Estou feliz. Agora, sou feliz. Tudo ao meu redor está silencioso e eu estou bem e estou calmo, e posso ser o que quiser. Não sei que horas são, mas não me importo. O tempo não me desespera mais, nem me sufoca. Andréa beijou-me e acariciou o meu cabelo e tirou o sutiã e embalou-me e disse, meu menino, meu menino, e eu peguei nos seios dela e não lembrei da minha mãe. O tempo não passou, nem retornou. Não existiu.
Estou na Praça do Papa e tudo está imóvel e constante e só compõe a paisagem e eu sei que quem me vê pensa que também faço parte dela e não me importo e rio das verdades que apenas aparentam e olho as luzes da cidade e penso nos limites das ruas e das esquinas e não tenho mais medo e sei que nada mais poderá desesperar-me e sufocar-me, e conheço a minha liberdade e sou feliz, e estou bem e estou calmo e sou o homem que quero ser.
Ela apareceu de repente, atrás de mim, saída da escuridão.
- Tem cigarro?
Ofereço o maço e ela tira um.
- Benson? Nunca fumei. Fumo Marlboro.
Faz uma pausa e roda o cigarro entre os dedos, devagar.
- Você vem sempre aqui?
Não respondo e ela volta-se e aponta uma casa, depois da rua.
- Eu moro lá.
Acendo o isqueiro e ela pestaneja. Não usa batom ou qualquer outra maquiagem e não parece ter mais de vinte anos, e o cabelo é liso, muito comprido e cor de cobre, e cai-lhe sobre os ombros como um véu. Ela segura-o e curva-se sobre a chama, e a blusa abre e os seios aparecem. Tem um crucifixo pendurado no pescoço e não usa sutiã, e os seios são grandes, cheios, muito brancos e redondos, e abanam quando ela se endireita. O isqueiro treme na minha mão, mas ela não diz nada, nem fecha a blusa. Acendo um cigarro e ela puxa também uma tragada profunda e solta o fumo, devagar, pelo nariz e pela boca.
- Eu conheço você. Você não é escritor?
Não respondo e ela puxa outra tragada.
- Como é seu nome?
- Eduardo. Eduardo da Cunha...
- Tenho um livro seu. O longo tempo de Eduardo da Cunha Júnior. É muito triste.
Puxa uma tragada profunda e olha-me durante algum tempo..
- Você é assim mesmo?
- Assim, como?
- Como tá no livro?
- Não sou eu que tou no livro. Não existe imagem igual ao objeto.
- Se eu fotografar você, você vai ser igual à minha foto.
- Não. A sua foto é que vai ser igual a mim. Mas, nem por isso, serei eu.
Volto-me e aponto o espigão de ferro, no meio do jardim.
- Tá vendo aquele troço? Tá ali pra ter significado. Mas não tem. Eu é que tenho e sou eu que lhe dou significado. Não adianta procurar, adianta encontrar.
Ela olha-me durante algum tempo e, num gesto brusco, joga o cigarro no chão e começa andando em direção à rua. Os ombros curvados e a cabeça caída sobre o peito, e os pés arrastando no chão. Como se tivesse encontrado, de repente, o que nunca tinha procurado.
- Espere.
Ela não se volta. Jogo o cigarro no chão e sigo-a, e aponto o meu carro, junto do meio-fio.
- Não quer sentar um pouco?
Ela não responde, mas pára. Abro a porta e ela entra e senta-se. Sento-me também e ela encolhe-se no assento, as mãos cruzadas no colo e os olhos fixos num ponto qualquer do horizonte. Ficamos assim, sem dizer nada, e, de repente, ela estende a mão.
- Me dê um cigarro.
Puxa duas tragadas, profundas e seguidas, e sopra o fumo com força, e puxa outra e abre o vidro, e joga o cigarro na rua. Inclina-se no assento e a blusa abre, e os seios aparecem. Mas as minhas mãos não tremem, nem a garganta aperta e nem os ouvidos começam a zumbir. Antes pelo contrário, uma sensação enorme de paz desce sobre mim e me rodeia. Se tivesse deitado a cabeça num colo como aquele não teria escrito o meu livro. Não teria necessidade.
- Como é seu nome?
- Inêz de Castro. Com Z.
- Por quê com Z?
- Não sei. Talvez erro de grafia. Na minha vida o que mais tem é troço errado. Se eu fosse um personagem, o livro seria uma merda.
Cala-se e olha a praça deserta através do pára-brisa.
- A vida da gente é muito estranha. Ou a gente faz e se arrepende, ou a gente não faz e se arrepende do mesmo jeito.
Não respondo, não sei o que responder, como também não soube responder quando Andréa saiu da minha sala, e Inêz de Castro, de repente, crava as unhas no peito, por baixo do seio direito. As minhas mãos tremem e puxam a mão dela, e ela não grita, nem se mexe. Apenas fecha os olhos e deixa cair a cabeça sobre o peito. Passa-se muito tempo até que as minhas mãos deixem de tremer e eu possa pegar o maço de cigarros. Acendo dois e dou-lhe um, e ela fica com ele na mão, sem fumar. Puxo algumas tragadas em silêncio e jogo o cigarro na rua, e Inêz de Castro continua na mesma posição.
- Você não gostou do meu nome.
Pega na minha mão e puxa-a para o colo, e entrelaça os dedos nos meus.
- Mas gostou dos meus seios.
Faz uma pausa e puxa uma tragada profunda.
- Eu também não gosto do meu nome, mas gosto dos meus seios.
Joga o cigarro na rua e passa a mão nos lábios e desce-a, devagar, pelo pescoço. Inclina a cabeça sobre o ombro e mete a mão no decote, e encosta a palma no seio. Fecha os olhos e roça os dedos na pele, como eu faria se tivesse a minha mão no seio dela.
- Que nome você gostaria que eu tivesse?
- Andréa.
Inêz de Castro tira a mão do seio e, devagar, abre o botão da blusa. Abre outro e mais outro, e o crucifixo brilha sobre a pele. Afasta a blusa e puxa a minha cabeça contra os seios, e as batidas do coração ressoam nos meus ouvidos, eu sou Andréa, eu sou Andréa, eu sou Andréa. Deixo o calor entranhar na minha pele e deito a cabeça no colo dela. Inêz de Castro debruça-se e abraça-me, e o crucifixo e os seios encostam na minha cara. Mas a garganta não aperta e os ouvidos não zumbem. Nem o coração dispara ou o sexo começa a latejar. Inêz de Castro passa as mãos no meu cabelo e a nuca também não estala, nem a vista escurece. Nem a cabeça estoura e o sexo explode. Os seios estão colados na minha cara e o calor entranha na minha pele, e uma paz imensa me envolve e me protege. Se morresse agora, nem morreria. Inêz de Castro encosta os lábios no meu ouvido e sussurra meu menino, meu menino, e eu fecho os olhos e sei que sou feliz. Se puder mudar a vida de alguém, mudarei a minha vida e mudarei a vida dela. |