Nas culturas patriarcais a mulher era e é
praticamente um apêndice do homem. Também as sociedades mais
desenvolvidas, se encontram ainda muito distantes duma sociedade
equilibrada construída na base da reciprocidade de feminidade e
virilidade. Apesar dos esforços do conveniente movimento de libertação
da mulher, temo-nos limitado ao nível de adaptação de imagens ao
masculino sem interesse pelo ser da feminilidade e do ser mulher. O que
tem interessado é a mulher industrializada como produtora, consumidora e
cliente ao serviço da cultura, uma imagem dinâmica mas obediente à norma
social masculina.
Uma mera adaptação da mulher aos parâmetros da nossa
sociedade corresponderia apenas a uma masculinização da mulher, dado o
modelo das sociedades contemporâneas ser também ele masculino. Na sua
inconformidade com o status quo, a mulher conseguiu muito. A sua força
criativa e reformadora ainda não encontraram plataforma. O objecto de
combate não deve ser o homem mas sim as suas estruturas viris afirmadas
à custa da feminidade reprimida.
A mulher tem sido, em parte, reduzida a um
complemento do homem, da família, da sociedade com as correspondentes
necessidades a serem saciadas e que determinam a imagem mais ou menos
elevada e ocasionalmente propagada. Homem e mulher funcionalizados no
sentido duma adaptação inconsciente a superstruturas que os prendem…
As ciências humanas reduzem, geralmente, a mulher ao
seu carácter sociológico mais ou menos aferida ou contraposta à norma
masculina. Assim se reduz a mulher ao seu carácter fisiológico ou a uma
função sociológica enquadrada num projecto de homem entre a sua sombra e
Vénus, um ser acessório de que se vai mudando a imagem conforme a
conveniência cultural do tempo. Nas fotos das mulheres e nos cartazes,
poderíamos ver materializado o espírito de cada época.
A insegurança do homem ocidental perante a mulher
leva-o a considerá-la como um ser antagónico e o medo da sociedade
muçulmana perante ela levam o homem a aprisioná-la debaixo da burca ou
do lenço. Em sociedades em que o sexo ou o exótico não eram tão
tabuizados a mulher tinha mais voto na vida do dia a dia. Pelo menos é o
que se podia constatar na imagem da mulher da Índia dos tempos dos Vedas
em que havia igualdade de direitos do homem e da mulher. A ocupação
islâmica da Índia (1009-1526) transformou a sociedade fazendo da mulher
uma escrava do homem. A poligamia é o sinal mais visível do poder do
homem. Na Europa a imagem da mulher anda muito ligada ao sistema
económico.
O homem e a mulher são seres em processo em continua
mudança sócio-cultural. A mulher, porém, não é reduzível a um
psicologismo, a um sociologismo nem a um economicismo. O mesmo se diga
do homem; ao afirmarem-se na contradição negam o seu ser humano de seres
em relação, o seu carácter trinitário. Ao reduzir-se a mulher reduz-se
automaticamente o homem e consequentemente desequilibra-se a sociedade,
desfuncionalizando-a do seu verdadeiro fim.
O homem não perdoou a Eva o facto de ser ela a
primeira a atrever-se a dar o salto colectivo para o individual, o salto
do anonimato animal e emocional para a racionalidade humana que adveio
com a vontade de ser diferente e a liberdade de comer dos frutos da
árvore da vida. A vergonha do homem leva este a projectar na mulher a
culpa. Assim a fatalidade das virtudes ou defeitos da mulher continua a
encontrar-se em relação à norma homem e aos seus medos perante o ser
dela. Por um lado o amor cúltico por outro o desejo de a ver submissa
como se observa hoje também na prática da procura do homem pela mulher
distante: a brasileira, a russa e a polaca. Hoje como ontem procuram-se
papéis de mulher que interpretem as necessidades do homem e da sociedade
masculina do tempo e não a mulher em si. São reduzidas a ícones à
disposição.
O destino da mulher não poderá ser condicionado ao
seu rol, ao seu papel, nem tão pouca à redução do homem a cultura e da
mulher a natura. Um e outro são de valor integral não podendo ser
reduzido a um perspectivismo unilateral; cada um encontra-se bem em sua
casa, sem ter necessidade de operar os ovários ou de se castrar.
Socialmente tem havido uma aproximação nos papéis a executar
socialmente. A emancipação da mulher não passa porém dum bluff se a
sociedade em que se encontra não lhe possibilitar novas formas de vida
para ela adquirir respeito. O empreendimento da mudança do tipo de
sociedade máscula que somos terá de ser obra da mulher e do homem na
descoberta do humano que não é masculino nem feminino.
