Na discussão pública da RTP, de
quarta-feira pp, sobre casamentos de homossexuais, uma jurista que
arrotava a constitucionalidade, defendia a sua posição sacrossanta de
maneira tão enérgica e devota que parecia confundir a sua convicção com
a Constituição. Em nome desta defendia a posição minoritária dos
homossexuais e excomungava para uma ilha longínqua do continente da
democracia a oposição minoritária, de juízes constitucionais que ousam,
no Portugal do esclarecido 25 de Abril, opor-se ao casamento homo.
Independentemente dos problemas entre lei natural e lei positiva
(cultural), a lógica encontrou ali os seus limites na convicção. Embora
a discussão tenha atingido, dum lado e do outro, pontos altos da
argumentação, restou por resolver o enigma se o problema está no homem
ou nas suas convicções! De resto, uma disputa renhida entre natura e
cultura, ficando-se com a impressão de que o Homem é vítima das duas. Na
falta duma consciência universitária livre pode observar-se a
subserviência ao “politicamente correcto”. O carácter partidário esteve
tão presente que abafou a argumentação válida das duas partes. A
liberdade de opinião e da palavra revelou-se difícil.
A defesa dos valores da liberdade em termos de discriminação, além de
encalhar nas posições ideológicas, pareceu embaraçar-se no caso de
reconhecimento do casamento entre pais e filhos e entre irmãos,
atendendo à injustiça perpetrada pela ordem legal positiva que
discrimina os incestuosos e os polígamos!... Refira-se que também não
foi irrelevante o problema das pessoas menos esquisitas que se sentem
homossexuais e heterossexuais. O progressismo e o liberalismo
republicano esbarram aqui nas suas promessas de liberdades e
irmandades!...
O remédio será educar a natureza para que não continue tão intolerante e
discriminatória! Um desafio para os progressistas. Também a tensão entre
o foro individual e social se manterá apesar do socialismo. Em abono da
verdade contra os defensores do casamento como instituição perpetuadora
da comunidade deve ser dito que, com o casamento gay, o Estado poupa os
gastos com os contraceptivos. Uns argumentam com o casamento como lugar
(casa) da família enquanto que outros vêm nele um acasalamento diferente
mas engaiolado. Na realidade o que está em primeiro plano é a casa
aliada a uma necessidade real humana de aconchego. Já que se não recebe
o carinho social tenha-se ao menos o direito ao biberão do Estado. Com
este chega aquele. E “quem não berra não mama”.
Se uns defendiam a restauração da dignidade familiar os outros queriam
lá chegar! Pretende-se acabar com as feridas profundas da discriminação
mas à custa das feridas ideológicas. Se uns se compraziam nas diferenças
entre homem e mulher outros pareciam sofrer com elas. Um desfasamento do
princípio ao fim... Apesar da Constituição portuguesa, também a natura e
a cultura parecem ter de continuar desfasadas! A evolução biológica
ainda não consegue acompanhar o progresso cultural. Tanto no foro
natural, como político e jurídico há porém razão para um certo consolo
malicioso: De facto a natureza discrimina e a Constituição também. Se
uma não é comunista acentuando as diferenças, a outra, em abono do
capitalismo, continua a criminalizar os incestuosos e os polígamos. Por
outro lado, se a natureza manifesta uma certa liberdade e solidariedade
privilegiando, no seu desenvolvimento, aquele que tem mais capacidade de
adaptação, a lei positiva só reconhece essa lei para os servidores do
sistema, de resto vive da dialéctica entre indivíduo e sociedade. Este
sistema, só conhece a obediência de cima para baixo, numa táctica de
esperteza ao contrário da natureza que, no seu processo de evolução,
segue a inteligência da adaptação solidária.
Esta discussão em torno da liberdade individual evidenciou uma liberdade
que pretende continuar a viver da intolerância. Já não é humano errar, o
erro está em ser-se homem com opinião. Com a desculpa do “cada cabeça
sua sentença”cultiva-se a opinião dos correctos publicada como opinião
pública. O resto é regulado automaticamente pelo medo dos que querem ser
como os outros. Esquece-se que o primeiro acto que fez do ser humano
Homem foi a desobediência e este acto foi praticado por Eva contra a
ordem estabelecida. Não é contudo de desprezar o odor do curral, sem ele
não nos sentiríamos redil, sociedade! Por isso encanta-nos mais o
contemplar duma caverna do que os espaços abertos e sagrados da campina,
do que o infinito do mar. Uns e outros preferem a prisão da lei
conhecida à aventura aberta do seguimento das próprias directivas.
