PAULO JORGE BRITO E ABREU
( À Memória, caroal, de minha Mãe Maria Amélia )
( dedico o meu labor ao culto, e à cultura, de Cebolais de Cima )
«Nós não somos do século de inventar as palavras… Nós somos do século de inventar
outra vez as palavras que já foram inventadas.» José de Almada-Negreiros
Não é fácil, nem fútil, falar-vos de um Poeta que eu conheço, que eu conheço, há quase meio século. A 7 de Janeiro de 1980 ele entra, forte e fértil, na Universidade Nova de Lisboa. Em Março de 1987, em Lisboa, ele deu a lume, nas Edições e Dicções, «A Inacreditável Flexibilidade do Tempo.» Ou seja: talvez o passado seja o futuro, afinal, em preparação. Esquadrinhemos, então, o crisma e o carisma do Poeta de «Narciso» ( 27/ 01/ 1985 ). É que bem experto e perito na Língua Portuguesa, o João escreveu, em 30/ 05/ 2006, o poema «Paraíso». Ao falarmos do Poeta, alembramos, dilecto, Martinez de Pasqually ( Grenoble, 1727 – Santo Domingo, 20/ 09/ 1774 ), Baruch Espinosa ( Amsterdão, 24/ 11/ 1632 – Haia, 21/ 02/ 1677 ) e o Padre Manuel Antunes ( Sertã, 03/ 11/ 1918 – Lisboa, 18/ 01/ 1985 ), e eis aqui o celebrar, eis o tópico e típico da sideração. Aventamos, então, a hipótese: mais do que pensar, João Belo ( Cebolais de Cima, 25/ 06/ 1959 ) é pensado por o seu inconsciente, o isso, o «ça» ou o «id» de que falam, dessarte, o Groddeck (Bad Kosen, 13/ 10/ 1866 – Knonau, 10/ 06/ 1934) e o Freud (Freiberg in Mahren, 06/ 05/ 1856 – Londres, 23/ 09/ 1939). A Poesia deste homem, digamo-lo agora, é o puro sujeito que conhece, é o claro e imarcescível olho do mundo, e é o Livro da Vida de que fala o Apocalipse (Ap. 20: 11, 15). Pois que é, no aticismo, o fantástico «Liber Mundi». A lavra e o livre, o Livro de Thoth. Quero eu dizer: o Belo é caroal, ou Profeta, é Vidente ou «Nabî» no sentido bíblico do termo. Emissário, «personal», porta-voz da divindade. Mas dêmos a voz, é premente, ao Poeta João Belo ( Cebolais de Cima, 25/ 06/ 1959 ). Ouçamos o que ele profere em «Trago Comigo as Palavras»: «Trago comigo as palavras / que foram escritas antes / do princípio do mundo / Até hoje ninguém as decifrou senão eu / e por isso só eu as trago / Como o consegui é segredo / que nem a mim próprio revelo». Ouçamos, a propósito, a benquerença de Mateus, 12: 37: «Porque pelas tuas palavras serás justificado, e pelas tuas palavras serás condenado.» Quer o Poeta forjar, afirmar, ou firme tornar: são dous os mesteres do Hermes Trismegisto: o hermetismo, cabal, e a hermenêutica Kabbalah. Quero eu dizer: o Belo é o Espírito tornado sensível, João Belo é um caso de predestinação. Ouçamos, em «Regresso», como ele recebe o chamamento: «Mas o silêncio sabia / na sua sabedoria sábia / do Limite que se abria // E enquanto sabia esperava / e enquanto esperava sabia / Oh! Que sábia sabedoria!» Ou seja: a Filologia anela, ela apela, por uma sã Filosofia, o Amigo da Palavra ele é, outrossim, o Amigo da Verdade. Ou melhor: João Belo não é o dono do ente, ele é Pastor do próprio Ser, ele assume, como Heidegger ( Messkirch, 26/ 09/ 1889 – Friburgo em Brisgóvia, 26/ 05/ 1976 ), a humildade do Pastor. E quanto, agora, ao Belo, a definição de São Tomás ( Roccasecca, 1225 – Fossanova, 07/ 03/ 1274 ) é simples e breve: «O Belo é aquilo que agrada à visão.» Ouçamos o que ele asserta, no poema «Pergunta», em lauda 36: «Um homem foi atacado quando se ia enforcar / Defendeu-se / Alguém perguntou-lhe / Que defendes tu / A vida ou a morte?» Quero eu dizer: foi só exercendo, galhardamente, o ministério, que o Belo entreviu, assumiu o magistério; perante a sua Poesia, «magister locuta, causa finita». Que é força, aqui, é força dizê-lo: como em Álvaro Ribeiro ( Porto, 01/ 03/ 1905 – Lisboa, 09/ 10/ 1981 ), Poesia, aqui, é sal e unção, é expressão, dessarte, do sobrenatural. Ao longo da sua vida, e mormente na idade moça, João Belo tem sido medianeiro, ou instrumento, nas mãos de forças e poderes que em muito o transcendem: esta a prelecção e a sua lição. A propósito de João Belo, citemos, solerte, o augusto Schopenhauer (Danzig, 22/ 02/ 1788 – Frankfurt, 21/ 09/ 1860 ): «Um génio, pelo simples facto de existir, trabalha para toda a humanidade.» E seja a Luz a lis. Seja a Luza, dessarte, em livro do Génesis, 48: 3. E ora vamos forte em frente. E alembramos, aqui, do Hegel ( Estugarda, 27/ 08/ 1770 – Berlim, 14/ 11/ 1831 ), a manha, dessarte, ou astúcia da razão: ela serve-se dos indivíduos e das suas paixões para atingir o seu escol, e o escopo da História; João Belo, na juventa, foi sacrificado, abandonado, beletrista, às suas paixões. Seja lícito, portanto, afirmar: sendo eu afecto, e afeito, à tertúlia do Espírito, com João Belo eu participei, «partisan», na Academia platónica e Liceu aristotélico. E no Ágape, augusto, mencionemos o Tetragrama: João Belo ( Cebolais de Cima, 25/ 06/ 1956 ), José Cunha Pinção ( Lisboa, 18/ 12/ 1959 ), António Filipe Marques (Marmelais de Baixo, 11/ 01/ 1956 ) e, outrossim, o actor, o Autor destas linhas ( Lisboa, 27/ 05/ 1960 ). Ora 1 + 2 + 3 + 4 = 10, sendo 1 + 0 = 1, que é o retorno à Unidade: seja mente, e seja mana, a Monadologia. «A Monadologia» um livro publicado, em 1714, por Gottfried Leibniz ( Leipzig, 01/ 07/ 1646 – Hanôver, 14/ 11/ 1716 ), seja ádito o nome e seja dito aqui o Nume. O nosso baptismo, como grémio e como grupo, efectivou-se, de feito, a 11 de Julho de 1980: escrevemos, nós os quatro, uma série, sideral, de 11 sonetos: passámo-los à máquina, policopiámo-los e lhes demos o título de «Onze Rituais a um Ano Quase Louco». E eis, aqui, um acaso objectivo: a 11 de Julho de 1980 nasce, nitentemente, Elionora Cardoso, ela havia de ser Escritora e manter correspondência com o Autor destas linhas. Voltando aqui ao tétrade, a nossa «Tetraktys» era, deveras, um grupo surreal. Por outras palavras, era nosso, e era nata, o surreal-abjeccionismo. Mas quanto ao demais, nos anos 80 do século