CUNHA DE LEIRADELLA

A SOLIDÃO DA VERDADE

ROMANCE

II PARTE - A SOLIDÃO

Doze

Já são onze e vinte e Andréa ainda não telefonou. Mandei D. Beth bloquear todas as chamadas e deixar livre o meu ramal, mas a campainha continua sem tocar. O tabuleiro dos despachos está cheio e D. Beth já trouxe a pasta do Contas a Pagar. Está aqui na minha frente. D. Beth diz que são pagamentos urgentes e que já tem gente esperando receber desde manhã. Foda-se. Se o meu problema fosse só pagar uma conta não estaria aqui como estou. Fodido e pensando em tudo isto.

Acendo mais um cigarro e olho pela janela. A água do ar refrigerado escorre pelo vidro e as cortinas quase não deixam entrar luz. D. Beth devia ler menos livros e colunas sociais, e cuidar mais da merda da minha sala.

- D. Beth.

- Sim, Sr. Eduardo?

- A senhora já viu a porcaria daqueles vidros?

- É do ar refrigerado, Sr. Eduardo. Tá muito calor e...

- E as cortinas? Será que a senhora também não viu?

D. Beth sai. Esmago o cigarro no cinzeiro e olho o aparelho do ramal. Toca, filho da puta. Conto até dez e repito a contagem, e a campainha continua sem tocar.

- D. Beth.

- Sim, Sr. Eduardo?

- Coloque o Sr. Ferraz no ramal.

Segundos depois o Sr. Ferraz estava no ramal.

- Bom dia, Sr. Eduardo.

- Algum problema hoje, Sr. Ferraz?

- Nenhum, Sr. Eduardo. Graças a Deus, nenhum. Todos os hóspedes dormiram no hotel, ontem não tivemos nenhum no show, o grupo da Inter saiu na hora marcada e a ocupação de hoje, calculo eu, deve chegar a setenta por cento, mais ou menos.

- Ótimo. Faltou alguém?

- O senhor diz na Recepção?

- É, Sr. Ferraz. Na Recepção.

- Não, senhor. Na Recepção, não faltou ninguém, não, senhor. Quer dizer, faltar, não faltou ninguém, não, senhor. D. Andréa é que, coitada...

O Sr. Ferraz faz uma pausa e o meu coração dispara e a garganta aperta, e os ouvidos começam a zumbir.

- Ela não disse o que era, não, mas não tá bem, não, Sr. Eduardo. Eu até brinquei com ela, D. Andréa, a senhora não fique triste, não, que, hoje, a senhora vai ganhar rosas outra vez. O senhor lembra daquele hóspede que mandou as rosas na segunda-feira? Pois é. Ele tá na casa e já passou aqui na Recepção. Mas D. Andréa nem ligou. Tá triste, triste, coitada. O senhor não quer falar com ela, não?

- Não. Não. Eu...

- Então, o resto tá tudo bem, Sr. Eduardo.

Deixo cair o fone no gancho e afundo na cadeira. Puta que me pariu. Tudo acabado, e tudo por que eu era um idiota. Não fosse a minha idiotice e nada teria acontecido. Puta que me pariu. Mas Andréa tinha razão. O fato de ter dito te quero muito, viu, e de ter aberto a blusa, não me dava o direito de fazer o que fiz. Puta que me pariu. E, o pior, é que a tinha magoado sem querer. O Sr. Ferraz não tinha dito que ela estava triste e que... Parece que a cabeça explode quando lembro as palavras do Sr. Ferraz. Pulo da cadeira e corro à sala de D. Beth.

- D. Beth, uma linha direta. Rápido.

D. Beth olha-me como se não tivesse entendido. Nunca tinha entrado na sala dela para pedir uma linha.

- Rápido, D. Beth.

 
 
 

Cunha de Leiradella
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