ANTÓNIO JUSTO...
Humanizar - Feminizar o mundo

A revolução está por fazer. Até ao presente a história tem dado oportunidade à afirmação das forças da vertente masculina da pessoa humana numa reacção em cadeia. A história é o testemunho das revoluções masculinas. A revolução feminina está por fazer. Para mais facilmente notarmos a dicotomia do nosso mundo basta observarmos a dicotomia da realidade do mundo árabe, que é a nossa, embora um pouco mais acentuada.

A identificação, individual e institucional, tem-se afirmado na concorrência e manifesta-se numa constante assimetria nas relações homem-mulher, senhor-súbdito, razão e intuição.

A divisão de tarefas com a autoafirmação consequente com base a elas provoca a divisão em vez duma missão conjunta. Assim se faz a divisão artificial de espírito e matéria contrariando-os em vez de os coordenar e unir.

O espírito, o esperma, o homem tem-se afirmado contra a natureza, contra a terra geradora, contra a mulher, dando lugar apenas à dimensão vertical (cima - baixo, bem - mal) sem ter em conta a horizontal.

A terra reflecte naturalmente o brilho do sol, a força da chuva que nela cai numa relação íntima profunda fertilizada na união e missão comum: céu – terra. Um sem o outro não tem sentido nem identidade. Sem a gestação feita pela terra, sem a gravidez da mulher não haveria a fecundidade, o filho, o futuro. Assim não se pode dizer que espírito e matéria são desiguais no valor. Um ser está condicionado ao outro e deve o seu ser ao outro. Incarnação não tem sentido sem ressurreição, nem esta sem aquela; fazem parte dum ciclo trinitário em que o carácter polar da vida se supera.

Nos Estados e formas de governo, nos sistemas económicos e administrativos, nas próprias religiões e no comportamento individual prevalece, exageradamente, o carácter polar, o pólo masculino do estar humano. O actuar individual e institucional, a linguagem usada no discurso público, tudo testemunha a polarização masculina da vida social e suas estruturas. Uma visão dialéctica da vida e correspondentes mecanismos antagónicos de gerir e dominar a vida têm prevalecido contra uma visão mais integral e aperspectiva trinitária. Daí a dissonância do ser individual e social, o governo do partido e não do inteiro.

Sem que o homem deixe de ser masculino nem que a mulher deixe de ser feminina, necessita-se duma nova forma de viver individual e social em que a recíproca influência e interferência do masculino e do feminino estejam mais presentes e equilibradas, se tornem realmente complementares uma da outra. Uma sociedade, mais equilibrada e mais justa, pressupõem mais autoridade e menos poder: uma troca das armas da luta pelas duma moral onde o senhor é o que mais serve.

A luta de emancipação da mulher, embora necessária, tem seguido a estratégia masculina, afirmando, inconscientemente, a masculinidade do mundo. Até Simone de Beauvoir confirmou a perspectiva masculina da vida afirmando a contraposição da transcendência masculina à imanência feminina. Confirma assim a prática dualista grega ignorando a visão aperspectiva mística que supera o dualismo, já na fórmula trinitária da realidade, escondida no ideário cristão também ele reprimido.

O culto individualista da masculinidade tem conduzido a humanidade a um “progresso” cimentado com grandes tragédias. O futuro da humanidade tem sido conseguido à custa da violência, da violação, do masculino contra o feminino, da instituição contra o membro, de povos e culturas uns contra os outros, tal como podemos verificar nas lutas das tribos, das invasões muçulmanas, cruzadas, revolução francesa, guerras mundiais, nas guerras actuais e nas desavenças familiares.

Em nome do progresso dá-se continuidade a um processo perene de guerrilha. A parte afirma-se contra a parte sem considerar o todo. Ao fim e ao cabo, a cultura ainda acentua mais os processos de selecção e adaptação da natureza, em vez de os gerir. Por isso acompanhamos a natureza em vez de a sublimarmos.

Na época moderna, devido ao desenvolvimento tecnológico, a barbaridade ainda aumentou, o que torna muito premente a questão do sentido da humanidade e o sentido da vida. Este problema torna-se também visível na tragédia Fausto de Goethe que termina na utopia duma maternidade da natureza, com o eterno feminino. Facto é que a incarnação só é realidade através da terra, de Maria.