XX era difícil, e dolente, ser um Poeta novel. Reitera-se, sempre, a situação: quando surde, na terra, um Poeta de génio, ele é preste aperreado, e unem-se, contra ele, os fariseus e filisteus. Para Heidegger (Messkirch, 26/ 09/ 1889 – Freiburg, 26/ 05/ 1976), adrede, o homem é enjeitado, dejectado neste mundo. Ah, mundo imundo! Ó mundo mandante! Ó mundo mendaz!!! Tu não mereces a Kabbalah, a galhardia de João Belo. E razoando sobre o Poeta de «Os Os Outra Vez»: mais do que Poesia situada, trata-se, aqui, de Poesia sitiada. Em comento sublime, ou subliminal, assevera, desta sorte, o Poeta de «Narciso» ( 27/ 01/ 1985): «É terrível ter valor sem ter sido convidado para ter valor.» Que aduz e diz, deveras, o Livro Sagrado: «Em verdade vos digo: Nenhum profeta é bem recebido na sua pátria.» ( Lc. 4: 24 ). Então ouçamos esta quadra e ouçamo-la, no carme, caroalmente: «De vez em quando a loucura / Entra em mim e sente e diz / Que ser Poeta não se cura / E ser livre é ser feliz.» Com justiça e com justeza eu denomino, João José Grade Duarte Belo, de supra-realista: redigido, alfim, em 22 de Dezembro de 1980, é, o poema «Os Os Outra Vez», o maior, melhor exemplo – da escrita automática em língua portuguesa. Uma xamânica dança, uma dança ponderosa à beira, germinal, da ginástica do Verbo, e o Ágape, augusto, numa Ágora, agora. Quer dizer: foi dada, a João Belo, «uma fúria grande e sonorosa» de que fala o Camões no Canto Primeiro ( Estrofe 5, verso 1 ). Ora a quem muito foi dado, muito, também, lhe será exigido (Lc. 12: 48). A propósito de João Belo, é ingénita a Natura e é, genial, a generosidade. Ou melhor: insuflado é o Belo, o engenho é daquele que ingénuo nasceu. E que é, portanto, genuíno ou engenhoso. Que o engenho vem dos genes, a Arte é daquele que se acrisola no estudo. E aqui asserta, a talho de foice, Marco Fábio Quintiliano (Calahorra, 35 – Roma, 95), um orador, escritor e professor de Retórica romano: «Os poetas nascem, os oradores fazem-se.» No Latim original: «Nascuntur poetae, fiunt oratores.» Isto é: se o jogo, em Grego, se diz «agon», se «agonia», no Ágape, é «luta, exercício», saudemos, em João Belo, a «persona» e o áugure, o protagonista. Que o Poeta, preclaro, está à porta, o «pontifex», ou «pontífice», é aquele que faz as pontes. Pra que faça, o ledor, uma ideia, citaremos, na íntegra, o soneto, ou serenata, «Acróstico Fiel»: «Manhã tardia de noite sedenta, / Íman electrizante, inexplicável, / Noite, mãe e filha da mais violenta, / Hora do amor doentio mais saudável. // Amanhecer diário sem se notar, / Transportando nos olhos o meu poema, / Enquanto em seus lábios, pra me abraçar, / Resguarda, pra me dar, ternura amena. // E nesses beijos, formas de dizer, / Seguros de que um V’rão enorme e quente / Apareceu em si pra a aquecer, // Vai firmíssima por o Amor em frente, / Amando incapaz de retroceder, / Zangar-se, ou deixar de ficar contente.» E sendo datada, a Kabbalah fonética, de 29 de Junho de 1980, o Belo tinha, verazmente, 21 Primaveras. Como é que isto, humanamente, foi possível??? A resposta no-la dá, novamente, São Tomás, o Aquinate (Roccasecca, 1225 – Fossanova, 07/ 03/ 1274): o Belo não se reduz à apreciação sensível, ele tem o «topos» cativo na contemplação. Ou melhor: se as Artes estão ligadas à Filosofia, está liada, a Teologia, à Santa Teosofia, e remembro, aqui, a Madame BlavatsKy (Ekaterinoslav, Império Russo, 30 ou 31/ 07/ 1831 – Londres, 08/ 05/ 1891) , a nossa Annie Besant (Londres, 01/ 10/ 1847 – Adyar, Madras, Índia, 30/ 09/ 1933), o Coronel, acareado, Henry Steel Olcott (Orange, New Jersey, 02/ 08/ 1832 – Adyar, Madras, Índia, 17/ 02/ 1907). Em Nova Iorque, de facto, lançando o sémen à terra, o elóquio inaugural foi proferido, em parabém, por o Coronel Olcott, em 17 de Novembro de 1875: esse o dia de fundação da Sociedade Teosófica. E eis, agora, os três objectivos do nosso grémio cultual: em primo lugar, e sem distinção de raça, credo, sexo, casta ou cor, formar um núcleo, coeso, da Fraternidade Universal entre toda a Humanidade. Em deutério, sagrado ou segundo lugar, fomentar o estudo comparado das Religiões, das Filosofias e das Ciências. E em certeiro, dessarte, ou terceiro lugar: investigar as leis inexplicadas da Natureza e os poderes latentes, e ocultos no homem. A talho de foice, o ramo lusitano da Sociedade Teosófica foi fundado, de feito, a 5 de Setembro de 1921. E pessoa, dessarte, de escol, o Escritor Félix Bermudes ( Porto, 04/ 07/ 1874 – Lisboa, 05/ 01/ 1960 ) foi, de facto, dos seus primeiros aderentes. Escrutemos, então, João Belo, ou nós o escutemos, à luz da Portuguesa, ou surpresa, Filosofia. E a primeira ilação que tirar nos é lícito é que é, João Belo, um Poeta gracioso: os seus melhores poemas ele os fez, sem jaça, no êxtase e Graça. Sendo essa Graça, pra Delfim Santos ( Porto, 06/ 11/ 1907 – Cascais, 25/ 09/ 1966 ), o produto da «associação do criacionismo humano ao criacionismo divino». E para o Poeta João Belo a génese, ou criação, importa muito mais do que a procriação. Perante a sua Poesia diria, se fosse vivo, o Pierre Janet ( Paris, 30/ 05/ 1859 – Paris, 24/ 02/ 1947 ): participa, o Poeta, duma grã Beatitude, ele se ancora, e ele se escora, em beatífica visão. João Belo, desse modo, é um Alumbrado, ele alumia, dessarte, e ele provoca o assombro. Retornando pois atrás: no estro e na génese, ele engendra, general, a Palingenesia. O Poeta sabia que «Os Os Outra Vez» era poema de excepção na Literatura Portuguesa. E eis como ele o conta numa quadra caroável: «Há dois géneros de poema / Cá na minha perspectiva: / O mau, que não vale a pena, / E o que excede a expectativa.» E mais outra quadra acareada, no canto: «Vinhas só para me ver / Com mais de mil beijos (poucos), / Olhos cor do entardecer, / Lábios leves, lindos, loucos.» E quanto, agora mesmo, a Cebolais de Cima: o nascer, por isso, é conhecimento, o