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ANTÓNIO JUSTO... |
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O cientista faz, o artista realiza e o crente celebra
O Homem na sua essência é Cientista, Artista e Crente |
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O português, Antero de Quental, ao questionar-se sobre a verdade diz:
“ A Religião chama-lhe Deus; a Ciência chama-lhe ideia…só a Arte fala do
Homem e do mundo… A metafísica e o espiritualismo só poderão ser
destruídos quando, ao mesmo tempo, forem abolidas a razão e a
consciência humana“ (1). A Modernidade ensinou-nos que mais que as
instituições e as ideologiasw é importante a confluência de experiência
e interpretação.
Encontramo-nos na infância da evolução a caminho do Homem adulto; o
nosso conhecimento é demasiado limitado para poder compreender a
realidade dum universo ilimitado. No debate público domina o diálogo do
preconceito, o saber da aparência. Esta situação só pode ser reconhecida
por pessoas instintivamente empenhadas na descoberta da verdade /
realidade. Albert Einstein desabafava;”Que mundo é este em que vivemos…
onde é mais fácil quebrar o núcleo de um átomo do que um preconceito.”
O Homem é o sonho do mundo entre outros sonhos do universo, a caminho
duma Realidade infinita. Através da Ciência, da Arte e da Religião,
procura encontrar-se naquilo que o supera numa tentativa de não ver a
sua vida reduzida à de Sísifo. Este foi condenado a viver no Inferno por
causa das suas manhas, constituindo a sua pena eterna no trabalho
sucessivo de arrastar a mesma pedra ao cimo do monte rolando ela para o
sopé, sempre que ele atingia com ela o cume.
Uma nova consciência, dos tempos novos, a irromper pressupõe a superação
dos Sísifos da Ciência, da Arte e da Religião para, em conjunto
permanecermos no cimo da montanha a presencializar o vale do passado e
do futuro. Daí, nas cores do arco-íris unidos iremos todos beber no rio
o fluir da vida. Daí compreenderemos o ser do Verão e do Inverno no
escuro das nuvens, na força da tempestade, no brilho do Sol que até a
noite pontua. Daí nos reconheceremos vegetação feita de selva e deserto,
aridez e cascatas, luzes garridas e noites coroadas de estrelas. Daí
avistamos e aceitamos os extremos em nós, num jogo de miragens e oásis
que nos estimula o apetite da vida. Daí do cimo do monte, juntos seremos
uma bandeira que o povo vê e numa dança de procurar e encontrar deixa a
saudade humana ao monte subir e aí gozar o longe e o perto, o passado e
o futuro na proximidade do agora a desfrutar a amplidão do horizonte.
Aí, povo e sentidos todos reunidos na realização do sentido a caminho da
meta do bem e do Homem.
As três capacidades humanas fundamentais são pensamento, vontade e
sentimento. A ciência acentua o pensar, a arte o querer e a religião o
sentir. As três competências fazem parte da mesma alma, como referiam já
Paulo, Dionísio Areopagita, Clemente de Alexandria e Agostinho, e
correspondem a três caminhos, na descoberta das fontes do ser e da
verdade.
O espírito humano manifesta-se através da arte, da ciência e da religião
em contínua inter-acção. As três disciplinas correspondem a três vias
livres na descoberta da verdade livre. Todas elas se encontram na mesma
pessoa, na mesma cultura, na mesma disciplina afirmando-se por vezes uma
em detrimento das outras. Por outro lado, mal-entendidos e contradições
fomentam, também eles, energias para novas ideias e iniciativas na
construção do Homem que não pode estar sem barreiras nem contradições.
As barreiras da linguagem e das opiniões levam-nos, de geração em
geração, a arrastar a mesma pedra numa luta de afirmação e
contra-afirmação de esquerda direita, de teísta e ateu, sem a
preocupação livre de verificar o que está por detrás do esforço sisífico
que nos impele.
O cientista Einstein dizia “apenas calco as linhas que flúem de Deus”.
Se partirmos de Deus como a definição indefinida, da arte e da ciência
como definições indefinidas mas sempre a ser definidas, talvez se torne
mais fácil uma redefinição sempre em acto de definição de cada indivíduo
e de cada cultura e com isto uma cultura de vida integral.
