CUNHA DE LEIRADELLA

A SOLIDÃO DA VERDADE

ROMANCE

II PARTE - A SOLIDÃO

Cinco

Estou em Belo Horizonte há três anos. Mas é como se estivesse há trezentos. Belo Horizonte me sufoca. Mas não é só Belo Horizonte que me sufoca. Todos os lugares onde estive me sufocaram. Até a aldeia onde nasci, lá na Serra da Estrela, em Portugal, quase fronteira com a Espanha.

Foi no verão em que fiz doze anos que vi a minha mãe tomando banho. Esfregando-se e gemendo, e os seios cobertos de espuma e abanando. Naquele verão, como em todos os verões, meu pai estava na Espanha e eu passei os dias e as noites sonhando com os seios da minha mãe, cobertos de espuma e abanando. Mas, um dia, ela percebeu os meus gemidos e abriu a porta do banheiro. Pensei que fosse gritar e me bater, mas não gritou, nem me bateu. Só riu e puxou-me para dentro. E deu-me banho e abraçou-me, e voltou a fazer nela e fez em mim o que eu fazia. Foi nessa noite que deitei, pela primeira vez, na cama dela. Mas meu pai descobriu e me bateu e bateu nela, e me mandou para o Brasil.

Fiquei na casa de meus tios, no Rio de Janeiro, e nunca precisei de mulher. A minha mulher eram os seios da minha mãe. Cobertos de espuma e abanando ou caídos no lençol. Os meus primos chamavam-me Fradinho e riam quando eu não ia com eles ás mulheres, e até a minha prima dizia que eu era um bobalhão. Mas eu não ligava. Eles não sabiam dos seios da minha mãe. Trabalhei com eles dez anos e poupei cada centavo que ganhava. Queria ficar rico para voltar a Portugal e tirar a minha mãe da nossa aldeia. E viver como vivíamos quando meu pai estava na Espanha e não sabia.

Quando fiz vinte e cinco anos meus tios ofereceram-me sociedade no armazém. Minha prima estava em idade de casar e eu era o único homem solteiro da família. Eu e meu tio Manuel, irmão da minha mãe. Mas ele não contava. Vivia em outra casa, com um homem. Eu nunca tinha pensado em casar. Não precisava de mulher. Mas não contrariei a minha tia e namorei a minha prima.

Nunca escrevi a minha mãe, nem ela me escrevia. Não havia necessidade. Os seios continuavam comigo e eu tinha certeza que ela ainda me esperava. E continuei namorando a minha prima. O importante era ganhar dinheiro e ficar rico. E voltar a Portugal. Mas a minha prima não quis esperar o casamento e, uma noite, levou-me ao quarto dela. Foi a primeira vez que tive uma mulher, além da minha mãe. Mas nem a tive. Quando ela gritou, estou-me a vir, estou-me a vir, vem-te filho, ai, vem-te, vem-te, e enterrou as unhas nas minhas costas, não consegui continuar. Os seios estavam cobertos de espuma e ela não tinha mais rosto, nem cabelo. Estava morta.

Saí da casa dos meus tios naquela noite e, ainda apavorado com a espuma dos seios da minha prima, fui às putas duas vezes. Mas de nada valeu. O resultado foi o mesmo. Ambas morreram, sem rosto e sem cabelo, e eu afoguei na espuma dos seios, sem gozar.

Foi o que restou da minha mãe. Uns seios grandes, cheios, muito brancos e redondos, e um medo enorme de voltar a Portugal. Não podia arriscar que a minha mãe morresse, sem rosto e sem cabelo, e eu afogasse na espuma dos seios dela, sem gozar.

Entrei na hotelaria como poderia ter entrado na limpeza urbana ou no comércio. Precisava sobreviver e quanto mais trabalhasse menos lembraria dos seios da minha mãe. Mas não consegui esquecê-los. E continuei como era. Ou me masturbando nos cinemas, ou me masturbando no meu quarto.

Cheguei a Belo Horizonte em agosto de 1988. A Companhia Brasileira de Hotéis precisava de um gerente geral no Mangabeiras Palace Hotel e nada me prendia ao Rio de Janeiro. Antes pelo contrário, a planura do mar sempre me angustiou e nunca gostei de ver os corpos das mulheres manchados pelo sol.

Mas vir para Belo Horizonte nada mudou na minha vida. Os seios da minha mãe vieram comigo e eu continuo ainda como era. Ou me masturbando nos cinemas, ou me masturbando no meu quarto.

Dizem os jornais, as emissoras de rádio e as televisões, e os memorandos da Matriz também confirmam, que a situação econômica e social do Brasil é um caos, e que o governo não sabe mais o que fazer. Diz o governo que a imprensa é tendenciosa e que a culpa é da oposição e da ganância dos empresários, e que, se a sociedade fosse mais consciente dos seus deveres comunitários, um simples pacto social resolveria o problema. Talvez todos tenham razão e talvez fosse possível resolver o problema. Mas eu estou no meu quarto há cinco horas e já vi dois filmes e já me masturbei três vezes, e sei que não há pacto social que resolva a minha vida. Os seios da minha mãe não dependem de um acordo.

 
 

Cunha de Leiradella
Casa das Leiras
São Paio de Brunhais
4830-046 - Póvoa de Lanhoso
Portugal
Telefone: 253.943.773
E-mail: leiradella@sapo.pt

 
 

 

 

 

.