nativo é natal e é Natura a nutrice. A Mátria de João Belo é, selectamente, Cebolais de Cima, mas entre Pessoa ( Lisboa, 13/ 06/ 1888 – Lisboa, 30/ 11/ 1935 ) e João Belo ora eis, aqui, uma similitude: a Pátria deles os dous ela é, deveras, a Língua Portuguesa. O Ágape, na Graça, como forma de prândio, a Língua, sonorosa, como forma de liga. E ora muito e muito bem. No fim de «A Defence of Poetry», «Uma Defesa da Poesia» (1840), asserta, desta sorte, o Percy Bysshe Shelley ( Field Place, Horsham, 04/ 08/ 1792 – Mar Lígure, Golfo de Spezia, 08/ 07/ 1822 ): «Os Poetas são os legisladores não reconhecidos do mundo.» Ou, agora, na língua do Anglo: «Poets are the unacknowledged legislators of the world». Umas palavras sobre Shelley. Ele entrou, em 1802, na «Syon House Academy», em Brentford, uma escola particular. No «Eton College», onde ingressa em 1804, os colegas chamavam-lhe «Shelley, o louco», ou «Shelley, o ateu». Em 1810 ele estreia-se em livro propalando «Zastrozzi», que era, afinal, romance gótico. A 10 de Abril de 1810 ele inscreve-se, curialmente, na Universidade de Oxford. E menos, dessarte, de um ano depós, a 25 de Março de 1811, por ter escrito, em parceria com Thomas Jefferson Hogg ( Norton, Stockton-on-Tees, 24/ 05/ 1792 – Londres, 27/ 08/ 1862 ), um panfleto intitulado «The Necessity of Atheism», «A Necessidade do Ateísmo», ele é expulso, e enjeitado, do meio ou do seio universitários. E dessa Universidade, ou infelicidade, o nome do Reitor, ou melhor, do criminoso: George Rowley. Seguindo e segundo os estremes eruditos: o jovem Percy, mais do que negar a existência de Deus, ele nega a plausibilidade, ou possibilidade, da sua razoável, racional demonstração. Trata-se, aqui, de um caso típico e tópico de agnosticismo. Mas mesmo não sendo, confessamente, cristiano, Shelley viveu, de facto e de feito, o sentimento vivo, e activo, do amor por o próximo. Em seu livro «A Literatura Inglesa», Jorge de Sena ( Lisboa, 02/ 11/ 1919 – Santa Bárbara, Califórnia, 04/ 06/ 1978 ) chama-lhe, simultaneamente, espiritualista e ateu. Em 1813 o Poeta imprime, por sua conta própria e com seus próprios recursos, sua Obra primeira de fôlego, «Queen Mab», «Rainha Mab», um poema de 9 cantos com uma tiragem, modesta, de 150 exemplares. Ao versarmos o Shelley, versemos um homem que foi, quiçá, o primeiro anarquista em toda a Europa – e abarcamos, abraçamos William Godwin (Cambridgeshire, 03/ 03/ 1756 – Londres, 07/ 04/ 1836), Autor, em 1793, de «Enquiry Concerning Political Justice». Ou, em lusa língua, «Inquérito acerca da Justiça Política». «Maître à penser» do jovem Shelley, teve, o Filósofo, influência decisiva em Wordsworth (Cockermouth, 07/ 04/ 1770 – Rydal Mount, 23/ 04/ 1850), em Coleridge ( Ottery St. Mary, 21/ 10/ 1772 – Highgate, 25/ 07/ 1834 ) e, também, em Robert Southey ( Bristol, 12/ 08/ 1774 – Keswick, 21/ 03/ 1843 ). E como não podia, o Vate, ver sofrer um ser humano, ele ajudava o seu mestre, economicamente. O Poeta alimentava, o seu sogro, porque reconhecia, nele, a flama do Génio, cousa similar acontecia, no lance, a Friedrich Engels ( Barmen, 28/ 11/ 1820 – Londres, 05/ 08/ 1895 ) em relação com Karl Marx (Tréveris, 05/ 05/ 1818 – Londres, 14/ 03/ 1883). Num poema de 1802 intitulado «The Rainbow» ( «O Arco-Íris» ), ora eis o que afiança William Wordsworth: «The child is father of the man», «A criança é o antepassado do homem» em luso linguajar. Da lavra de S. T. Coleridge, relevemos, salientemos e alcemos «The Rime of the Ancient Mariner», ou, em Português, «A Balada do Velho Marinheiro». Quanto à filha de William Godwin, a esvelta Mary, casar-se-ia com Percy, a 30/ 12/ 1816, e escreveria, estreme e extrema, o famigerado «Frankenstein or the Modern Prometheus», «Frankenstein ou o Moderno Prometeu», dado a lume, anonimamente, em Londres, a 1 de Janeiro de 1818. Durante e depois da vida do Poeta, Mary escreveria, estrenuamente, obras de ficção, jornalismo, drama e poesia, literatura de viagens e também biografias. Para que conste, o casal conheceu-se numa estância em Edimburgo, a 15 de Maio de 1814 – e tomado foi, logo, logo, por o lance cupidíneo. Mas Mary Shelley (Somers Town, Londres, 30/ 08/ 1797 – Chester Square, Londres, 01/ 02/ 1851) foi, de facto, o segundo casamento do Autor de «Adonais». Efectivamente, Percy consorciou-se, a 28 de Agosto de 1811, com Harriet Westbrook ( 01/ 08/ 1795 ), filha de um taverneiro e colega, no colégio, das irmãs, mais novas, do Poeta romântico. Casou-se o casal em Edimburgo, segundo os ritos da Igreja escocesa. Em Novembro de 1816, em estado de gravidez, Harriet suicidou-se atirando-se às águas do Serpentine River, em pleno Hyde Park, e o seu corpo foi encontrado a 10 de Dezembro desse ano fatal. Algumas Obras, de Percy, de escol e de prol: «Adonais» (1821), «Prometheus Unbound» (1820) e «The Masque of Anarchy» (1832). E eis o título completo da Obra primeira: «Adonais, An Elegy on the Death of John Keats, Author of Endymion, Hyperion, etc.». E, ainda, o magnífico, magnificente, «Hymn to Intellectual Beauty» ( 1817 ). E quanto, agora, a Portugal, o «Prometheu Libertado» ( 1926 ) é uma obra póstuma, na Graça, de Guerra Junqueiro ( Freixo de Espada à Cinta, Ligares, 15/ 09/ 1850 – Lisboa, 07/ 07/ 1923 ). De notar, ademais, que o Amor acrisolado de William Godwin foi Mary Woolstonecraft Godwin ( Spitalfields, Londres, 27/ 04/ 1759 – Somers Town, Londres, 10/ 09/ 1797 ), com quem se casou, ou consorciou, em 29 de Março de 1797. Fruto e frol do himeneu, sua filha Mary foi nada, deveras, a 30 de Agosto de 1797. Sua Mãe faleceu 11 dias depós, a 10 de Setembro, afectada, de feito, por septicemia. De notar, aqui, o seguinte: se William, seu marido, foi o primeiro anarquista, Mary Godwin foi a primeira Escritora francamente feminista. Sua carreira literária foi, veramente, avassaladora. Em resposta ao livro de Edmund Burke ( Dublin, 12/ 01/ 1729 – Beaconsfield, 09/ 07/ 1797 ) de 1790, «Reflections on the French Revolution», publicita, Woolstonecraft, no mesmo ano, a «Vindication of the Rights of Man», ou seja, a «Reinvidicação dos Direitos do Homem». Voltando à carga, em 1792, com a «Vindication of the Rights of Woman», a «Reinvidicação dos Direitos da Mulher». E quanto, agora, a William Godwin: sua admiração por a esposa era tão magna, ou tamanha, que ele dá à estampa, em 1798, «Memoirs of the Author of A Vindication of the Rights of Woman», as «Memórias da Autora da Reinvidicação dos Direitos da Mulher». E John Keats, quanto aos números, foi nado em Londres, em 31 de Outubro de 1795, e faleceu, de feito, em Roma, a 23 de Fevereiro de 1821. Foi Keats, na loira Albion, o último dos poetas românticos, e foi, de feito, o mais jovem a morrer. Um dos seus lemas mais conhecidos é o seguinte: «A thing of beauty is a joy for ever», «Uma coisa bela é uma alegria para sempre», é o primeiro verso do poema «Endymion», dado a lume, levemente, em 1818. Na opinião avisada, avalizada, de Algernon Charles Swinburne (Londres, 05/ 04/ 1837 – Londres, 10/ 04/ 1909), se Shakespere ocupa, indubitavelmente, o primo lugar na dramaturgia, cabe a Shelley, decerto, o primeiro lugar na lírica Poesia. O bardo, angelical, de Stratford-upon-Avon, lá foi nado, nitente, a 23/ 04/ 1564, e expirou, na mesma terra, a 23/ 04/ 1616. No dia 8 de Julho de 1822, na baía de Spezia, no trajecto de Piza pra Livorno, o Poeta de «Adonais» navegava, com Edward Williams e Charles Vivien, no seu barco novo. Eis que rebenta, de feito, uma tempestade roaz, que durou, tão-somente, vinte minutos. Quando surdiu, de novo, a bonança, o barco desaparecera, e com o barco o Autor das miríficas Obras. Juntamente, deveras, com os amáveis que averbámos. Depós alguns dias, o corpo do Escritor foi encontrado na praia perto da Via Reggia, tendo no bolso do fato uma edição de Sófocles ( 497/ 496 a. C. – 406/ 405 a. C. ) e o último volume da Autoria de Keats. Cotejando, deveras, com Antero de Quental ( Ponta Delgada, 18/ 04/ 1842 – Ponta Delgada, 11/ 09/ 1891 ), tinha falecido, mais que nunca, um Génio que era um Santo. Os seus restos repousam em Roma, no Cemitério Protestante, também chamado, de facto, Cemitério dos Ingleses. Revertendo pois a Shelley, pitagoricamente, os números, agora, não mentem: somando os dígitos da data natal, obtém-se, deveras, o Caminho de Vida: em 04/ 08/ 1792, nós temos o seguinte: 4 + 8 = 12, sendo 1 + 2 = 3. E 3 + 1 + 7 + 9 + 2 = 11 + 11 = 22. Sendo um Número Mestre, é a marca, relevante, dos grandes Génios, dos que laboram, lautamente, para toda a Humanidade, dos que são, metaforicamente, os Construtores das Catedrais. E 22, na verve, são os Caminhos de Vida de Marie Curie ( Varsóvia, 07/ 11/ 1867 – Passy, 04/ 07/ 1934), de Annie Besant ( Londres, 01/ 10/ 1847 – Adyar, Madras, Índia, 30/ 09/ 1933 ) e, outrossim, de Sua Santidade Tenzin Gyatso, o 14.º Dalai Lama ( Taktser, Amdo, Tibete, 06/ 07/ 1935 ). E a causa está nisto: se 22 são as letras do alfabeto hebraico, são, 22, os Arcanos maiores do Livro de Toth. E quanto a Portugal, e quanto, agora, ao Autor de «Farmácias» (Fevereiro de 1982), o Belo, que é mais do que o útil, o Belo é o que dá prazer independentemente de qualquer interesse, independentemente, desse modo, de qualquer representação. E ora eis o que asserta o sábio Estagirita ( Estagira, 384 a. C. – Atenas, 322 a. C. ): «Não se busca o útil e o necessário senão tendo em vista o belo.» (Política, VII, 12, 08). O homem esteta é comandado, muitas vezes, por o seu desejo erótico; pra Soren Kierkegaard (Copenhague, 05/ 05/ 1813 – Copenhague, 11/ 11/ 1855), o símbolo mais significativo do estádio estético é o preste Don Juan. A talho de foice, «Don Juan» é, com efeito, uma Obra de Byron ( Londres, 22/ 01/ 1788 – Missolonghi, 19/ 04/ 1824 ), vinda a lume, leve e lesta, entre 1819 e 1824. Para Soren, o homem deverá escolher entre a fruição estética, a seriedade conjugal ou um aprofundar do sentimento religioso. Deverá, por outras palavras, ser sedutor, marido ou eremita. E vamos, então, à Kabbalah fonética: se o amante, por isso, é como o amente, se o Astro, aqui, é qual o estro, do genial para o genital vai um passo muito curto. Com esta frase, porém, alembramos: sendo entusiasmo, o êxtase ou paixão, a Arte joanina revela, plenamente, o Espírito Absoluto. Essa Arte é concebível qual sensível, ou visível, idealidade, é o «idealismo mágico» de que fala Novalis ( Wiederstedt, Harz, 02/ 05/ 1772 – 25/ 03/ 1801 ). Melhor dizendo: se o inconsciente se revela através das imagens, trata-se, na Poesia de João Belo, da imagética magia, do magismo inaugural, e aqui, alfim, é Lua, aqui actua o pensamento mágico-simbólico. Que avesso, por isso, à Internet, o Belo é artista, artefacto, e por isso artesanato; com temor, e com tremor, ele escreveu o «Paraíso» ( 30/ 05/ 2006 ). Atentemos na estese de São Tomás de Aquino (Roccasecca, 1225 – Fossanova, 07/ 03/ 1724) se o agir ou «agere» se refere, dessarte, à conduta moral, o «facere» ou «Poiesis» se reporta, claramente, ao produtivo, e artigo, ministerial. Sendo a conduta moral criticista, compreensiva, na «Crítica da Razão Prática» ( 1788 ), de Immanuel Kant ( Konigsberg, 22/ 04/ 1724 – Konigsberg, 12/ 02/ 1804 ). E se ora temos, em João Belo, o evangélico, angélico, significante, ele é viço e excelso, e quem lê, de feito, o seu livro fica livre «ipso facto». Se citamos, aqui, os Filaleteus, é porque Belo é, de facto, um pensador, ou melhor, ele põe um penso, dessarte, na ferida narcísica. E ao pensar, ele pesa, na balança, os vocábulos e letras. Ouçamos, da sua lavra, este comento, que entrou, como provérbio, no linguajar dos Portugueses: «Entre o fortuito e o acaso, um passo: não é por acaso que nada é por acaso.» Esta frase, Amigo ledor, não é fácil nem fútil, vale por todo um