, o seu pontificado, a
alegria do cristianismo, os abusos na Igreja, o ecumenismo, a sida,
mesquitas e burca, o modernismo, o progresso, a droga, a sexualidade,
Pio XII, a mulher, o celibato, etc. Ao ler-se o livro acompanha-se um
Papa sublime e humilde, que, no centro da vida, quer dar vida à fé e
trazer fé à vida.
Dá prazer ler os escritos lúcidos dum homem sábio, fiel a Deus e à
humanidade, que, neste momento crucial da História humana, constata que
“é absolutamente inevitável um exame de consciência global.” Não chega
guiar-se pelo ponto de vista “ da factibilidade e do sucesso.” Para
evitarmos certos aspectos destrutivos do progresso “devemos reflectir
sobre os critérios a adoptar a fim de que o progresso seja
verdadeiramente progresso”. A sociedade ocidental encontra-se numa
encruzilhada que conduz ou a um secularismo que não tem nada para
contrapor aos grandes problemas da humanidade ou a uma nova questionação
sobre Deus. Reconhece que “muitas coisas devem ser repensadas e
expressas de um modo novo.”
O anúncio do Evangelho não pode ser consensual: “Se o consenso fosse
total, teria de me interrogar seriamente sobre se estaria a anunciar
realmente o Evangelho todo”. Reconhece porém que não se tem apresentado
suficientemente o potencial libertador e o sentido da fé em Deus. “O
cristianismo dá alegria, alarga os horizontes.”
Nota-se que Bento sofre pelo facto dos Media e dos críticos da Igreja
condicionarem a modernidade da Igreja às questões que têm a ver com os
sexos.
Torna-se nefasto e desastroso para a Europa e para o mundo o caso do
modernismo europeu reduzir a imagem da Igreja católica ao seu trato do
sexo e condicionar a sua aceitação à sua maneira de encarar a
sexualidade. Uma Europa que deve a sua configuração ao Cristianismo e um
mundo que tem no catolicismo o seu primeiro modelo implementador de
globalização, não revelam carácter ao rebelarem-se como filhos pródigos
renitentes na sua primeira fase de abandono e repulsa.
Estes filhos pródigos apoderaram-se de grande parte dos média, das
políticas e das administrações, controlando grande parte da opinião
públicada e dos centros do poder e tratando a Igreja como sua rival. Os
preconceitos mediáticos e a desinformação tornam cada vez mais
necessária a abordagem directa dos textos papais.
Contesta o relativismo propagado afirmando que “o homem tem de procurar
a verdade; ele é capaz da verdade. É evidente que a verdade necessita de
critérios de verificação e de falsificação”. E mostra o seu desconsolo
sentindo-se "decepcionado sobretudo por existir no mundo ocidental esse
desgosto com a Igreja, pelo fato do secularismo continuar tornando-se
autónomo, pelo desenvolvimento de formas nas quais os homens são
afastados cada vez mais da fé, pela tendência geral da nossa época de
continuar sendo oposta à Igreja".
Lamenta a cegueira do mundo ocidental onde muitas pessoas não distinguem
entre o bem e o mal; reconhece na Europa forças destrutivas e manifesta
esperanças nas pessoas fora da Europa. Questiona uma sociedade em que as
sondagens se tornam “o critério do verdadeiro e do justo.” Para a Igreja
"a estatística não é a medida da moral".
Preocupa-o a nova intolerância propagada por um laicismo activista que
em nome da tolerância se aproveita para afastar símbolos religiosos dos
espaços públicos e assim safar o cristianismo da Europa. “A verdadeira
ameaça frente à qual nos encontramos é que a tolerância seja abolida em
nome da própria tolerância… Existem regras ensaiadas de pensamento que
são impostas a todos e que são depois anunciadas como uma espécie de
tolerância negativa…. há uma religião negativa abstracta que se
transforma em critério tirânico e que todos devemos seguir… Ninguém é
obrigado a ser cristão. Mas ninguém deve ser tão pouco obrigado a viver
a «nova religião» determinada como única e obrigatória para toda a
humanidade… O que importa é que procuremos viver e pensar o cristianismo
de tal modo que ele absorva o moderno que é bom e está certo e, ao mesmo
tempo, se separe e diferencie do que é uma contra-religião.”
Apela à defesa da fé como catalisadora do mal num mundo secularista
agressivo. Este quer o ser humano inteiramente disponível ao seu domínio
e à sua ideologia reduzindo-o a indivíduo e a coisa sem dignidade
divina. “Porém, a presença divina revela-se sempre no Homem.”
Para Bento XVI razão e fé não são contraditórias; vê na fé um serviço
crítico e um limite razoável da razão. Doutro modo, o Homem, ao fazer-se
a medida de todas as coisas, reduz e desumaniza a criação. O Homem sem
Deus, destrói-se a si mesmo e a criação, sem se sentir responsável
perante ninguém.
No que respeita ao sacerdócio da mulher, Bento XVI diz que o facto dos
apóstolos terem sido homens levou esta prática a ser assumida pela
Igreja como norma, sentindo-se ele, assim, condicionado pelo direito. Ao
argumentar com a norma consuetudinária deixa o campo aberto à discussão
teológica. De facto o NT também diz:”…o que ligares na terra será ligado
no céu…” Bento também testemunha que “o significado das mulheres – de
Maria a Mónica até Madre Teresa de Calcutá – é tão proeminente que, de
muitas maneiras, as mulheres definem o rosto da Igreja mais do que os
homens.”
