1
Numa representação teatral, o que acontece no palco não pode acontecer só no palco. Se acontecer só no palco não estará acontecendo.
2
O ato de interpretar (ator) e o ato de assistir (espectador) são partes de um mesmo processo. São realidades comunicantes e concomitantes.
3
Para o espectador, a realidade do seu ato de assistir é a interpretação que o ator dá ao personagem. Da mesma forma, para o ator, a realidade do seu ato de interpretar é o personagem interpretado. Deste modo, para que o que acontece no palco não aconteça só no palco, é necessário que estas duas realidades se questionem e sejam também questionadas.
4
Como para questionar é necessário, acima de tudo, conhecer, as duas realidades terão que ser decodificadas. O ato de ser é sempre relativo. Quanto mais racional, mais o homem se distancia do Absoluto. Na contrapartida, (e daí a tragédia da existência) o ato de existir é sempre absoluto. Só a morte pode decompô-lo. Por isso, as duas realidades terão que ser decodificadas a partir da sua expressão mais profunda. O ato de existir, do espectador e do ator, contraposto ao seu ato de ser: a assunção plena da sua condição relativa.
5
A condição básica para que o ator possa interpretar é colocar-se na mesma situação em que o espectador deve ser colocado. Questionando.
6
O ator não deve passar para o espectador nenhuma visão crítica do personagem. De forma alguma o trabalho do ator deve distanciar, afastar o espectador. Se isso ocorrer, será o mesmo que colocar o palco numa redoma. As duas realidades, que devem ser partes do mesmo processo, não serão comunicantes. E não havendo comunicabilidade também não haverá participação. O espectador será apenas um espectador. Um conduzido. Nunca um participante. E, o que é pior ainda, jamais poderá questionar e ser questionado.
7
O ator, antes de se perguntar como deve construir o personagem , que meios físicos e psicológicos deve considerar e utilizar para que o personagem possa, realmente, ser o significante do significado do texto, deve perguntar-se por que ele , ator , é o que é . É fundamental que o ator questione as múltiplas razões que o levam a ser o que é, para, então, poder e saber questionar as múltiplas razões que levam o personagem a ser também o que é. Só assim o ator poderá entrar no mundo do personagem e comunicá-lo integralmente.
8
O ator também não deve forçar para se transformar no personagem. Ele jamais conseguirá ser o personagem. Mesmo no próprio ato de interpretar o ator não deixará, nunca, de ser quem é. Um ser humano. Próprio. Específico. Identificado. Ele. Portanto, para o ator ser o personagem teria que abdicar a sua própria condição de ser. E se ele fizesse (ou pudesse fazer) isso não seria humano. E não sendo humano, obviamente, não poderia ser ator.
9
Para o ator, o personagem não deve ser, apenas, um conjunto, um feixe, um apanhado de idéias e/ou de conceitos. Uma imagem abstrata, à qual ele terá que dar forma e dar vida. O ator deverá olhar, sempre, o personagem como outro ser humano. Tão verdadeiro e tão contraditório quanto ele, recheado de virtudes e defeitos. Passível, portanto, de questionar e de ser questionado. De produzir conhecimento.
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