compêndio de Filosofia. João Belo refere-se, razoável, às «sincronicidades» de Jung (Kesswil, Turgóvia, Suíça, 26/ 07/ 1875 – Kusnacht, Zurique, 06/ 06/ 1961), ou melhor, às coincidências significativas. Dizer isto é lembrar: o que exara, na Poesia, João Belo, é levado, ou elevado, a um oráculo sublime. Aconteceu com a Bíblia, aconteceu com os Vedas, aconteceu, também, com os Upanishades: Poesia, ou profecia, é do sagrado, Poesia aqui é vis da real religião. Ou como aduzia, dessarte, o Martin Heidegger ( Messkirch, 26/ 09/ 1889 – Messkirch, 26/ 05/ 1976 ): «O pensador diz o Ser. O poeta nomeia o Sagrado». Clarifiquemos, por isso, os conceitos, e também a conceição: a linguagem, pra João Belo, é o método de acesso à transcendência, a Física só tem valor se for complementada, no comento, por uma Metafísica. Uma Ontologia, ou Teologia, dos poéticos valores. Ou melhor: se o Físico moderno é como S. Tomé, que vê primeiro para crer depois, jornadeemos com Jo. 20: 29: «Porque viste, creste. Felizes os que não viram e creram!» E em biblicismo comparado, cotejemos com Heb. 11: 1: «Ora, a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que não se vêem.» Atentemos, por isso, no «topos»: como Númeno, que é, a Poesia joanina ela ultrapassa a individuação, o espaço, o tempo, o princípio, positivo, da causalidade. E ouçamos, no carme, Heraclito, o Obscuro (Éfeso, ca. 540 a. C. – Éfeso, 470 a. C.): «Se a felicidade consistisse nos prazeres do corpo, teríamos de proclamar os bois como felizes no momento em que encontram umas favas para comer.» Por vocábulos estremes: dialéctica dual, ou melhor, dialogal, é a Musa de João Belo que deve dar, a Portugal, seu pensamento metafísico. É a Poesia, de João Belo, para a Educação nacional. Perante, lilial, a noosfera, afiança, de facto, o Filósofo: «Sou mais eu quando tu és a síntese de nós». Em termos cifrados: destinatário do Eros, ou Amor, é, na Teoria, o Sol e o sal da Sabedoria. Sendo aqui, «Teoria», o signo ou sinal da contemplação. O ensinar e o rezar, o regressar ao templo dos nossos ancestrais. Só se ama, afinal, aquilo que se conhece, só se conhece, dessarte, aquilo que se ama. Quero eu dizer: se o pensamento é «sauvage», como em Claude Lévi-Strauss ( Bruxelas, 28/ 11/ 1908 – Paris, 30/ 10/ 2009 ), o actuar é o estuar, o Inconsciente é estruturado como um Teatro. Mencionemos, aqui, o escorço preciso, e precioso, de Ernest Jones (Glamorganshire, 01/ 01/ 1879 – Londres, 11/ 02/ 1958), «O Complexo de Édipo como Explicação do Mistério de Hamlet: um Estudo do Motivo». Discípulo de Emil Kraepelin (Neustrelitz, 15/ 02/ 1856 – Munique, 07/ 10/ 1926), Jones introduziu a Psicanálise na Grã Bretanha e foi de feito Presidente da Associação Psicanalítica Internacional, tendo chegado a laborar, lestamente, na Clínica Burgholzli, Clínica por onde passaram quase todos os pioneiros da preste Psicanálise. De notar que Ernest Jones é o Autor duma relevante e marcante biografia de Freud: «A Vida e a Obra de Freud» ( 1953 – 1958 ). «Nunca será de mais repetir – escreve Freud – o quanto este movimento deve a Jones e a Brill». Sendo, deveras, Abraham Arden Brill ( 1874 – 1948 ), um dos primeiros discípulos, estado-unidenses, do Pai da Psicanálise, um pioneiro, da análise, em terras de «Uncle Sam». Sobre «A Interpretação dos Sonhos» ( 04/ 11/ 1899 ), obra inaugural da preste Psicanálise, escreve, egregiamente, o Ernest Jones: ela é, prementemente, «de todas as obras de Freud a mais original». O Inconsciente, como dissemos, é Teatro. No Teatro do Ser, considera, João Belo, de olhos postos no sidéreo, e por isso ele é insigne, consignado e o significado. É que o mundo do Teatro ele é superno, e superior, ao mundo real. Que eu e João Belo nós somos sacros, não serôdios: faz 44 anos que poetizamos a Filosofia, filosofamos, de facto, a nossa Poesia. Nós somos clássicos da Modernidade: recebemos então dos deuses pra doar, dadivar, e oferendar aos homens todos, e por isso o remetente, e por isso o emissário, ele está em missão. Missionário, por isso, de palavras, João Belo concedeu, à revista «Miúda», uma entrevista caroal, que foi para as bancas, deveras, a 21 de Janeiro de 1986. A jornalista, Filomena Araújo, lhe demandou o que é que escrever significava para ele. E ele, preste e pronto: «Para mim, escrever, mais do que um prazer, é uma necessidade fisiológica.» Aqui temos Poesia, de feito, como forma de evacuação. E em muitas tradições, os significados do ouro e dos excrementos estão associados. A talho, agora, de foice: da lavra, liberal, do romântico Coleridge é, em 1802, o poema intitulado «Dejection: an Ode». Certamente, então, Poesia é uma Catarse, uma faxina da mente ou moral desinfecção. Essa purga, ou «Catharsis», é uma forma de liberar as paixões, vivendo-as, de facto, de forma imaginária. E ao ser a Logoterapia, ela é, outrossim, a Ludoterapia. E a analítica cura ela é, deveras, uma cura pela palavra. Que os sintomas neuróticos advêm de processos inconscientes e desaparecem quando esses processos se tornam conscientes. Josef Breuer (Viena, 15/ 01/ 1842 – Viena, 20/ 06/ 1925 ) e Sigmund Freud (Freiberg in Mahren, 06/ 05/ 1856 – Hampstead, 23/ 09/ 1939) retomaram, com alor, o termo «catarse» para designar, assinalar, o seu primeiro método psicanalítico. E ocorre, também, a catarse, no Psicodrama, ritual, de Jacob Levy Moreno ( Bucareste, Roménia, 18/ 05/ 1889 – Beacon, Nova Iorque, 14/ 05/ 1974 ), aquele que abriu as portas da Psiquiatria à alacridade e à alegria. Mas a histórica verdade é que foi Josef Breuer, e não e nanja o Sigmund Freud, quem, entre 1880 e 1882, descobriu a Catarse. Tratada por Breuer, a primeira paciente da história da análise ela foi Anna O., dita, deveras, a Bertha Pappenheim ( Viena, 27/ 02/ 1859 – Iselberg, Alemanha, 28/ 05/ 1936 ); foi ela quem cunhou, para o tratamento analítico, os termos «talking cure» e «chimney