Entrei curiosa, mas ao mesmo tempo tranqüila. O
gentil convite acalentou minha alma, e o calor do lugar me aqueceu
naquele dia frio de inverno. Não foi desavisada que cheguei, pois alguém
havia me dito que aquela casa era especial. Na verdade sabia disso, pois
especial era a doce pessoa que ali vivia e que me recebeu logo cedo,
vestindo um robe de chambre apeluciado que trazia em sua superfície
pequenas bolinhas a indicar o tempo dedicado ao cuidado daquele corpo.
Entrei, e logo fui capturada pelos estridentes
chamados de várias, inúmeras telas que decoravam as paredes e o teto, de
imóveis esculturas que ocupavam um pequeno ou nem tão reduzido espaço no
plano do assoalho, mas que se engrandeciam na medida em que delas me
aproximava. Pareciam polvos estridentes a lançar seus tentáculos em
minha direção, na tentativa de capturar meu olhar, meus sentidos, meu
corpo.
Fiquei atordoada, sem saber a qual apelo me
dirigir. Vaguei por aquelas diferentes texturas e cores, deixando-me
capturar por uma ou outra, sem escolha. Capturada fui pelos apelos
daquelas obras, que me prendiam e generosamente largavam para que outra
e outra pudessem também me acolher. Um corpo solto, leve, vagando
encantado pela riqueza daquelas imagens, imerso nas teias daquelas obras
que generosamente se expandiam para acolhê-lo em suas entranhas e
delicadamente se recolhiam para que esse mesmo corpo pudesse vagar por
tantas e tantas outras obras que ali convivem.
Vez ou outra esse corpo se arrumava, retomava a
postura ereta de costume e a palavra vinha, embargada da emoção que o
vagar suscitou. Mas pouco tempo durava essa condição, logo outra tela ou
outra escultura lançava seus tentáculos e o capturava tal como uma
planta carnívora que delicadamente chama a atenção de sua presa e depois
se fecha para degluti-la.
Fui deglutida, certamente, por aquelas obras da
Casa das Artes de minha doce amiga. Uma experiência que me marcou
profundamente, e que estas palavras tentam de alguma forma narrar.
Palavras que podem não ser potentes o suficiente para permitir a um
outro compreender a intensidade do vivido, mas que me ajudam a registrar
de algum modo esse acontecimento e que me permitirão revive-lo,
revisitá-lo, sempre e sempre, mesmo quando o tempo tenha já coberto de
areia os seus últimos vestígios. Palavras vento que me ajudarão a lançar
para longe esses grãos de areia até que aquele vagar por texturas e
cores, aquele corpo entregue ao movimento, possa ser revivido.
Voltei à Casa das Artes algum tempo depois, mas
tudo estava muito diferente. Igual, mas diferente. Nada dali havia sido
retirado e nenhuma obra havia sido trazida para fazer companhia às
tantas que ali estavam. Mas tudo estava diferente. As obras paradas,
inertes. Nenhum apelo. Nenhum tentáculo.
Estranhei o silêncio. Circulei pelos espaços, à
procura da intensidade que havia me capturado naquela visita primeira.
Mas as obras estavam quietas, talvez cansadas. Estranhei, e continuei a
circular, pois não me conformava pensar que ali estavam somente objetos
de decoração. Voltei meu corpo para aquelas obras que com mais
intensidade haviam me segurado e cuja força do abraço continuei a sentir
por todo o tempo entre a visita primeira e o segundo encontro, este do
silêncio. E ali, no fundo daquelas texturas aparentemente inertes,
consegui novamente imergir na intensidade de suas formas e cores, e
senti pulsar novamente a vida que antes extravasava, mas que agora se
recolhia para fazer-se ver somente a quem lhe pedia permissão e que
maliciosamente podia vir a autorizar.
Inesquecível a experiência que vivi na Casa das
Artes. Não sei se algum dia lá retornarei, e o que posso vir a
encontrar. Mas certamente a intensidade dos apelos de seus supostos
inertes habitantes continuará a pulsar no meu corpo, arte viva a atiçar
o desejo de vida como arte. |