O Professor DAGOBERTO PALOMAR, |
Se, na verdade, foi Deus que criou o verbo, foi o homem quem criou a linguagem e as normas do seu uso. Mas foram milênios e milênios de confuso entendimento. Somente neste século, mais precisamente no ano de 1965, o ser humano conseguiu libertar-se da sua condição de "ser-guiado" e gozar, inteiramente, a sua condição de "ser-livre". Foi, justamente, em 1965 que Englebart criou o mouse e Ted Nelson criou o hipertexto. Os instrumentos que permitiram à Humanidade navegar, sem necessitar nenhuma bússola, no universo interativo da comunicação criativa. Hoje, o grande gênio é você, leitor, não mais o autor que você lê. Por mais original que o autor seja, por mais profundo que seja o mergulho dentro de si mesmo ou na realidade que o cerca, a sua criação é sempre linear. Tem sempre um começo, tem sempre um meio e tem sempre um fim. E por mais que se inverta ou até se misture a ordem desses fatores, o conteúdo permanece. Cada palavra será sempre a mesma palavra e cada história será sempre a mesma história. Na verdade, leitor, por mais pormenorizadas que sejam as descrições e por mais profundas que sejam as análises (exemplo, o romance "No Caminho de Swan", do francês Marcel Proust), por mais bem construídos e por mais bem estruturados que sejam os personagens (exemplo, Raskolnikov, protagonista do romance "Crime e Castigo", do russo Fedor Dostoievski), por mais artificiosos e por mais multifários que sejam os enredos (exemplo, o romance "Rocambole", do francês Ponson du Terrail), ou por mais excelsas e por mais transcendentes que sejam as intenções (exemplo, o romance "As Valkirias", do brasileiro Paulo Coelho), o leitor nada mais poderá fazer do que ler o que lhe é apresentado. E, mesmo que não queira, mesmo que use toda a sua força de vontade, será sempre guiado, será sempre conduzido, será sempre obrigado a seguir o caminho traçado pelo autor. Mesmo até nas criações de maior vanguardismo ou de maior hermetismo (exemplo, os romances "A Vida e as Opiniões do Cavalheiro Tristram Shandy" e "Finnegans Wake", dos irlandeses Laurence Sterne e James Joyce), mesmo nestas criações acontece a mesma coisa. Na verdade, leitor, nos seis mil anos que separaram o estilete dos sumérios e a prensa de João Gensfleisch, cognominado Gutenberg, nada de novo se criou. Apenas a velocidade e a forma evoluíram. O conteúdo, esse, permaneceu estático, imutável como sempre. A diferença entre um bloco de argila, coberto de sinais cuneiformes, e uma folha de papel, coberta de sinais alfabéticos, é nenhuma. Os sinais cuneiformes foram ordenados para significar alguma coisa e os sinais alfabéticos foram ordenados para significar, também, alguma coisa. Mas somente isso. E, somente isso, porque o significado é sempre o mesmo. E continuaria ainda sendo o mesmo se, felizmente, não tivesse aparecido uma nova linguagem: a Linguagem do Hipertexto . Com ela, leitor, abriram-se as portas da Quarta Dimensão e a Humanidade, finalmente, pôde entrar no âmago da comunicação integral. Na Era do Botão. Com um simples clique do seu mouse, você, leitor, deixou de ser, apenas e tão-somente "aquele que lê". Mas que lê, sempre guiado, sempre conduzido, sempre obrigado a seguir o caminho traçado pelo autor. Na verdade, leitor, hoje, com a sua vontade e o seu mouse, você se transformou num criador. Cada palavra clicada mostrará outra palavra e uma nova norma regerá a sua linguagem. Você não será mais obrigado a trilhar o caminho da leitura comum, aquela vereda de mão única que o autor abriu na sua criação e ladeou de muros intransponíveis. Hoje, leitor, você é livre para deitar e rolar em cima da criação. O mando é seu. E o campo também é seu. Nada, nenhum detalhe ou personagem, ou até uma simples insinuação será coisa secundária. Todos os elementos serão protagonistas. E, para isso, bastará, leitor, que você use, apenas, o seu talento e a sua vontade de criar. |
Na verdade, leitor, as possibilidades oferecidas pelo hipertexto são tantas, que são até inimagináveis. Como se sentiria você, caro leitor, se, em vez de ler, como sempre tem lido, a história do gênio de Leonardo da Vinci contada do ponto de vista dos seus biógrafos habituais, a lesse contada do ponto de vista do seu pincel favorito? Ou a descrição da batalha de Waterloo contada do ponto de vista do cavalo branco de Napoleão? Não seria absolutamente fascinante descobrir, por exemplo, que nem da Vinci pintou a "Mona Lisa", nem Napoleão foi derrotado em Waterloo? E que, em ambos estes casos, como em tantos e tantos outros, infelizmente, a verdadeira verdade é sempre encoberta pelas verdades dos autores? Na verdade, leitor, o mesmo ocorre com "Os Espelhos de Lacan". Uma narrativa linear, absolutamente linear, e sempre conduzida pela vontade do autor, como você mesmo poderá constatar. E, além disso, também, como já no próprio título se observa, não só linear e conduzida pela vontade do autor, como também confusa e impenetrável a uma leitura comum. Veja. Eduardo da Cunha Júnior morreu em dezembro do ano que passou. Foi encontrado num quarto do Colégio do Caraça, a pouco mais de cem quilômetros da cidade de Belo Horizonte, num domingo de manhã . (continua na página 68 ) |
Na Natureza, a perfeição é sempre inversamente proporcional ao Absoluto. Quanto mais eu penso, quanto mais eu raciocino, quanto mais eu pergunto, quanto mais eu questiono, quanto mais eu duvido, mais a minha consciência me torna relativo e mais o Absoluto se distancia. |