sweeping», «cura pela fala» e «limpeza de chaminé.» E se a safra é maternal, se é madura a seara, atentemos, adrede, no poema «Narciso» ( 27/ 01/ 1985 ): «Atiram pedras aos outros / por verem espelhos em tudo / para não ser como eles / fecho os olhos fico mudo // Mas ainda assim e sempre / é sempre comigo que eu ando / amando-me continuamente / em tudo o que vou amando // Narciso afinal não foi / o que não o seja algum / e a eternidade o que é / senão a vida de cada um? // É impossível que o mundo / por mais que nos minta a voz / não seja antes de tudo / absolutamente nós // Cada um é como o outro / ofuscante torre de marfim / de si para si murmurando / não consigo viver sem mim». E se o Narciso, demanda o ledor, é aquele que se mira, dessarte, no espelho??? Certamente, ó legente, certamente e deveras. Mas de acordo com a lexicologia, o espelho é o especular, o especular, por sua vez, é espectacular. E especular, para os Latinos, era templar o Firmamento com a ajuda de um espelho. Os Actores e as mulheres são os que se pintam, e maquilham, diante de um espelho. Os que demandam a Beleza, e preparam, as palavras, para a festa dos ninhos. Na Poesia de João Belo é como, certamente, na grande Poesia: uma letra a mais, ou uma letra a menos, e tal será, fatalmente, o fim de um império. Palavras, já o dissemos, são espíritos. «O livro é um animal vivo» para o preste Estagirita. E mais do que signos linguísticos, são, palavras, os símbolos e signas. E uma vez emitidas, as palavras, viageiras, nunca voltam atrás. E eis que reza, e razoa, um provérbio chinês: «Há três coisas na vida que nunca voltam atrás: a flecha lançada, a palavra pronunciada e a oportunidade perdida.» Meditemos, então, em Prov. 25: 11: «Como maçãs de ouro em esculturas de prata é a palavra dita no tempo certo.» Ou seja: matéria-prima para o tratamento psicanalítico ela é, deveras, a magia da palavra, da palavra que acalenta e por isso nos alimenta: «Portanto, se assim prosseguirdes, banqueteando-vos com a palavra de Cristo, e perseverardes até ao fim, eis que assim diz o Pai: ‘Tereis vida eterna’» ( 2 Néfi, 31: 20 ). Pois na Poesia de João Belo, é como na Igreja, verdadeira, de Cristo Jesus ( Gal. 3: 28 ): «Não há judeu nem grego, não há servo nem livre, não há homem nem mulher», pois todos somos um no Autor de «Narciso». Se abeirando dos lemas, ou emblemas, do inconsciente colectivo, o caso e a causa do Poeta João Belo são curiais, são francamente universais. Ele há, portanto, um mundo João Belo como existe, também, um mundo Pessoa (Lisboa, 13/ 06/ 1888 – Lisboa, 30/ 11/ 1935 ), um mundo Camões ( Lisboa? c. 1531 – Lisboa, 10/ 06/ 1580 ), um mundo, mundificante, Antero de Quental ( Ponta Delgada, 18/ 04/ 1842 – Ponta Delgada, 11/ 09/ 1891 ). De tal modo que inferimos: se a Verdade é subjectiva, se, na humanidade, o indivíduo é superior à espécie, único, na verdade, é o orbe e a Obra do Poeta João Belo. E eis agora, na Ágora, uma figura-fulgor: o Filho do Homem se fez homem pra que o homem se torne um filho de Deus. Se fez carne, alfim, pra que o filho do homem o Sopro se faça. Ora eis o que o Poeta asserta, certeiro, em «Concerto Desconcertante»: «Se um dia a vida correr para onde / nunca sejas o quê Sê antes o nunca», e aqui eis a cidade, unicidade e universalidade, nas Camenas e Musas do fenómeno João Belo. Ou melhor: se topa e lobriga, na Poesia deste homem, a Fenomenologia de Husserl ( Prossnitz, Morávia, 08/ 04/ 1859 – Friburgo em Brisgóvia, 27/ 04/ 1938 ) e Heidegger (Messkirch, 26/ 09/ 1889 – Messkirch, 26/ 05/ 1976). Ou alembrando um clássico, ou ático, da Filosofia: a «Fenomenologia do Espírito» ( 1807 ), de Georg Wilhelm Friedrich Hegel (Estugarda, 27/ 08/ 1770 – Berlim, 14/ 11/ 1831 ). E quanto a João Belo, voltamos a dizê-lo, será escrito, o seu nome, no vasto «Liber Mundi», o seu nome será escrito no grande Livro da Vida. Pois é Vida, e é Verbo, no Espírito e noese. E é preciso, pra ser Génio, digerir a diegese.
NOTA BENE
I
As 9 Musas são filhas de Zeus e de Mnemósine, a deusa da Memória. São elas que insuflam, inspiram, os Músicos e Poetas. Sendo Zeus, segundo Homero, «o pai dos deuses e dos homens», a Mãe das Musas concedeu, ao Poeta João Belo, uma memória colossal. Em 1980, quando eu o conheci, em poucos minutos ele decorava uma lista, cordial, de 200 palavras. Primeiro, ele bem dizia, com «adresse», a ordem pela qual elas tinham sido escritas, e se, depois, lhe demandavam: «Qual a trigésima primeira, qual a quadragésima, qual, dessarte, a trigésima oitava???», ele nanja, nanja, ele nunca se olvidava. E ficava, toda a gente, estupenda e estupefacta. Pois que era a maravilha. Pois que era, João Belo, o assombro, o «miracle» e o mirabolante.
II
João José Grade Duarte Belo é campeão num jogo que exige, ou requer, grandes faculdades intelectuais – e falamos, aqui, do augusto xadrez. Ele ganhou, dessarte, a vários campeões nacionais, como sejam, entre outros, Joaquim Durão e Luís Santos. Ganhou, com toda a glória, a Júlio Santos Fernandes, Pai de António Fernandes, sendo ambos, Pai e filho, Campeões Nacionais de Rápidas. Com jogadores normais, ou medianos, chegou a jogar, de costas e simultaneamente, contra três tabuleiros – e era, como sempre, era sua a vitória. O xadrez é aparentado, cauto e culto, com a solerte Matemática; pra Francisco Gomes Teixeira ( São Cosmado, Armamar, 28/ 01/ 1851 – Porto, 08/ 02/ 1933 ), «verbi gratia», é, a Matemática, o esqueleto da Poesia. Se registe aqui mesmo: João Belo é Autor, e promotor, de quatro problemas de xadrez, que foram publicados, em Agosto de 1985, no «Correio da Manhã». E se ele foi campeão, em 1987, da Universidade Nova de Lisboa, é dele o auge e o acme, o ápice e acume… E atentemos, aqui, atentemos, figadal, num fragmento de Heraclito ( Éfeso, ca. 500 a. C. – Éfeso, ca. 450 a. C. ): «O tempo é uma criança jogando ao gamão, o reino duma criança.»