Toda esta discussão porque o “soba” Socialista se recorda agora do
casamento gay para conseguir meter no barco socialista as facções do
partido e quer provocar naufrgos nos outros partidos da esquerda, a
arrebanhar para a sua galé. Discussões oportunas ou oportunistas
dirigidas à emoção popular. Discussões baratas para a próxima
governação.
Como se vê o sexo não deixa ninguém indiferente.
Hoje é tabu a discussão em torno da homossexualidade. Quem ousar aventar
a hipótese da homossexualidade como fenómeno patológico será logo
colocado no tribunal dos réus pela intolerância. O mesmo se diga dos
homólogos da oposição. A liberdade hoje advogada quer viver à custa da
intolerância relativista. Abdica-se da procura da verdade para se
apostar no discurso retórico, o discurso dos que mantêm o poder. Em vez
de se apostar na verdade aposta-se na opinião. Os maus, os intolerantes
são sempre os outros.
É verdade que a lei reconhece as relações de facto e até o direito a
educarem filhos aos que se não declarem viver em relações de facto.
Casamento não é um acto só legal, um mero contrato entre dois seres
humanos, ele é também um acto litúrgico e de valor social a que
naturalmente os homossexuais não querem renunciar. Antigamente
acusava-se a Igreja católica de se intrometer na cama nas relações entre
o casal, hoje os laicistas apelam a que o estado se meta também ele na
cama das uniões homossexuais regulando-as.
Enquanto que uns correm o perigo de se apoderarem de Deus
dogmatizando-o, os outros correm o perigo de se apoderarem da ciência,
dogmatizando-a para os seus fins. O que está em causa não é Deus, a
ciência, a Verdade, mas a verdade que se identifica com os próprios
interesses. Uns servem-se de Deus, outros da ciência e ainda outros do
povo para se justificarem. Como não conseguem levantar-se sozinhos
apoderam-se da manada ou metem-se nela. Desde os anos sessenta temos
observado que bispos, padres, professores universitários e conservadores
se meteram no rebanho deixando o testemunho público aos progressistas e
aos conscientes do poder. A razão e a inteligência, nalguns sectores da
nossa sociedade, persistem em continuar de férias. Por isso, os
oportunos do sistema pensam o que o sistema quer que pensem e os outros
têm medo de se expressar. Há um clima mediático intimidarário. Na Idade
Média tinha-se medo do Inferno, hoje há o medo de pensar de se não
pensar como a opinião publicada quer que se pense. Hoje há o Inferno
chamado fascismo ou comunismo. Os “Mullas” da democracia determinam o
pensar correcto, o pensar dos eleitos. A democracia torna-se pouco a
pouco numa sociedade de eunucos, incapacitados de pensar por si próprios
cada vez mais dependente de vontades exteriores. Antigamente o povo lia
pelo missal da religião nas igrejas, hoje lê pelo missal da democracia
nas escolas e bebe, da TV, o ópio do anoitecer.
Antonio da Cunha Duarte Justo
antoniocunhajusto@googlemail.com |
ANTÓNIO da Cunha Duarte JUSTO . Nasceu em Várzea-Arouca (Portugal). E-mail: a.c.justo@t-online.de.
Professor de Língua e Cultura Portuguesas, professor de Ética, delegado da disciplina de português na Universidade de Kassel .
PUBLICAÇÕES
- Chefe Redactor de Gemeinsam, revista trimestral do Conselho de Estrangeiros de Kassel em alemão com secções em português, italiano, turco, françês, grego, editada pela cidade de Kassel, tiragem 5. 000 exemplares.
- Editor da Brochura bilingue: "Pontes Para um Futuro Comum – Brücken in eine gemeinsame Zukunft", editada na Caritas, Kassel
- Editor de "O Farol" , jornal de carácter escolar e social em colaboração com alunos, pais e portugueses das cidades de Bad Wildungen, Hessisch Lichtenau, Kassel, Bad Arolsen e Diemelstadt( de 1981 a 1985)
- Editor de „Boletim da Fracção Portuguesa no Conselho de Estrangeiros de Kassel (1984)
- Autor da Brochura „Kommunalwahlrecht für Ausländer – Argumente“ editada pela Câmara Municipal de Kassel, Fevereiro de 1987.
- Co-autor da Brochura „Ausländerbeiräte in Hessen - Aufgaben und Organisation“, editada pela AGAH e Hessische Landeszentral für politische Bildung, Wiesbaden, 1988.
Colaborador de vários jornais e do programa de rádio semanal de português de Hamburgo.
http://blog.comunidades.net/justo
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