Costumava povoar os filmes alheios
com pássaros, rios, acácias vermelhas –
espantava-me que reagissem como um deus
que conta pelos dedos. Um dia acordei
sem provisões - até o luto precisa de irrigação
constante – e então parti com uma maleta
de palavras desconjuntadas. Palavras que clamam
por cura como andas por pés. Em Moçambique,
um turbilhão de abelhas desgarrado de colmeia,
vi o que convinha: pedras soltas, ariscas,
onde a víbora pode plantar raízes.
É lugar que mede a eficácia das palavras
pelo corte do soldador na chapa. A luz
de Lisboa - for exemple - sendo
mais brilhante, não é doméstica.
Esta ao fenecer, lembra um jacente
que habita connosco. Pode não ser
bonito mas é algo que se compartilha.
Russos é o que não falta. E pastores,
que repetem convictos “o sol nasceu”
antes de reclamar dízima, espórtula. Aqui,
pavões, até ver, nasceram afogados.
Recomeço a povoar os romances alheios
de pássaros, rios, acácias vermelhas -
volto a estar dentro do que me é exterior.
|