III
Em 1971, com 11 anos apenas, João Belo foi Autor do feraz filosofema: é que o Universo é electrão de um átomo de outro Universo muito maior. E em cada electrão pode haver, patente e latente, um Universo muito grande com vida, com vis e com inteligência. Daí que seja curial, e cordial, o bem tratar os animais. Estilisticamente e esteticamente, o comento joanino não é inferior ao verso, nem ao diverso, do Fernando Pessoa ( Lisboa, 13/ 06/ 1888 – Lisboa, 30/ 11/ 1935 ): «Deus é o homem de outro Deus maior.»
IV
Querido ledor, o metro é, mavioso, irmão da métrica. Na Antiguidade e, também, na Idade Média, a seguir ao trívio, nas escolas, se ensinava o quadrívio. Se abarcava, esse trívio, a Gramática, a Retórica e a Dialéctica, compreendia, o quadrívio, a Aritmética, a Geometria, a Música, dessarte, e a grande Astrologia. Sendo, a Matemática, a enciclopédia, deveras, das sápidas ciências. Por isso falava, Renato Cartesius ( La Haye en Touraine, 31/ 03/ 1596 – Estocolmo, 11/ 02/ 1650 ), da «Mathesis Universalis», ciência aticista, ou melhor, universalista. Com justiça e com justeza, os astrólogos, na Idade Média, eram chamados matemáticos. Se os estudos triviais são acusmáticos, são, matemáticos, os degraus quadriviais. E sendo, na essência, o xadrez, um jogo matemático, João Belo é matemático à sua maneira. Isto é, a quem lhe disser a sua data natal, o Poeta, com base num cálculo, ele diz, ao consulente, o dia da semana em que ele foi nado, no lance. No pórtico, ou portal, da Academia platónica, rezava a inscrição: «Não entra aqui quem não souber Geometria.» Atentemos, agora, numa nótula breve: se o septívio é sinónimo das artes liberais, só são cultivadas, as mesmas, na «skolê», recreio ou tempo livre. Ou melhor: se as artes mecânicas requerem o negócio ( «nec-otium» ), as artes liberais abraçam o ócio («otium»), se são, as primeiras, artes de produzir, são, as segundas, as artes da «Sophia» ou Sabedoria. Sendo o átrio, ou «ratio», da Filosofia, proémio, propedêutica, à vera Teologia. Três filósofos, matemáticos, da minha dilecção: Blaise Pascal ( Clermont-Ferrand, 19/ 06/ 1623 – Paris, 19/ 08/ 1662 ), Bertrand Russell ( Trelleck, País de Gales, 18/ 05/ 1872 – Penrhyndeudraeth, País de Gales, 02/ 02/ 1970 ) e Pitágoras, deveras, o Áugure Pítico (Samos, 571/ 570 a. C. – Metaponto, 497/ 496 a. C.). Pascal, além de matemático, foi físico, inventor, teólogo e filósofo, inventou, aos 19 anos, a prima, e a primeira, máquina de calcular. Publicou, em 1640, o «Ensaio sobre as Cónicas», no qual foi formulado o teorema de Pascal. Foi precursor, ainda, do cor e do patético, quero eu dizer, do cálculo das probabilidades. Místico, jansenista, e avesso aos Jesuítas, deu a lume, entre 1656 e 1657, «Les Provinciales», «As Provinciais». E «Pensées», «Pensamentos», que o imortalizou, foi dado a lume, postumamente, em 1669. Pouco antes de morrer, ele preparava, providente, uma «Apologia da Religião Cristã», cujos fragmentos foram publicados com o título, justamente, de «Pensées». Seu pensamento mais conhecido é deveras o seguinte: «Le coeur a ses raisons que la raison ne connaît point», «O coração tem as suas razões, que a razão desconhece». Averbando, agora, Bertrand Russell: o afilhado, figadal, de John Stuart Mill (Londres, 20/ 05/ 1806 – Avignon, 08/ 05/ 1873), foi militante Pacifista e, também, anti-imperialista. Por sua defesa da Paz, ele foi aprisionado na Primeira Grande Guerra. Verberando, fortemente, a participação dos «States» na Guerra do Vietname. Com o apoio do grande Einstein ( Ulm, 14/ 03/ 1879 – Princeton, 18/ 04/ 1955 ), alertando para os perigos das armas nucleares, redigiu, em 1955, o preste Manifesto Russell-Einstein, assinado, na cidade londrina, a 09/ 07/ 1955. Três livros da sua lavra que figuram, de feito, na minha Biblioteca: «A Conquista da Felicidade», «História da Filosofia Ocidental» e, outrossim, o «Porque não sou Cristão». Respectivamente, as primeiras edições inglesas são de 01/ 01/ 1930, de 1946 e, finalmente, de 1957. Mas a Luz alfim fulgura, e se o Rei Jorge VI lhe concede, em 1949, a Ordem de Mérito, ele recebe, em 1950, o Prémio Nobel da Literatura. Não foi, portanto, causa perdida. Não tinha sido em vão o livor e o tremor. Quanto a Pitágoras, ele foi um dos maiores génios que desde sempre existiu. Coevo de Tales de Mileto ( Mileto, ca. 624 a. C. – Mileto, 546 a. C.), Confúcio ( Lu, actual Shantung, 27/ 08/ 551 a. C. – Lu, 479 a. C. ), Buda ( Lumbini, 563 a. C. – Kusinagara, 483 a. C. ) e Lao-Tze ( séc. V a. C. – 531 a. C. ), sua escola, em Crotona, criada em 522 a. C., é considerada a primeira Universidade à face da Terra. Ela era, simultaneamente, uma ordem religiosa e sociedade secreta. Sendo nela admitidos, contra o vulgo e o vulgar, os homens e as mulheres. Se em Kabbalah fonética Pitágoras é liado a Apolo Píton, ouçamos o que asserta Aristipo de Cirene ( ca. 435 a. C. – ca. 356 a. C. ): «Ele falou a verdade não menos do que a Pítia». Alembremos, «verbi gratia», que o heliocentrismo não nasceu com Copérnico, mas sim, deveras, com um conterrâneo de Pitágoras – e avocamos, invocamos, Aristarco de Samos ( 310 a. C. – 230 a. C. ). Para o Mestre, «tudo é número». Foi Pitágoras quem cunhou os termos «Matemática» e «Filosofia». Pitágoras, como Sócrates ( Atenas, 470/ 469 a. C. – Atenas, 399 a. C. ), nada escreveu. Mas os pitagóricos afirmam que «a Matemática é o alfabeto com o qual Deus escreveu o Universo». Quanto, agora, à Filosofia, o filósofo, para Pitágoras, não é o sábio, é aquele que demanda, livremente, a Sabedoria. Essa fome e essa sede de conhecimento levou o Áugure ao Egipto, onde aprendeu com os sacerdotes de Tebas e de Mênfis; para Filóstrato, o Sofista ( Lemnos, ca. 170 – Atenas, ca. 250 ), o Magíster estudou, na Índia, com os