LEONEL MOURA: DESDE DUCHAMP SÓ SE TEM FEITO ARTE ANTIGA ESTELA - Leonel, o livro que acabaste de publicar, "Formigas, vagabundos e anarquia - ensaio sobre a vida artificial, arte e sociedade" (AAAL - Alife Art Architecture Lab, Lisboa, 2003), proporcionou-me reflexão enriquecedora, ainda que possa não acreditar como tu em certas afirmações da ciência e da cibernética. Porém é muito curioso que a robótica e a biologia te forneçam pontos de partida para uma análise da arte e da sociedade, a ponto de afirmares que "temos agora os meios para desenvolver os estudos de uma arte como ela poderia ser ou de uma sociedade como ela poderia ser". Gostava que nos dissesses como poderiam ser então a arte e a sociedade... Anarquistas?
LEONEL MOURA O “Ovo” foi uma provocação num momento em que só se falava do Casino... A ligação entre formigas, vagabundos e anarquia é estabelecida neste livro com base no mecanismo de deposição/evaporação de feromona. Para quem não leu convém explicar que nas formigas, e noutros insectos, o desenho dos seus mapas é feito deixando rastos de feromona. Quando estes são seguidos por outras formigas, tornam-se verdadeiras auto-estradas, quando ninguém os percorre, desaparecem por evaporação. Nós também temos mecanismos similares. A construção de caminhos na natureza é feita através da acção dos próprios passantes. Quando mais ninguém os percorre estes desaparecem engolidos de novo pela natureza. Estes mapas são inscritos directamente no ambiente e são dinâmicos, porque aparecem, modificam-se constantemente e desaparecem. A construção da cidade, a arquitectura e o urbanismo, deviam começar a ser vistos nesta perspectiva. ESTELA - O que é e o pretendes com o ARTSBOT - ARTistic Swarm roBOTs project? LEONEL MOURA Tanto o livro como as experiências artísticas associadas derivam dos modelos de um investigador português na área da Vida Artificial, Vitorino Ramos, com quem tenho colaborado. Até aqui temos trabalhado quase exclusivamente “dentro” do computador, ou seja, num espaço virtual. Com o projecto ARTSBOT queremos passar para o “corpo”, isto é, para a robótica. ARTSBOT consiste num colectivo de robots autónomos dedicados à produção de formas de arte. ESTELA - Voltemos ao teu ensaio: quando falas do ready-made, dás a entender que ele é mais revolucionário do que pensamos e mesmo do que pensou Marcel Duchamp. Qual o ponto de ruptura que o ready-made estabelece com a arte anterior?
ESTELA - Na tua web page, LxxL, tens em linha uma conversa com José Ernesto de Sousa (http://www.lxxl.pt/babel/biblioteca/sousa1.html#Surrealismo). Diz ele, sobre o surrealismo português, que é tardio, cultivado por autores que ora estão no surrealismo ora no neo-realismo, e dá dele a imagem de fenómeno pouco relevante entre nós, excepção feita a Mário Cesariny, que considera um grande poeta... Que importância achas tu que teve na arte portuguesa o movimento de André Breton, e em especial no modo de estar nela do José Ernesto? LEONEL MOURA Concordo com Ernesto na apreciação do surrealismo português. É tardio e formalista. Mas há que reconhecer que não se nasce português impunemente. Quanto ao próprio julgo que ele é muito mais do que os movimentos em que conjunturalmente participou. Um dia, quando este país acordar do longo sono, talvez se venha a conhecer melhor quem foi o Ernesto de Sousa. ESTELA - Quando se fala em "artificial", o que é feito pelo homem, pensa-se logo no termo oposto, "natural", aquilo que achamos não ter tido intervenção humana. O natural tem alguma participação na tua obra? Por exemplo, na exposição "Colagens RGB", há figuras humanas. Consideras isso uma presença do natural na tua obra?
LEONEL MOURA Nestes últimos anos, neste domínio, tenho-me concentrado em duas coisas. Entender o melhor possível o modelo do Vitorino Ramos e aplicá-lo para produção de uma forma de arte não humana. Nesse contexto gostaria de passar do computador para o espaço físico, ou seja, utilizando a robótica. Especificamente para Internet temos um projecto, o MC2 (http://www.lxxl.pt/moura/mc2/mc2.html), mas que envolve custos elevados que ainda não foi possível reunir. ESTELA - Eu concordo contigo em que o artificial tem vida: no caso dos clones e de outros seres originados pela selecção artificial, nem sequer se distinguem dos considerados "naturais". Estou porém a pensar na arte, que não é a soma das suas partes, e mesmo na crítica a uma obra de arte, que nunca a agarra naquilo que escapa à soma das partes... Tal como Benito Feijóo, digo que na arte há "um não sei quê", e esse não sei quê é a vida que lateja nela e nada tem a ver com matéria quantificável, nem com formas ou cores susceptíveis de descrição e catálogo... Em que consiste para ti a vida no que é arte ou artificial? LEONEL MOURA O “não sei quê” existe mesmo e, embora seja chato dizê-lo, pode ser quantificável. O modelo do Vitorino Ramos contém esse “não sei quê” e é por isso que nos atrevemos a falar de vida. ESTELA - O último ensaio do teu livro reflecte sobre a vida social, que é imitação, e a imitação um sonambulismo, segundo palavras de Gabriel Tarde. Ser como os outros é um mecanismo de auto-protecção, serve para fazer carreira, por exemplo, mas envolve a desvantagem de transformar a sociedade numa gaiola de papagaios; modas e modelos seguem-se cegamente nos mais variados campos, desde o científico ao político. Estive uma vez num congresso de Herpetologia em que, salvo as conferências plenárias, o resto das comunicações eram todas iguais, porque todos tinham escolhido o mesmo modelo, certamente o último grito da moda... Era um modelo matemático, que permitia calcular o número provável de animais de certa espécie existentes em dada região, a partir de dois ou três animais coligidos neste e naquele ponto dela. E então era o número de sardões que provavelmente havia na Azambuja, o número de lagartixas em Avignon, o número de rãs em Sevilha, e tal, tudo isto acompanhado pela projecção de acetatos com as mesmíssimas quadrículas, no mesmíssimo formato de texto, com a mesmíssima Introdução, os mesmíssimos Métodos, os mesmíssimos Locais de colheita e os mesmíssimos Resultados... Como é que a arte pode dizer não a um tal sonambulismo? LEONEL MOURA Tens razão sobre as modas. A vantagem do nosso trabalho, neste momento, é ainda não estar na moda. Mas cedo estará e então temos que conseguir ir mais além. Não existe outra maneira de escapar ao sonambulismo. ESTELA - Para terminar, gostava se saber o que preparas para tua próxima exposição... LEONEL MOURA Em Portugal preparamos uma (grande) exposição na Sala do Veado do Museu de História Natural em Dezembro. Será aí que vamos apresentar os nossos robots artistas...
|