Leonor Fini

NICOLAU SAIÃO


Qual é a voz que me canta

que me chama e desafia

a ir pela estrada onde o sofrimento do mundo

está guardado   como para uma boda?

 

O doido penar da minha alegria

na sala dos sem coração

grita para todos os pássaros que me conheceram

 

Lâmpada, lâmpada de todas as desgraças

eu sei que o teu semblante me aterrorizou

e os lamentos estão neste lugar

como uma bela mulher de areia e neve

 

E eu adoro-te todavia

pois tu és como eu sou

como eu sempre fui

uma criminosa

a criminosa das horas flamejantes

doridas e sem medo

 

A tua mão tocou-me

bailando sobre tudo o que era nosso

a tua mão que se aproxima dos seios

das estátuas que crescem nos soalhos

 

E entre nós e o tempo das suas mágoas

sòmente está aquilo que não fomos.

 

O teu corpo, desfeito, recusa-se

o teu corpo, sem o ser, é a luz

mas o terror destrói a luz, na luz apodrece o riso

tudo o que existente foi para além do sacrifício

 

Os golpes do fogo tiveram a coragem de soar

uns contra os outros

anilhas de infinita ternura

e eu sei que o jogo não mais findará

 

A claridade da rosa ainda está escondida

nas formas das palavras ao acaso perdidas.

                                                   ns, in“Fábrica Nocturna”