ANTÓNIO JUSTO...

PADRES A MENOS E PASTORES A MAIS
Celibato – Ontem uma Bênção – Hoje um Problema

A Igreja Católica conta com 1.131.000.000 católicos no mundo e dispõe de 407.262 padres e de 815.237 membros de ordens religiosas (estatísticas de 2008).

As comunidades cada vez contam com menos padres. A frequência dominical diminui também. Enquanto na Polónia 40% da população vai regularmente à missa, na Alemanha, dos 25,461 milhões de católicos só frequentam regularmente a missa dominical 17%, isto é 3,492 milhões (estatísticas de 2008).

Pelo contrário, a Igreja Evangélica, onde não há obrigatoriedade de celibato para os seus pastores, vê-se obrigada a dividir um tempo inteiro de pároco por dois pastores, com meio tempo para cada um, pelo facto de ter pastores e pastoras em superabundância. A Igreja Católica, por seu lado, encontra-se numa situação desesperada de luta com a falta de padres.

As Igrejas ortodoxas russa e gregas, nas quais os padres se podem casar, não têm problemas de formação e angariação de padres. Tradicionalmente as famílias de padres fornecem também novos padres. Os bispos são recrutados, geralmente, das ordens religiosas.

Em Portugal conta com 81,10 % de católicos. Segundo a Agência Ecclesia, em 2006 havia 2.894 padres distribuídos por 21 dioceses em 4.366 paróquias. Por cada dois padres que morrem é ordenado um. A Igreja, para responder ao problema organiza “Unidades Pastorais” com equipas de sacerdotes responsáveis por várias paróquias; além disso recorre à formação de diáconos casados.

Até ao século XX, a obrigação do celibato para os párocos revelou-se como medida inteligente, na Igreja Católica. Duma maneira geral, a Europa era constituída por uma sociedade de classes, fechadas em si mesmas. O povo não tinha acesso às classes superiores nem à cultura das elites, não podendo, por isso, assumir lugares de responsabilidade pública. As grandes famílias distribuíam o poder (postos) entre elas. O sacerdócio celibatário impedia a concentração do poder eclesiástico em famílias tendo sido, ao mesmo tempo, um elemento democrático no meio do clero, da nobreza e da burguesia.

A extensão da obrigação celibatária das ordens (clero regular) às paróquias (clero secular) possibilitou uma solidariedade entre elites e povo. O padre, que, geralmente, provinha das classes populares tinha hipótese de subir e fazer parte do alto clero. A sua presença contesta a prática secular das grandes famílias nobres/burguesas e possibilita a subida da classe desfavorecida aos postos superiores da sociedade eclesiástica, impedindo que se formasse uma oligarquia sem base popular. O povo, através do sacerdócio, trazia sangue novo e renovador à oligarquia da Igreja, solidarizando-a com o povo. Aqueles que não aguentavam com o jugo do celibato e abandonavam o seminário ou o cargo, provindos embora do povo, passavam para a sociedade secular onde ocupavam cargos relevantes e deste modo assumiam também uma presença popular nela.

Quando se fala de padres e de celibato é necessário distinguir entre os celibatários por vocação, (membros de ordens e congregações religiosas) e os celibatários por encargo aos quais a legislação eclesiástica impõe o celibato como condição de acesso ao exercício da missão sacerdotal paroquial. O celibato para os párocos foi tornado obrigatório pela Igreja Católica na idade média. A Igreja Ortodoxa não aderiu a esta medida disciplinar. Apenas exige o celibato aos bispos. A ligação do exercício do sacerdócio ao celibato não tem fundamento bíblico. Pelo contrário, a Bíblia opõe-se ao ascetismo exagerado e à proibição do casamento aos padres (cf. 1Tim3,1-13 e 4, 1-5).

Entretanto o celibato tornou-se no principal factor impedidor da abundância de padres. O benefício que o celibato traz para a estratégia administrativa é adquirido contra a integração cultural e estrutural do cristianismo nas estruturas seculares. Uma mentalidade fechada e ingénua tem levado as elites da administração eclesiástica a adiar o problema em detrimento da Ecclesia semper reformanda e da integração religiosa nas estruturas culturais. A estruturação da sociedade hodierna exige não só novas medidas em relação ao clero mas também uma nova estratégia de presença cristã nas sociedades. A sua nova reestruturação não pode ser feita apenas para dar resposta à falta de padres. O papel dos leigos numa comunidade viva consciente e activa não pode esquecer a importância do testemunho de vida e missão na sociedade em que estão inseridos.

Clericalismo e anti-clericalismo são sintomas de Sociedades desintegrada

Nas sociedades nórdicas, a influência dos pastores casados e suas famílias está muito presente a nível cultural e político-social nas nações. O seu contributo cultural para a sociedade secular faz lembrar o contributo cultural de alto nível dos judeus, no seio dos povos onde se encontram inseridos. É importante constatar-se que, nos povos nórdicos, não há o anti-clericalismo que se encontra em países latinos. Isto tem a ver naturalmente com a integração social e o relevo cultural dados pelas famílias dos padres evangélicos às nações. É frequente ouvir-se políticos tomar posição em público fundamentada em princípios cristãos e isto tanto em partidos de esquerda como de direita.

Nas nações latinas, tradicionalmente de maioria católica, os padres também contribuíram muito para a cultura secular dos países; faltou-lhes porém a disputa com a vida concreta do dia a dia, o enraizamento familiar e a consequente influência. O povo nas sociedades latinas são mais indiferentes e mais dependentes da opinião momentânea do que os povos das nações nórdicas. Os filhos dos pastores evangélicos foram muitas vezes pioneiros a nível de cultura e movimentação política crítica, integrando-se nas mais diversas expressões da arte, da ciência e da religião. Deste modo a Igreja torna-se indirectamente a guardiã do progresso e ao mesmo tempo a defensora de valores tradicionais e humanos.

Clericalismo e anti-clericalismo são fenómenos doentios de sociedades mais desintegradas.

Cidadãos e crentes têm que suportar as estruturas e suportar-se a si também!

 

ANTÓNIO da Cunha Duarte JUSTO . Nasceu em Várzea-Arouca (Portugal). E-mail: a.c.justo@t-online.de.

Professor de Língua e Cultura Portuguesas, professor de Ética, delegado da disciplina de português na Universidade de Kassel .

PUBLICAÇÕES  

- Chefe Redactor de Gemeinsam, revista trimestral do Conselho de Estrangeiros de Kassel em alemão com secções em português, italiano, turco, françês, grego, editada pela cidade de Kassel, tiragem 5. 000 exemplares.

- Editor da Brochura bilingue: "Pontes Para um Futuro Comum – Brücken in eine gemeinsame Zukunft", editada na Caritas, Kassel

- Editor de "O Farol" , jornal de carácter escolar e social em colaboração com alunos, pais e portugueses das cidades de Bad Wildungen, Hessisch Lichtenau, Kassel, Bad Arolsen e Diemelstadt( de 1981 a 1985)

- Editor de „Boletim da Fracção Portuguesa no Conselho de Estrangeiros de Kassel (1984)

- Autor da Brochura „Kommunalwahlrecht für Ausländer – Argumente“ editada pela Câmara Municipal de Kassel, Fevereiro de 1987.

- Co-autor da Brochura „Ausländerbeiräte in Hessen - Aufgaben und Organisation“, editada pela AGAH e Hessische Landeszentral für politische Bildung, Wiesbaden, 1988.

Colaborador de vários jornais e do programa de rádio semanal de português de Hamburgo.

http://blog.comunidades.net/justo

 http://antonio-justo.blogspot.com/