Através da Arte, da Religião e da Ciência pretende-se tactear a
realidade, tornar o infinito visível, a verdade palpável. Entre caos e
ordem temos a vontade de formar, criar nova ordem. O ser consciente não
suporta já deixar-se reduzir a porteiro da própria cultura ou a
guarda-livros duma vida enlivrada, alheio ao seu processo e a parâmetros
de que faz parte integral. Já não é gratificante ser apenas cão de
guarda duma ideologia, duma opinião ou instituição. A verdade da arte,
da religião e da ciência impedem que a vida se reduza a memória ou a
desejo. A vida e a realidade deixam de estar aprisionadas em museus,
igrejas, faculdades, fábricas ou ateliers reduzindo o ser humano a ser
cativo: prisioneiro do passado e do futuro, acorrentado à tradição e ao
progresso. Não chega ter museus, urge viver com as musas.
Já Heraclito (500 a. C.) reconhecia: “tudo flúi (panta rhei) e nada
permanece…é na mudança que as coisas acham repouso”. Por detrás da
mudança está o Logos, o Verbo, a informação, a palavra, a acção, o
repouso na mudança. A mudança através da aproximação pressupõe a
contínua atitude de se gerar no dar à luz, como revela o mistério da
gruta de Nazaré. Quental refere esta realidade afirmando que o ”fenómeno
antecedente não cria o consequente, é só condição para que ele se
produza…A causa do fenómeno está na mesma natureza do ser onde ele se
dá…A natureza é o teatro da História, não o seu agente. As leis da
História têm a sua última raiz nas leis da consciência” (2), no
espírito.
O processo da aventura humana, no sentido da liberdade é um apelo
contínuo à consciência. Cada um terá para isso de integrar e realizar em
si mesmo as várias musas que batem à porta do seu consciente. Isto se
não quisermos limitar-nos a ser cientistas, artistas e teólogos que, na
fuga à banalidade factual do quotidiano, amarrados ao tempo e ao espaço,
procuram apenas ultrapassar a fronteira da morte alheia sem reconhecerem
o horizonte para além da natureza.
O carácter do próprio pensamento e das ciências, arte e religião,
encerrados nos próprios caixilhos e fixos nos adequados contornos, não
permitem ver mais do que o que encerram, duma Realidade mais abrangente.
São apenas recortes do mistério. Assim se mantêm qualidades encarceradas
dentro das próprias disciplinas, longe da sua essência. A maioria das
pessoas rota em torno da própria órbita no desconhecimento das outras.
Assim se adia a vida e a História vivendo-se em segunda mão. A verdade
dá lugar à própria opinião. A religião, encerrada em si mesma é
folclore, a arte encerrada nela mesma é exibicionismo narcisista, a
ciência encerrada nela mesma é ideologia. A realidade não se pode
confinar num espartilho, o essencial exige um continente para dele
transbordar. Cada época, cada pessoa, cada disciplina desfolha um novo
capítulo da vida e da História.
Cada vez se torna mais difícil manter a vista geral das três componentes
bem como uma visão do que é específico da arte, da ciência e da
religião. Antigamente era mais fácil agir e sentir sob o mesmo tecto da
arte, ciência e religião; o seu teto comum e a sua meta são o Bem, o
Belo e a Verdade. As suas colunas são a religião, a arte e a ciência.
A arte expressa a contínua mudança do tempo em processo dialogal.
Através dela e da religião o ser humano procura estabelecer relações
entre o mundo e o que o supera. A arte faz parte da religião. Deus é a
realidade toda e nós somos parte dela! Para Platão a poesia deve
apresentar Deus como ele é “porque todos os grandes poetas não produzem
as suas poesias devido à mera destreza, mas porque estão entusiasmados e
obcecados por Deus”. O mistério fala através do brilho da obra de arte.
A forma esconde um conteúdo transcendente, não apenas documental.
Trata-se, nesta perspectiva, duma vivência do verdadeiro, do bem e do
belo no mesmo acto. A arte acorda os sentidos para forças criativas de
toda a espiritualidade. Com as criações da arte podemos descobrir o
criador em nós. |
A ARTE |
Com a diferenciação racional as disciplinas foram-se emancipando e
diversificando. Hoje encontramo-nos, por vezes, na esquizofrenia da
afirmação pela contradição. A arte instrumentalizada, deixa de ter
valor, perde o significado em si, para o receber do serviço prestado ou
pretendido. Na modernidade a arte deixa de ser verdade.