A igualdade dos sexos deve trazer vantagens para os
dois. As suas necessidades não se reduzem às necessidades biológicas de
reciprocidade mas também a necessidades existenciais que possibilitem o
realizar e experimentar do ser homem e do ser mulher na própria pessoa
numa relação de tensão entre um eu e um tu. “Deus criou o Homem como
homem e mulher” (Gen 1,27) e não apenas como homem ou como mulher,
porque Ele mesmo é relação. O homem só o é perante a mulher e a mulher
só o é perante o homem. Deste modo, mais que uma emancipação um do
outro, será oportuna uma libertação em parceria. Tal como Deus partilha
o seu ser com o Homem também a mulher partilha o seu ser com o homem,
não só estando mas sendo com ele e vice-versa. O ser da pessoa é relação
sendo o homem mais que ele e a mulher mais que ela. Para lá da
sexualidade está a união transcendente, o laço “matrimonial” do Homem
todo na entrega mútua.
Nas grandes revoluções do futuro a mulher terá de
desempenhar um papel activo muito grande. Do seu acordar dependerá em
grande parte o desenvolvimento das sociedades subdesenvolvidas, a
humanização das sociedades desenvolvidas. Precisamos dum novo modelo de
sociedade.
Nos Estados muçulmanos serão elas que terão de
provocar o desenvolvimento das sociedades patriarcais. O sofrimento da
mulher e a sua resignação interiorizada são fenómenos sociais que bradam
aos céus. Encontram-se abandonadas a si mesmas. Pena é que as mulheres
em processo de libertação se não solidarizem com as poucas que conseguem
levantar a cabeça contra o patriarcado insuportável que as domina em
culturas que usam a amordaça da vergonha fazendo delas pessoas
envergonhadas. O mundo muçulmano precisa duma época do renascimento e do
humanismo tal como a Europa teve há 500/600 anos e que provocou o seu
grande desenvolvimento a nível material. Só uma revolução cultural
aliada à mulher poderá quebrar as amarras do patriarcado aí vigente.
O grande trunfo do poder dos povos árabes está não só
na sua capacidade de guerrilha mas especialmente na instrumentalização
da mulher como geradora de muçulmanos. A imprensa relata que o
presidente do governo Turco afirmou em relação à Europa que a barriga
das mulheres realizará o que a política na consegue. De facto a
comunidade turca na Alemanha manifesta-se resistente a qualquer
integração, acontecendo que onde se radicam formam uma sociedade
paralela. Em 1975 eram quinhentos mil na Alemanha, altura em que a
Alemanha fechou as portas à emigração, hoje já são três milhões.
O problema crucial da „bomba demográfica“ é sentido
de maneira especial em Israel. Vinte por cento da população israelita é
de origem árabe. Israel fomenta a maternidade das israelitas. Cada
mulher israelita dá à luz 2,7 crianças. Sentem-se responsáveis pela
sobrevivência de Israel. Além disso ter filhos é uma bênção. “Uma mulher
sem filhos é incompleta” pensa o povo. Toda a mulher israelita tem
direito a fertilização gratuita in vitro, em clínicas de fertilidade. A
religião, a economia e a sociedade fomentam a família e as crianças,
também com infra-estruturas adequadas. A planificação familiar é muito
importante em Israel atendendo à explosão de nascimentos muçulmanos, à
necessidade de soldados e de cidadãos. A sua terra prometida é aquela,
não tendo mais para onde ir como povo. A solidariedade familiar ajuda as
mães a ter emprego e a ter filhos. Patrões também ajudam famílias a
partir do quarto filho.
O ventre da mulher está ao serviço da política
agressiva masculina, como se verifica, dum lado e do outro. Umas e
outras são instrumentalizadas, fazendo-o porém na consciência de que são
livres ou de que prestam um serviço à sociedade máscula.
No sentido da libertação da mulher seria importante
ser feita uma hermenêutica, um estudo comparativo da mulher nas
diferentes sociedades. Um compêndio tipo planta das consciências
culturais e da auto-compreensão e posição da mulher.
Uma sociedade em mudança, com novas contornos,
precisa de desenvolver novos valores sem medo de novos modelos de
pensamento e de vida. Um dos papéis importantes da política será
integrar a vida familiar na vida social e laboral.
António da Cunha Duarte Justo
antoniocunhajusto@googlemail.com |