Lágrimas do mundo

 

JONAS PULIDO VALENTE


Não acordei, foi um suor frio entre as camadas da pele, uma violação dos poros, com a barriga a tremer de ansiedade que me fez levantar.

Não tinha dinheiro suficiente, tentei palavrear poucos euros para algum álcool para me esquecer das minhas aflições do dia, tão reais, tão humanas.

A chuva de inverno estava forte e eu estava mal agasalhado, mas o calor estava forte, desconfortável, como se alguém brincasse com uma chama sob a minha vida.

Só os interlúdios são dramáticos para quem tem este estilo de vida.

A pressa ia aumentando à medida que me aproximava de casa com a garrafa que iria tornar o dia um pouco mais tolerável. Afinal, o que é que o álcool pode fazer?

Ao entrar no prédio reparei na porteira idosa que se debatia com alguns sacos de lixo, demasiado pesados para ela. Tinha um elevador cheio deles.

Quando a minha fraqueza se apercebeu disso como uma tarefa entre mim e o meu objectivo ganhei uma força hercúlea. Peguei nos sacos, dois a dois, três a três e atirei-os para o canto onde deviam estar.

A porteira choramingava, pela sua vida, reclamava pequenos uivos, por ter a idade que tem, por ter a família longe, por num dia de sorte ter que depender de mim para carregar sacos que ela não devia ter que carregar. Não a pude ouvir. Era impossível! Só quem passou por isto reconhece este como o único instinto não contrariável na existência terrena. Não é resistir ao sexo, à comida, a um bom momento. Tudo isso é uma brincadeira e um luxo de quem se dá ao luxo de ser supérfluo. Desafio essa pessoa a resistir a esta porteira, a contrariar este vício, este mundo.

Segui para o meu apartamento na maior velocidade que consegui, não abrandando pelos seus lamentos. Eram as lágrimas do mundo, deste mundo de merda, onde quem não tem em que pensar claramente não pensou na sorte que tem.

No meu apartamento bebi meia garrafa de rajada, um penso rápido. Hoje não perderia a minha raiva, não ficaria calmo a confortar a porteira, não receberia ventos quentes do sul, nem imaginaria a cor dos olhos de Mata Hari. A vida hoje, sem estupor dramático, não seria suave, apesar de dramática em si mesma, com um cliffhanger de sincera indiferença perante a minha própria morte, mas suave como não encontro em nenhum outro lado na minha vida.

Uma tranquilidade contente que vale ouro, montanhas de ouro, que destrói nações com a sua complacência. Uma tranquilidade solitária, para os solitários. Talvez amanhã o poema seja suave. Talvez amanhã observe pacientemente a maré subir. Hoje só posso sonhar com isso, com a minha heroína, musa que me afaga as lágrimas.