Picasso (1923) dizia: “o artista tem que saber de que maneira pode
convencer outros da veracidade das suas mentiras.” Tratava-se da verdade
reduzida ao seu aspecto sensorial. A necessidade de emancipação dos
poderes estabelecidos correspondia a uma necessidade de desenvolvimento
adequada à consciência do tempo. Também a mentira pode acordar para a
verdade.
Sócrates defendia o agir correcto através do conhecimento correcto. Para
Kant (1724-1804) as únicas fontes do conhecimento são os sentidos e a
razão. Os sentidos (espaço e tempo) são o pressuposto da imaginação
sensorial, da aparência (mundo das formas). Aqui a arte quereria apenas
a verdade dos sentidos. Mas a percepção impelida pela alma dá-lhe mais
profundidade activando a razão criativa.
A experiência de jovens que diminuem a capacidade auditiva devido a
músicas demasiado altas, adverte-nos para o perigo de se querer
deslumbrar com a forma, com o exterior das coisas, à custa do seu
interior. A demasiada ressonância exterior pode impedir a ressonância
interior, o acordar da alma, ficando-se apenas pelo nível sentimental,
pelo formal. Consumidores da arte são, por vezes, obrigados a aceitar a
perversidade como normalidade. Neste caso pode tratar-se duma arte
reduzida a espelho de fantasias mórbidas; certamente que também a
patologia das emoções não deixa de ter um certo estímulo.
Uma vivência exagerada ao nível dos sentidos (da forma das coisas) pode
conduzir à percepção da essência da realidade. A arte dirige-se a
vivências que humanizam o Homem. Toda a obra de arte tem um carácter
religioso que advém do seu reflexo no interior de cada observador.
A experiência dos sentidos é o ponto de partida para a fantasia
criativa. Através do prazer dos sentidos o artista chega à
transcendência dos mesmos, para entrar no seu Espírito, e poder levar
uma vida não só com gozo mas com felicidade! Na ressonância
transformamo-nos na obra de arte. No que diz respeito a um concerto de
piano, poder-se-ia afirmar que o corpo se torna no piano a tocar; a sua
vibração acorda o espírito para uma esfera já não limitada à forma.
Também no deixar-se embrenhar na escrita dum texto pode acontecer como
que o orgasmo do contexto. Então, “a mentira” da forma faz reviver a
verdade e despertar para novas realidades. A arte envolve-nos na esfera
da imaginação e da recordação fazendo vibrar em nós a outra dimensão, o
espírito.
Na arte o ser transforma-se de modo a poder realizar as suas intuições.
Ela preocupa-se com a realidade. O agente, através da vontade (arte)
cria-se e realiza-se a si mesmo como obra de arte como parte da
realidade que reconhece e nela flúi. O artista cria algo, realiza as
suas intuições reorganizando de novo o mundo das suas percepções. No
acto de realizar, o artista experimenta-se como ser livre, como espírito
liberto. Entra no mundo do além, no mundo das ideias e torna-as
presentes no aquém.
O artista derrama na obra energia concentrada. Na qualidade de ser
livre, liberta a realidade e constrói um novo mundo ao serviço dum mundo
novo. Pela arte o Homem transcende a sua realidade de produto (criatura)
para se tornar produtor. De criatura passa a criador. Assim ilumina a
natureza projectando-a para lá dos sentidos com o holofote do espírito.
O mundo das ideias é encaminhado no sentido humano, no reconhecimento de
que o Homem é a consciência da natureza. Nele ela reconhece-se. Como
obreiro da realidade tem uma meta a consciencializar. Não é indiferente
fazer ou não fazer ou desaparecer na massa. O problema é deixar de
fazer, deixar de caminhar no sentido do bem, da verdade e do belo!
O artista ao fazer o ponto da situação da arte do passado e do presente
e das suas sub-culturas terá de ter sempre presente o facto
evolucionário (ou melhor, situado) da História. (Não seria adequado
falar-se da evolução do pensamento mas sim da vulgarização do
pensamento, não do saber mas de saberes). De facto, a verdade é
interpretável à luz dos fundamentos éticos e dos novos conhecimentos.
