INÚTEIS COMO OS MORTOS Cunha de Leiradella www.triplov.com 16-09-2005 |
CENA VIII |
Quarto de hotel. Nininha e Eduardo. |
NININHA (Olhando pela janela) Que horas são?
EDUARDO Hem?
NININHA Nada.
EDUARDO Quê que foi, Nininha?
NININHA Você não escutou mesmo?
EDUARDO Não.
NININHA Eu disse que nós távamos perdendo tempo.
EDUARDO Perdendo tempo como?
NININHA Nós não viemos aqui pra ir prá cama? Se viemos e ainda não fomos, tamos perdendo tempo. Ou não?
EDUARDO Nininha, por favor. Quê que você tem, hem?
NININHA Eu? Eu não tenho nada. Só tou dizendo que a cama tá esperando. (Joga-se na cama.) Ou não é aqui que vão acabar todos os nossos problemas? Hem? (EDUARDO deita-se junto dela e abraça-a com força. Um tempo.) Eu sei que devia sentir culpa. Mas não sinto. E eu devia, Eduardo. Eu fui educada e ensinada pra sentir culpa.
EDUARDO A culpa não existe, Nininha. Quem pode dizer eu tou certo e você tá errado? O que é tar errado? É não fazer o que os outros querem que a gente faça ou é fazer o que a gente não quer fazer? Nininha, o nosso mundo não é o mundo deles. No mundo deles, eles nem sequer podem confessar que tão errados. Eles têm que salvar as aparências. Mas nós não temos aparências pra salvar, não, Nininha. Nós somos o que somos. Talvez nos amemos porque somos infelizes e talvez sejamos infelizes porque somos tão inúteis como os mortos. Mas, mesmo assim, somos melhores do que eles. Tamos aqui porque queremos e não temos vergonha do que somos. (Nininha abraça-o.) E eles têm.
NININHA Você não tem medo?
EDUARDO Deles?
NININHA É.
EDUARDO Não. Se tivesse coragem talvez me suicidasse. Mas não por causa deles. No nosso mundo eles não existem, Nininha. Mas eu não tenho coragem de me suicidar e esse é o meu mal.
APAGA A LUZ
VOZ DO FONSECA Porque você nunca teve um motivo, Eduardo. |