As notas acotovelam-se-lhe nos dedos
ou brotam convulsas, uma a uma,
como pálpebras que se viram para fora.
Não há pianista igual ao Monk, mãe,
poeta de mais rútila afasia. Fora-me emprestado
o cd há 15 minutos e lia as notas de produção
deste Criss-Cross, gizado em cinco sessões,
no distante ano em que eu afeiçoava carpo,
falanginha e falangeta ao meu primeiro avião
de lata, quando a Maria João me telefonou:
que te desvaneceras, sem sofrimento. Sem
sofrimento, como a retina ensimesmada
ao cimo do escadote, ou o escaravelho
que assenta o dorso no chão e teima em furar
com as patas a barriga dos cirros.
Cheguei a casa, depeniquei no caril
de amendoim, a cismar, e agora,
como contar à tua neta que não te tornará
a ganhar à batalha naval? Ela abordou-me,
apreensiva: sabias que o Monstro (o da Bela)
é analfabeto? As partidas que se pregam
aos Monstros! Uma oportunidade perdida
para falar-lhe da iliteracia com que as palavras vãs
nos soldam à morte? Uma pontada refugiou-me
no escritório, sonâmbulo, os olhos despenhados
nos hibiscos brancos e vermelhos que polvilham
os quintais dos bairro universitário.
O Thelonius Monk – vês, até o nome é singular –
começou a premir as teclas na sua forma paródica
de desmantelar o sentimento de uma flor
(há gente assim, que prefere desenrolar
um mapa de piratas ao descasque da emoção).
Depois telefonou a Bélinha, que me confiou:
após a operação, sobre um corpo mirrado
como a colmeia que encarquilha ao fogo,
içava-se um rosto, o olhar, o verbo lúcidos.
Era tudo o que ansiava saber e desatámos
aos soluços, como o ataque do piano
na melodia de Tea for Two.
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