O presente que se manifesta na dualidade dos contrários deixa a dúvida se não será necessário acreditar no Diabo. Entre o bem e o mal se movimenta a esperança, e o medo de desaparecer do presente no redemoinho da polaridade. Na visão trinitária e não dual deixamos de ser prisioneiros do tempo e do factual, da matéria e do espírito. Assim no passado podemos reconhecer o presente e o futuro no jogo das escondidas com o tempo. Para salvarmos o homem em nós, temos de descobrir a mulher em nós. Só ela pode dar à luz o novo. Nela se realiza a criação no sentido da consumação. Seria redutor continuar a egomania do ser que encobre o matar. Já é tempo de mudar. A consciência humana já atingiu, nalguns biótopos, o estádio próprio para a metanóia global.

Atendendo aos resultados até hoje adquiridos, no processo de humanização do mundo, humanizar o Mundo, no futuro presente, significa torná-lo mais feminino, mais equilibrado e menos sexuado. Racionalismo, materialismo e espiritualismo são demasiadamente sexuados (dualistas) para poderem dar resposta à necessidade premente dum salto qualitativo no desenvolvimento humano. Trata-se de viver em parusia. Mandar é servir e servir é mandar.

Para se humanizar o Mundo será necessário um agir neutro e não sexuado: uma consciência mais intuitiva e mística, menos racionalista e materialista, um existir na reconciliação do saber dedutivo e indutivo, da imanência e da transcendência, do gerador e do gerado. A paridade do sexo e o respeito pela lei da simetria original que através de rupturas ganha novas formas terá de ser integrada. Para isso é necessária a “emancipação” interior do homem e da mulher, uma “emancipação” para dentro, no sentido do todo.

Nas sociedades democráticas, seguindo o determinismo dualista, as mulheres encontram-se em processo de aquisição duma emancipação exterior, não sendo tão facilmente manipuláveis como outrora. Continuam porém a estratégia masculina da luta da individuação contra o todo. Foi assim que os homens dominaram o mundo e que criaram a situação que hoje vigora: cultura contra natura! Seria um equívoco, numa fase do desenvolvimento da consciência integral, continuar a apostar na consciência dualista, e entrar agora na luta de dividir equitativamente o ser humano e o mundo entre o homem e a mulher. O que é preciso agora é humanizá-lo e esta missão é eminentemente feminina. Agora o mundo precisa da força e do espírito da mulher para o transformar, não já numa estratégia antagónica mas integrativa, global.

ANTÓNIO da Cunha Duarte JUSTO . Nasceu em Várzea-Arouca (Portugal). E-mail: a.c.justo@t-online.de.

Professor de Língua e Cultura Portuguesas, professor de Ética, delegado da disciplina de português na Universidade de Kassel .

PUBLICAÇÕES  

- Chefe Redactor de Gemeinsam, revista trimestral do Conselho de Estrangeiros de Kassel em alemão com secções em português, italiano, turco, françês, grego, editada pela cidade de Kassel, tiragem 5. 000 exemplares.

- Editor da Brochura bilingue: "Pontes Para um Futuro Comum – Brücken in eine gemeinsame Zukunft", editada na Caritas, Kassel

- Editor de "O Farol" , jornal de carácter escolar e social em colaboração com alunos, pais e portugueses das cidades de Bad Wildungen, Hessisch Lichtenau, Kassel, Bad Arolsen e Diemelstadt( de 1981 a 1985)

- Editor de „Boletim da Fracção Portuguesa no Conselho de Estrangeiros de Kassel (1984)

- Autor da Brochura „Kommunalwahlrecht für Ausländer – Argumente“ editada pela Câmara Municipal de Kassel, Fevereiro de 1987.

- Co-autor da Brochura „Ausländerbeiräte in Hessen - Aufgaben und Organisation“, editada pela AGAH e Hessische Landeszentral für politische Bildung, Wiesbaden, 1988.

Colaborador de vários jornais e do programa de rádio semanal de português de Hamburgo.

http://blog.comunidades.net/justo

http://antonio-justo.blogspot.com/