A razão crítica acompanha o artista na sua representação artística. Para
se não ser subjugado ao domínio da razão surge o sentimento, a religião
como culto integrador. O pensar grego procura responder às questões
através da reflexão e da plausibilidade e o pensar moderno através de
tentativa e contínua observação. |
CIÊNCIA |
Com a idade moderna de Copérnico e Galileu inicia-se a era científica.
Nicolau Copérnico mudou a imagem do mundo ao colocar a terra a andar à
volta do Sol, passando este a ser um ponto entre outros do universo.
Isaac Newton (1643-1727) descobre a lei da gravitação tornando-se o pai
da física mecanicista.
A leitura do universo começa assim a contrapor-se à leitura bíblica.
Deixa de haver a verdade para haver doutrinas, opiniões. A ciência
divorcia o Homem da natureza que quer máquina e enceta a via dialéctica
reservando para si a Terra e para a religião o Céu. A realidade passa a
ser apreendida no objectivo e factual perdendo o seu carácter processual
e subjectivo.
O cientista reconhece algo na terra e preocupa-se com o geral, com o
possível; para ele a ciência é a possibilidade. O pensamento é um
caminho para a liberdade. Ele investiga o mundo dos objectos, a crusta
da realidade. Do mirante do pensamento consegue observar o acontecer do
mundo. O pensamento começa por reduzir tudo a objecto para assim o poder
observar como realidade individualizada. O pensar grego reduzia a
realidade às ideias, o judaico cristão ao agir.
Kant acreditava na capacidade da verdade se afirmar e resumiu o agir
responsável ao imperativo categórico: “Age de maneira que a Máxima da
tua vontade possa valer em cada momento como princípio duma legislação
geral”. Para ele, moral terrena e religião correspondem-se, cobrem-se
porque a lei moral no agir é orientada pela razão e corresponde aos
mandamentos. A crença em Deus não se pode reduzir a uma declaração de
confissão; o seu reconhecimento dá-se através do cumprimento da sua
obrigação. “Tem coragem de agir segundo a tua razão”, exorta Kant. Esta
exigência tornou-se a essência do iluminismo e fomenta o espírito
crítico em todas as disciplinas, incluindo a teológica. O seu
compatrício Bento XVI corrobora: “Não agir razoavelmente é contrário à
natureza de Deus”. Adverte ao mesmo tempo para o relativismo esvaziante.
O pensamento tropeça nele mesmo ao reduzir o mundo a discurso e ao
obstinar-se na objectividade. Neste percurso a ciência desvincula-se do
Homem e da natureza.
A física quântica demonstrou que a realidade não se deixa definir apenas
pela objectividade, dado, esta ser essencialmente subjectiva. A ciência
precisa sempre dum acto posterior em que o sujeito pensante pode ver
para lá do objecto individual restituindo-lhe o seu carácter de sujeito,
o que implica a superação do dualismo. No fundo também o objectivismo
científico não passa duma soma de subjectividades cristalizadas. Rudolf
Steiner, em “Ciência da Liberdade”, designa o caminho da Ciência para a
verdade como “monismo” onde o aquém e o além se transformam nas duas
partes da mesma realidade ao alcance de quem procura. A tecnologia é a
arte da ciência. O conhecimento provém da união da ideia com a
percepção.
As teorias são, também elas, modelos (hipóteses e métodos) de explicação
duma realidade inexplicável. A verdade científica permanece verdadeira
até à nova descoberta. Novas teorias científicas, parecem contrariar
aspectos da teoria de Copérnico colocando de novo a Terra com o seu
Sistema Solar num lugar central do universo (cfr. Teoria em torno do
cosmólogo Clifton). Também a contínua expansão do universo desde o Bing
Bang, há cerca de 13,7 mil milhões de anos, provocada pela “energia
escura” ou força anti-gravidade (70% do conteúdo da energia do universo)
é questionada. Ninguém consegue determinar a natureza da energia escura
sendo a sua existência controversa, no próprio mundo científico. Também
aqui as certezas caem como as folhas do plátano no Outono. Hoje como
ontem torna-se óbvia a atitude sábia e humilde de Sócrates de que “sei
que nada sei”. No nevoeiro cerrado da floresta virgem da realidade
vai-se fazendo caminho, passo a passo, na procura da realidade /
verdade. Para isso não parecem ser suficientes as catanas dos sentidos e
do pensamento. O pensamento causal da ciência e a visão mecanicista e
determinista de Newton revelam-se como inválidos para grande parte da
realidade física, como confirmou a mecânica quântica. Uma ciência
divorciada, sem meta continuará a vaguear no labirinto que envolve o
Homem desviando-o dele mesmo. Não chega a lógica nem as categorias
causais para descrever a realidade. “A lógica leva-nos de A para B. A
imaginação leva-nos a todo o lado”(Albert Einstein).