Quanto ao uso do preservativo o “grande Mestre” aponta para a
possibilidade da casuística: um método da Tradição que faculta, em casos
de conflito entre princípios morais, a possibilidade de optar pelo
princípio maior (neste caso a defesa do corpo e da vida é mais relevante
que a proibição do uso do preservativo para impedir a natalidade). A
Igreja não se pode encostar aos adaptados que têm apenas respostas
fáceis e ideologia para oferecer. Ela é acontecimento, milhares dos seus
membros entregam-se abnegadamente na ajuda aos infectados pela SIDA.
Bento XVI atesta que “onde quer que alguém queira obter preservativos,
eles existem. Só que isso, por si só, não resolve o assunto. É preciso
fazer muito mais”. “A mera fixação no preservativo significa uma
banalização da sexualidade, e é precisamente esse o motivo perigoso pelo
qual tantas pessoas já não encontram na sexualidade a expressão do seu
amor, mas antes e apenas uma espécie de droga que administram a si
próprias”... O uso do preservativo é legítimo “em casos pontuais,
justificados… o preservativo pode ser um primeiro passo na direcção de
uma sexualidade vivida de outro modo, mais humana.” Solicita a”
humanização da sexualidade”.
Quanto à homossexualidade, ensina: os homossexuais "merecem respeito" e
"não devem ser rejeitados por causa disso".
Relativamente à possibilidade de renunciar ao papado responde “Se o papa
chega a reconhecer com clareza que física, psíquica e mentalmente já não
pode suportar o peso do seu ofício, tem o direito e, em certas
circunstâncias, também o dever de renunciar."
Segundo ele, também as feridas da Igreja “têm para nós uma força
purificadora e, no final, podem ser elementos positivos". De facto, na
Igreja como na natureza encontra-se a contradição, não fosse ela vida.
A droga "destrói os jovens, destrói as famílias, leva à violência e
ameaça o futuro de nações inteiras".
A humanidade alcançou os limites do seu crescimento. A solução cristã,
para sair da crise e para resolver os problemas do ambiente e da
humanidade, não vem de iniciativas da economia de mercado mas da
metanóia, da mudança da consciência individual. Bento, o Cristianismo,
aposta na pessoa e crê na sua capacidade de mudança através do
aprofundamento da consciência individual numa perspectiva de fé.
O Papa sublinha a esperança cristã e a necessidade de colocar Deus em
primeiro lugar para que a Igreja seja a luz de todo o mundo.
A Igreja, como organismo vivo é processo e não uma instituição que se
deixe regular apenas por leis externas. O Papa não pode nem deve dar
resposta imediata a tudo. Ele é como a Constituição dum país. Da
Constituição não se podem esperar respostas muito específicas. Para isso
estão as leis, para isso há a pastoral que tentará dar respostas
adequadas a situações específicas, “in loco”, tal como as leis do Estado
fazem, tendo como inspiração o espírito da Lei Fundamental.
Em caso de conflito de consciência o Cristão está chamado a orientar-se
pela própria consciência, como advogava já S. Tomás de Aquino. É também
um princípio cristão que o amor está por cima da lei.
Resta aos cristãos e ao mundo “encontrar palavras e modos novos para
permitir ao homem destruir o muro do som do finito.”
António da Cunha Duarte Justo
antoniocunhajusto@googlemail.com
http://antonio-justo.eu/ |
ANTÓNIO da Cunha Duarte JUSTO . Nasceu em Várzea-Arouca (Portugal). E-mail: a.c.justo@t-online.de.
Professor de Língua e Cultura Portuguesas, professor de Ética, delegado da disciplina de português na Universidade de Kassel .
PUBLICAÇÕES
- Chefe Redactor de Gemeinsam, revista trimestral do Conselho de Estrangeiros de Kassel em alemão com secções em português, italiano, turco, françês, grego, editada pela cidade de Kassel, tiragem 5. 000 exemplares.
- Editor da Brochura bilingue: "Pontes Para um Futuro Comum – Brücken in eine gemeinsame Zukunft", editada na Caritas, Kassel
- Editor de "O Farol" , jornal de carácter escolar e social em colaboração com alunos, pais e portugueses das cidades de Bad Wildungen, Hessisch Lichtenau, Kassel, Bad Arolsen e Diemelstadt( de 1981 a 1985)
- Editor de „Boletim da Fracção Portuguesa no Conselho de Estrangeiros de Kassel (1984)
- Autor da Brochura „Kommunalwahlrecht für Ausländer – Argumente“ editada pela Câmara Municipal de Kassel, Fevereiro de 1987.
- Co-autor da Brochura „Ausländerbeiräte in Hessen - Aufgaben und Organisation“, editada pela AGAH e Hessische Landeszentral für politische Bildung, Wiesbaden, 1988.
Colaborador de vários jornais e do programa de rádio semanal de português de Hamburgo.
http://blog.comunidades.net/justo
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