Nasci
berrando, cresci falando para morrer gritando. Pela palavra me torno e
por ela me transformo!
Obrigado
José! Obrigado Saramago, pela discussão que provocaste. Num mundo
extremamente contraditório e dialéctico, por mais que se afirmem as
teses e as antíteses nunca se chegará à síntese, ou não fôssemos nós
seres humanos e não fosse a vida processo!
No meio da
refrega constato um facto: quer ateus quer teistas precisam de Deus para
se definirem.
Encontramo-nos todos sobre o mesmo tapete ao serviço da vida! Por vezes,
alguns, em confronto com um mundo feito de injustiças, projectam as suas
frustrações e desilusões num Deus mudo e inexistente enquanto que
outros, irmãos na desilusão, não se conformam com a realidade do
presente projectando-a numa realidade futura. Ambas as posições não se
encontram à altura do pensar bíblico. Ambos fogem de si mesmos e da
realidade envolvente! Em vez de encararmos a realidade e a
transformarmos atiramos tiros para o ar e guerreamo-nos, tal como no
caso de Caim.
Caim e Abel
são duas faces da mesma medalha que é cada um de nós!
O problema
é que ateus e teistas virem em militantes, dado seu credo se tornar
parte da própria identidade expressa, sem a perspectiva do outro! Por
outro lado quem cala não conta.
Infelizmente cada qual defende apenas o reino dos seus interesses não
havendo espaço para uma cultura de pensar justo! A perspectiva de Caim
terá de integrar nela a perspectiva de Abel e Abel terá de reconhecer
nele a perspectiva de Caim. Querer ter a razão final é tornar-se só
Caim.
Todos os
crentes, quer creiam em Deus ou não, não conseguem abdicar da sua crença
ateia ou religiosa em processo. Problema se tornaria se a uma tese
apresentada por Saramago não fosse possível a antítese duma dialéctica
construtiva interessada numa síntese muito embora passageira! Problema é
também o facto do senhor Saramago ter apresentado a sua compreensão da
Bíblia como se esta fosse a compreensão por excelência, atitude a que
nem o Vaticano se atreve!
É natural
que cristãos e judeus possam reagir e tentar explicar outras maneiras de
compreender os 73 livros da Bíblia. Assim seria lógica e aceitável a
tentativa destes por explicar outras leituras da Bíblia numa dialéctica
que lhe é própria. Era necessário compreender que na Bíblia e
especificamente na história de Caim e Abel, se encontra documentada a
dialéctica entre a cultura pastoril e a cultura sedentária, entre a
cultura do campo e a das cidades, que hoje como ontem é bem actual, tal
como outrora em Caim e Abel. Como sempre, na luta entre a província e a
cidade há interesses muito concretos a defender. Veja-se a afirmação
macrocefálica da capital contra o regionalismo...
Saramago
tal como Caim não aceita a mundivisão do seu irmão Abel. A imagem de
Deus que Saramago ataca é naturalmente a sua. Querer reduzir a realidade
bíblica a infantilismos e cai na contradição de negar Deus e ao mesmo
tempo o responsabilizar pelo mal dando-lhe o atributo de "filho da puta",
como se vê em Saramago página 82 do seu livro.
Este mimo e
outros queriam provocar relação, e naturalmente quem reage é logo
apelidado de reaccionário. Quem ele quer atingir não será naturalmente
Deus mas os filhos do tal "filho da p." que, muito naturalmente, não
serão melhores que o seu Deus a destruir!
Que em cada
cultura, nos antagonismos que lhe são próprios e até benéficos, esteja
presente Caim e Abel em disputa, é muito natural e benéfico, o problema
é não nos darmos conta de que somos os dois na mesma pessoa e não
notarmos o papel que representamos em cada momento em que falamos ou
agimos (Caim ou Abel)! Quem mata Abel torna-se assino de si mesmo tal
como quem mata Caim, dado os dois serem o reverso de si mesmo e das
sociedades.
Naturalmente que quem vai à missa de Saramago não goste de outras missas
e vice-versa. Desumano seria se não nos respeitássemos uns aos outros,
conscientes de que todos andamos encostados a algo que não queremos
reconhecer… É a nossa liberdade de escravos, mas esta escravidão pode
tornar-se libertadora!
Ao fogo do
inferno sucede-se o fogo das palavras e dos próprios interesses. A
agressão é também uma maneira de libertar a consciência, como nos ensina
Caim! A continuarmos assim não haverá infernos para uns e paraísos para
outros, mas sim, democraticamente, inferno para todos! Salvem-se os
nossos maiorais, os nossos Belzebuses, porque esses gozam de imunidade!
Quem faz a
guerra não pode lavar-se nas águas da inocência.
Naturalmente que Saramago sabia muito bem que quem ataca não é
vingativo, vingativo tornam-se os outros. A divindade Nobel ofendida
exige o louvor aos seus devotos. No fim há muita beatice ateia e crente
ao serviço dos respectivos dogmatismos e da própria seriedade.
Um outro
facto: A grandeza dos que se distinguem precisa da pequenez dos que os
fazem!...
De lamentar
seria que se formassem grupos incompatíveis, dum lado súbditos ateístas,
e, do outro, súbditos teístas: uns contra os outros na defesa da própria
devoção.
Quem diz o
que quer ouve o que não quer.... Importante é que todos são pessoas
honradas, muito embora assumindo umas vezes o papel de Caim outras o de
Abel! |