Em Lalibela (“as abelhas aceitam a sua soberania”),
a meio do túnel que liga Beth Markal a Beth Maryan,
igrejas escavadas na rocha, abaixo do solo,
o guia etíope tocou-me delicadamente a palma da mão
e ciciou, “fica comigo!”. Com o queixo apontou
o realizador (apressado, sempre apressado) que galgava
na frente,“deixa-o seguir”, e indicou-me uma abertura
lateral que desembocaria numa cavidade secreta.
Fora o cói revelado no sonho do rei Lalibela,
quando entreviu a Jerusalém Celeste? Desentendi,
não aproveitando a fuga que sigilosamente se abria.
Volvidos oito anos, em Maputo, na pastelaria
Primavera, um antro que jamais terá resgate, releio
Eliade, no fito de explicar aos alunos as modelizações
do tempo, e vem-me num clarão a incisa natureza
do convite, o seu desatendido retorno. Deserto
por sair da sombra do Divino, do Sonho cinzelado
naquela rocha, o guia – frágil trama que respira –
quis seguir um rio que nada tem de Eterno. E no cerne
húmido e ascético do Invisível, propunha-me
o descanso de sábado. Queria perder-se, perder-me
no rito nupcial, por um lampejo de caçada e a paz
que se segue. Tinha a beleza de um pastor da Arcádia,
um design italiano, eu é que desviado por uma feição
vegetariana de ser lhe desbaratei o ensejo.
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