O caminho do conhecimento do Homem ultrapassa a sua abordagem
científica. A ciência procura conhecer a unidade da realidade. Através
da intuição podemos consciencializar-nos da sua componente material e
espiritual. „A ciência levanta os olhos para a ideia através da
sensualidade (sentidos), a arte avista a ideia na sensualidade
(sentidos) ” (3). A cultura dá um passo em frente procurando superar a
sensualidade através do espírito. Na religião prevalece o acto
integrador da fé. O crente faz parte integrante do acto (litúrgico) não
se distanciando dele como observador, ao contrário do que acontece na
ciência mecanicista e determinista. |
RELIGIÃO |
Antero de Quental, homem íntegro, que não parou numa posição ou
opinião, confessa o perigo em que incorreu, afirmando: “Eu acreditei em
muitos dogmas da moderna superstição do Progresso” (4).
O caminho da religião (re-ligare, religo e re-legere, recolho) é um
processo de re-união ao protótipo divino (síntese Jesus Cristo),
presente no mais íntimo de cada um (a natureza de Cristo em nós). Esta é
a religião interior do Homem adulto, do super-homem de Nietzsche. Aí, no
âmago do ser, se realiza o Homem a acontecer. Jesus é o primeiro
super-homem, o primeiro Homem realizado. A máxima “Ama e faz o que
quiseres” de Agostinho, é o resumo da vida cristã, a vida do Homem
superior.
O Homem realiza-se a caminho da liberdade, integrando o pensamento e a
acção no sentir. No momento religioso o mundo dos sentidos encontra-se
em harmonia com o mundo espiritual numa relação de encontro de Homem e
Mundo, de Homem e mundo em/com Deus. A criatura participa do criador (o
cristianismo não é um monoteísmo puro, nele integra a natureza criada);
aí a pessoa alcança a consciência mais alta da verdade. Realiza-se
misticamente a união do eu com o mundo, tudo isto em processo. Neste
estado de consciência dá-se a percepção da alma das coisas. Em termos
cristãos trata-se da experiência da transubstanciação. O processo de
desenvolvimento do eu e da consciência poderia ser comparado à
incarnação e ressurreição. Primeiro dá-se a descida, a incarnação do
Espírito (Cristo) em Jesus para depois se dar a subida de Jesus
(matéria) em Cristo, o eu espiritual. O que em termos cristãos poderia
ser referido como a experiência da realidade da Trindade. Não se está no
mundo, é-se mundo com o mundo a gerar o mundo, a Realidade. O ser humano
deixa de ser parteira para se tornar em grávida. A gravidez da vida
resulta da gestação do espírito na matéria que se encontra sempre em
processo de dar à luz. A religião é a alma da cultura e ao mesmo tempo o
sémen da arte e da ciência. O ser religioso experimenta-se como ser
limitado e incompleto, a acontecer na relação com o outro. Religião é ao
mesmo tempo lugar da experiência, da ideia, do rito e da ortopraxia.
Ora et labora como diz a regra beneditina. Aqui não há contraposição mas
sobreposição e osmose das diferentes componentes ou perspectivas do ser
humano. A arte que antigamente tinha a sua casa na igreja viu-se
obrigada a sai para a rua devido à estreiteza das suas janelas. É
necessário que ela reentre não como escrava mas como senhora!
O Cristianismo olha para o mundo com o olhar interior da oração e da
acção partindo dum ser humano ao mesmo tempo criatura e criador. A
religião e as outras disciplinas têm-se fixado demasiado nas
insuficiências humanas e nos limites descurando o carácter complementar
de todos os sectores da vida e da realidade. Deixam-se assim deslumbrar
no dualismo duma dialéctica que vive da contradição e da auto-afirmação
à custa do outro. A dialéctica é superada pela poética e pela religião
(se bem entendidas!). Religião é processo, caminho de / para Deus. A tua
conduta é que determina a verdade da tua religião, a tua veracidade.
