MARIA ESTELA GUEDES
Júlio Conrado é um escritor multifacetado, agente cultural a quem muito devemos, em Portugal e fora dele. No caso vertente, atentaremos especialmente ao concelho da sua residência, Cascais, onde tem promovido colóquios, encontros, publicações, de acordo com a superior instância camarária. Demonstra o facto a recente saída do seu livro Aquele agreste mês de Julho, conjunto de ensais sobre literatura, mas cujo traço de união é precisamente o nexo com o concelho de Cascais. Um dos nexos, a par do nascimento ou residência em Cascais, é o terem alguns autores recebido o Prémio Fernando Namora, instituído em 1987 pelo Casino Estoril, em homenagem ao romancista, autor, entre tantas outras obras, das bem conhecidas Domingo à tarde e Retalhos da vida de um médico.
São quinze os autores contemplados por Júlio Conrado: Ruben A., David Mourão-Ferreira, Isabel da Nóbrega, Mário Dionísio, Álvaro Salema, Júlia Néry, Salvato Teles de Meneses, Urbano Tavares Rodrigues, Sandra Neves, Teolinda Gersão, António Cândido Franco, Ibne Mucana, Christian Bonnefoi e Eugénio Lisboa. Alguns dos textos de Júlio Conrado foram originalmente publicados no Triplov, o que muito nos honra, caso de “Teolinda Gersão – A contista”, que o autor considera a mais importante contista portuguesa da atualidade, ou de “Eugénio Lisboa – O ensaio e outros prazeres”, cujo mérito como homem que subiu a pulso, notável pedagogo, Júlio Conrado frisa, para além, naturalmente, das suas qualidades de escritor e grande conhecedor da literatura portuguesa.
Júlio Conrado traz um extenso conhecimento da vida cultural portuguesa de há umas décadas a conviver, pessoalmente ou com obras publicadas, nos nossos mais importantes jornais e revistas, alguns deles já desaparecidos, antes mesmo da pressão que hoje exerce a imprensa virtual sobre a escrita. No meu caso, conhecemo-mos desde finais dos anos 70, quando ambos éramos colaboradores do Diário Popular. A sua tenaz atenção às Letras fê-lo ganhar não só informação como agilidade criativa, que, nos textos de Aquele agreste mês de Julho se manifestam, por exemplo, na gentileza com que ultrapassa as páginas dos livros para trazer a história de Cascais, a biografia e a autobiografia à colação, em informações que enriquecem o património da história literária, pareçam embora às vezes apenas mexericos. Ditos alguns que deviam circular por cafés e conversas soltas de amigos.
Da vocação romanesca e historiadora de Júlio Conrado, nas margens da crítica literária, ficamos assim a saber algo da origem de A Torre da Barbela, numa vivenda em Cascais, onde Ruben A. viveu uns tempos, assim ficamos cientes de que o próprio Salvato Teles de Menezes reconhecia na sua obra a influência de Carlos de Oliveira, e de Urbano Tavares Rodrigues sorrimos, ao ouvir, do próprio UTR, que conhecera “mulheres aos cachos”. Estas notações biográficas são ricas de calor humano, despertam curiosidade pelos autores, podem ajudar a compreender as obras.
Que Júlio Conrado aprecia a informação, no seu potencial mester de engrenar narrativas, o que estabelece uma aliança promissora entre facto da realidade e facto da imaginação, patenteia-o ele ao escrever sobre o autor de uma obra tão poderosa como O colosso, biografia de Agostinho da Silva empreendida por António Cândido Franco. Contra eventuais brisas e baixas marés, Júlio Conrado considera, muito justamente, que António Cândido Franco é mestre incontestado do romance histórico.
JÚLIO CONRADO
Aquele agreste mês de Julho
Cascais, Fundação D. Luís, 2020