sábios Hindus. E pra além de babilónicos, foi discípulo, discente, de caldeus, cordatos, e sábios da Síria. E aprendendo, ainda, com Ferécides de Siro ( ca. 600 a. C. – ca. 550 a. C. ), da Índia ele recebe a doutrina, também órfica, da metempsicose. Segundo a mesma, o homem reencarna até à sua união, leda e leve, com a Mónada divina, sendo o corpo, como o temos, qual o túmulo da Alma. Na harmonia, por isso, das esferas, planetas e estrelas se movem de acordo com equações matemáticas, e essas equações correspondem, de facto, às notas musicais. Se foi Pitágoras quem criou a escala tonal ( dó, ré, mi, fá, sol, lá, si, dó ), a música, para o Mestre, é um meio de catarse, liberação, ou purificação. Na Geometria e na Aritmética, acrisolada com os egípcios, é notório, há mais de 20 séculos, o teorema sagrado: «Num triângulo rectângulo, o quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos». Falta ainda averbar que o Pentagrama era o símbolo da escola de Pitágoras, o pentagrama, para os Magos, é um meio de conjurar e adquirir o poder. Sendo ele, simbolicamente, a soma do 3 ( princípio masculino ) com a díade ou 2 ( princípio feminino ). Como a Estrela Flamejante, é, o pentagrama, uma das chaves, ou chamas, duma Alta Ciência. Pra aquilatar, cordato, a flama de Pitágoras, ouçamos Cícero ( Arpino, Itália, 03/ 01/ 106 a. C. – Fórmia, Itália, 07/ 12/ 43 a. C. ), na cita: «Em Roma, ninguém era considerado instruído se não fosse pitagórico.» E quanto, agora, à pedagogia, é do Mestre o comento: «Educai as crianças para que não seja necessário castigar os adultos.» Para mais informações, se compulse, de Jâmblico ( Cálcis da Celessíria, 245 – Apameia, 325 ), a «Vida de Pitágoras», que a Matemática, alfim, é mistério, Matemática é Musa da Metaciência. Seguindo a Metaciência, ou Materciência, de Einstein, ( Ulm, 14/ 03/ 1879 – Princeton, 18/ 04/ 1955 ), que não se espante o legente: «Deus não joga aos dados com o Universo».
V
A Poesia, meu Deus, é irmã da Psicanálise. Os Poetas e Filósofos anteciparam, em muito e muito, os trabalhos de Freud ( Freiberg in Mahren, 06/ 05/ 1856 – Hampstead, Londres, 23/ 09/ 1939 ). Com o Complexo de Édipo, o doutor Freud desvendou, a Psicanálise, retomando o caminho da Poética antiga. O caso e a causa é que, entre 1982 e 1985, em Lisboa, o Poeta João Belo foi psicanalisado por o Doutor Eduardo Serra. Como incentivo e esclarecimento, o psicanalista sugeriu, ao Poeta de «Narciso», que lesse e estudasse três livros, caroais, de Pierre Daco ( 1936 – 1992 ). A saber, «Os Triunfos da Psicanálise», «Os Sonhos – Como e Porquê» e «As Prodigiosas Vitórias da Psicologia Moderna». Sendo o mesmo Daco, belga deveras, um discípulo, figadal, de Carl Gustav Jung ( Kesswil, Turgóvia, Suíça, 26/ 07/ 1875 – Kusnacht, Zurique, Suíça, 06/ 06/ 1961 ) e de Charles Baudouin ( Nancy, 26/ 07/ 1893 – Genebra, 25/ 08/ 1963 ). Sendo aqui, de altear, a Psicologia Analítica ou Psicologia dos Complexos. E sendo, o mesmo Jung, o único Psiquiatra que podia ombrear com o selecto Sigmund Freud. E sendo a vida verdadeira um criptograma, curial, o inconsciente é a chave para a sua hermenêutica, e à escuta, escrutável, dos sonhos do dolente, o psicanalista é uma sorte de Crítico Literário. Para Carl Gustav Jung, deveras e na verve, o homem não é objecto-máquina, autómato, da tecnocracia, o homem é sonhador, o feitor, e o fazedor de símbolos. E com todas as veras, segundo Jung, o estudo da Alma é a ciência do futuro. E três lavras, de boa-fé, do dissidente, de feito, do Freud: a tese, de 1902, de doutoramento em Medicina, «Psicologia e patologia dos fenómenos ditos ocultos», e, de 1912, «Metamorfoses e Símbolos da Libido», que provocou, no lance, a ruptura com Freud. E «last but not least», de 1944, «O Homem à Descoberta da sua Alma». Aqui deixamos ao estudioso, e principalmente ao médico psiquiatra, esta cita de Jung: «Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana.»
VI
«Luz» ou «Luza», em Canaã ( Gn. 48: 3 ), é o nome antigo de «Betel», que significa, em hebraico, a «casa de Deus». Era, «Betel», o nome do santuário à beira da estrada de Jerusalém a Siquém, e depois da conquista de Canaã, os israelitas transferiram o nome do santuário para a cidade. Se acha «Betel» situada cerca de 15 Km ao norte de Jerusalém. Quero eu dizer: quando Jacob, no Livro do Génesis, sonha com Deus no topo de uma escada, multiplicando e abençoando toda a sua descendência, sua visão era tão magna, ou tamanha, que o sítio, sagrado, em que ele teve o sonho, foi chamado de «Betel», ou a «casa de Deus» ( Gn. 28: 16, 19 ). A talho de foice, no lance, o Grego dos LXX traduz «sonho» por «extasis». Pois seguindo e segundo o Génesis, 32: 30, Jacob, o patriarca, viu Deus face a face. Daí, ó leitor, o meu comento: «Quando um Poeta dorme, ou quando um Poeta sonha, os anjos sobem e descem por a escada de Jacob.» E, ademais, em curta apostilha, foi em Betel que Abraão construiu um altar em sua primeira viagem ao sítio de Canaã ( Gn. 12: 8; 13: 3 ), tido em conta, por os israelitas, como a terra de promissão. E era considerado, Betel, um lugar sacro, no tempo de Samuel ( 1 Sam. 7: 16; 10: 3 ). E averbemos, deveras, o nominado «bétilo». Ele denota uma pedra sagrada, a casa, dessarte, ou o templo divino. Ele sinala, ou assinala, qualquer tipo de pedra erguida que evoca a presença da divindade, a implantação, simbólica, de um lugar sagrado. A título informativo, nós versemos, com «adresse»: a «Lapis Niger» de Roma; a Pedra Negra da Kaaba, em Meca; a pedra «benben» do Templo do Sol em Heliópolis, no Egipto, e, ademais, o ônfalo grego, o «umbigo do mundo» em pítica Delfos. É que os números são os Numes. É que é extática, e ática, a ciência Matemática.
Tomar, 17/ 08/ 2024
SIC ITUR AD ASTRA
PAULO JORGE BRITO E ABREU