Ciência, arte e religião são diferentes formas de procura e de
realização da mesma realidade que é o Homem, o mundo e o que o
transcende; têm de comum o mundo espiritual e uma meta conjunta que é o
Bem, a Verdade e o Belo. A mística é a fonte de encontro onde todos vão
beber numa missão de descoberta e revelação. Trata-se de redescobrir e
reinterpretar o mundo até agora revelado e de gerar novos mundos.
Para isso é necessário entrar na relação dinâmica entre as três no
sentido de criar uma nova forma de estar para se dar à luz uma nova
realidade. A ciência e a arte pressupõem a religião, como podemos
interpretar no aforismo de Goethe:”quem possui ciência e arte, tem
também religião; quem não tem as duas, tem religião”! A religião é o
substrato.
A música clássica é um exemplo acabado da sintonia da ordem divina do
mundo, por isso se tornou insuperável. Teilhard de Chardin fala-nos da
“convergência” do ser. A experiência religiosa testemunha uma evolução
da experiência espiritual que se processa na abertura do espírito.
Constata-se ao longo da história humana um evoluir de consciências. Ao
estádio arcaico, pré-paradisíaco seguiu-se o estádio mágico e mítico
para passar ao estádio mental-racional em que nos encontramos. No
horizonte já se adivinha o próximo estádio, o estádio integral. Neste
estádio passa-se da afirmação pela contradição, duma “mentalidade do
ou…ou” para a “mentalidade do não só…nas também”. A visão a-perspectiva
integra as visões perspectivistas numa panorâmica global integral. Neste
estádio da consciência integral já não se reconhecerão as respostas do
estádio mental-racional como respostas definitivas. “O mundo deu o salto
das formas da consciência mágica e mítica por volta do ano 500 a.C., o
que entre nós aconteceu de forma mais vincada do que na Ásia; agora a
humanidade prepara-se de novo para um salto; este leva-nos da
consciência mental arracional para a consciência integral arracional”(6).
No estádio pré-parasidíaco bíblico a alma ainda se encontra embrulhada
na natureza, em estado de sonolência. A alma dorme sem descobrir o
outro, sem a consciência da diferença de homem e mulher, num estádio
androgínico. Na fase de passagem mágica-mítica descobre-se como sexuado,
nota a diferença (altura em que Eva, mais desenvolvida abre os olhos de
Adão para a realização, a autoformação. A alma adormecida procura fora o
que nela dorme. A consciência mítica leva o Homem a separar-se da união
mágica. Começa a olhar para dentro de si mesmo, reflectindo então nos
mitos as paisagens da alma. É o princípio da reflexão, da percepção
polar.
Milhares de anos mais tarde, o Mestre de Nazaré, vivendo embora em
ambiente de consciência mítica, supera o pensar mítico e vence a esfera
mental-racional presente nos fariseus numa interpretação bíblica
demasiado enredada em abstracções. A transparência do mundo torna-se
visível nele; nele irrompe o aquém e o além, o “não só…mas também”, a
divindade e a matéria reconciliada no Homem. No acontecer de J. Cristo
realiza-se a estrutura da Consciência integral. Os discípulos vivem a
transfiguração do mundo através da força espiritual. Hoje, apesar de
muitos se encontrarem ainda sob as auroras mágica, mítica, mental
racional, mais que nunca, através dos avanços da ciência e da reflexão,
se encontram mais pessoas preparadas para compreender a estrutura
integral da consciência a-perspectiva a querer irromper.
Esta é a fase em que a Ciência, a Religião e a Arte se irmanam. Nesta
nova fase do desenvolvimento a religião ou se torna mística ou perde
grande parte do seu sentido, como afirmava Karl Rhaner.
Para Teilhard de Chardin evolução é o subir da consciência do mais
profundo da matéria no sentido convergente do Ponto Ómega (5). A meta da
História cósmica e humana é o Ponto Ómega. O desenvolvimento da
consciência na matéria encontra-se documentado em J. Cristo no qual a
matéria floresce no espírito, tal como a vela ardente que em si reúne
matéria e “espírito”.
A teologia da Trindade e a Física quântica reconhecem a Realidade, por
diferentes vias, como relação de complementaridade e interacção. No
princípio era o Verbo, a informação!...
Também a biologia reconhece na natureza o princípio da colaboração em
contraposição duma biologia em serviço da ideologia, unilateralmente
centrada no princípio da selecção natural.
É óbvio o surgir duma nova era em que a dialéctica se revela apenas como
uma técnica de abordagem e não como a realidade adulterada numa
perspectiva meramente linear ou cíclica (ocidental/oriental). A
dialéctica é superada pela poética, pela religião e pela física
quântica. No encontro da Ciência da arte e da Religião processa-se ao
mesmo tempo o encontro do Ocidente com o Oriente; os dois pólos da
realidade reconciliam-se numa perspectiva integral.
A Realidade é a-perspectiva sujeita a abordagens de perspectiva que,
como tais, só se tornam verdadeiras numa relação de complementaridade. A
apreensão da verdade é possível, muito embora na consciência da roupagem
da própria perspectiva.
Não se trata de não progredir ou de não regredir mas de evitar o
pragmatismo oportunista e de entrar num processo de mutação na
colaboração de ciência, arte e religião, em respeito mútuo.
Auto-afirmação através da afirmação e confirmação do outro.
A Realidade é como uma casa feita só de portas e janelas. Na existência
sabida e sentida, por mais portas que se abram, mais portas ficam por
abrir. A religião, a Ciência e a Arte não poderão continuar a reduzir a
sua missão a porteiros da realidade, reconhecendo-se parte dela.
No fazer, realizar e crer estamos todos a dar resposta à questão: quem
sou eu? Eu sou no tu do nós!
Ulisses é o protótipo do Homem ocidental, que é de natureza
transpessoal. Ele no seu plano, ao contrário da ciência e da tecnologia,
tinha uma meta existencial na vida que era atingir a “sua terra”, o Bem,
a Verdade e o Belo. Porque tinha sempre uma meta maior a atingir, não se
perdeu nem reteve numa circunstância da vida ou num lugar. Ítaca e
Penélope davam-lhe força para continuar o seu caminho. O caminho
enriquece-o e a meta torna-o sábio. Ao chegar à terra tinha conseguido
reunir nele todo o saber da vida. Tinha chegado ao profundo dele mesmo! |
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(1) Antero de Quental, Pensamento
Português, p. 146, Editorial Verbo
(2) Antero de Quental, Pensamento Português, p. 191 Editorial Verbo
(3) Rudolf Steiner in Grundlinien einer erkenntnistheorie der Goethschen
Weltanschaung, mit besondrer Rücksicht auf Schiler.GA Bibl.-Nr.2 Dornach,
7.Aufl.1979
(4) Antero de Quental, Pensamento Português, p. 102, Editorial Verbo
(5) Pierre Teilhard de Chardin, O Fenómeno Humano, Livraria Tavares
Martins, Porto 1965
(6) Jean Gebser, Hasienfiebel, p.157, Bern 1962 |
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ANTÓNIO da Cunha Duarte JUSTO . Nasceu em Várzea-Arouca (Portugal). E-mail: a.c.justo@t-online.de.
Professor de Língua e Cultura Portuguesas, professor de Ética, delegado da disciplina de português na Universidade de Kassel .
PUBLICAÇÕES
- Chefe Redactor de Gemeinsam, revista trimestral do Conselho de Estrangeiros de Kassel em alemão com secções em português, italiano, turco, françês, grego, editada pela cidade de Kassel, tiragem 5. 000 exemplares.
- Editor da Brochura bilingue: "Pontes Para um Futuro Comum – Brücken in eine gemeinsame Zukunft", editada na Caritas, Kassel
- Editor de "O Farol" , jornal de carácter escolar e social em colaboração com alunos, pais e portugueses das cidades de Bad Wildungen, Hessisch Lichtenau, Kassel, Bad Arolsen e Diemelstadt( de 1981 a 1985)
- Editor de „Boletim da Fracção Portuguesa no Conselho de Estrangeiros de Kassel (1984)
- Autor da Brochura „Kommunalwahlrecht für Ausländer – Argumente“ editada pela Câmara Municipal de Kassel, Fevereiro de 1987.
- Co-autor da Brochura „Ausländerbeiräte in Hessen - Aufgaben und Organisation“, editada pela AGAH e Hessische Landeszentral für politische Bildung, Wiesbaden, 1988.
Colaborador de vários jornais e do programa de rádio semanal de português de Hamburgo.
http://blog.comunidades.net/justo
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http://antonio-justo.blogspot.com/ |
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