PAULO BRITO E ABREU
«Se a ordem é o prazer da razão,
a desordem é a delícia da imaginação.»
Paul Claudel
( «ab imo corde», à Maria da Conceição Valdez )
I, ANTELÓQUIO
Remembrai-vos, certamente, do prolóquio latino: «Magister locuta, causa finita». «O Mestre fala, por isso, e eis o fim da controvérsia.» O magíster, classicamente, é o Pai – e o patrão, dessarte, é o páter-famílias. Ou melhor: se o dom da Madre é o leite, o Padre, em Psicanálise, é porrada e a porra, é o portador da lei, ou do pau, que veta o incesto. E se o «Pater» é o pão, o «Pater» é portanto o património preste. E se os pais, decerto, são País, a pátria, de feito, é o nome do Pai. Dessarte ora a Anarquia, qual pensamento alternativo, ela é, simbolicamente, a morte do «Pater», o passamento do Padre e do Rei seu colaço. Na Santa, Santa, Santa Kabbalah, representam, os Paus, o ceptro e o Pai; re-apresentam, as Copas, o plectro, o coração e a barca dos amantes. E ao falarmos, sem falácia, de Jesús, nos alembramos, levemente, do Guerra Junqueiro: com seu poema «O Caçador Simão», foi ele o responsável, responsável moral, por o regicídio perpetrado contra D. Carlos, deveras, e eis a vis e o clamor do complexo edipiano. Como foi, outrossim, o complexo edipiano que explicou, ou explana, a Questão Coimbrã do Antero de Quental. A dissidência, também, de Carl Gustav Jung duma figura, e «persona», de Sigmund Freud – e esse Freud aproxima o Édipo ao Hamlet. Queremos dizer: homem do estudo e não do Estado, ao mundo real político contrapõe, o Lizano, o mundo real poético; ele opõe, a intuição, ao roaz da razão; à violência do sistema ele antepõe, na colação, a cura provinda do seu coração. Sabendo, então, que a companhia, ela demanda e requer a partilha do pão, nós somos, pra citar o Autor, «companheiros socialmente e únicos individualmente». E artilheiros, artistas, e franco-atiradores. Ecamaradas, alfim, na camarata dos sonhos. Pois mais do que falarmos de comunismo político, nós falamos, e alçamos, o comunismo poético, aquilo a que nomina, o Jesús, de «misticismo libertário». E à luz desse humanismo avassalador, todo o estético é insigne, e Max Stirner, dessarte, se alia a Kropotkin. Pois seguindo e segundo o luzente Lizano, «a nossa espécie tem um sem fim de numeradores distintos e em confronto, mas temos um mesmo denominador comum, somos a mesma espécie, somos companheiros, todos, com os mesmos problemas essenciais comuns e, por conseguinte, a «ajuda mútua» é a única «lei», a única «moral», a única «verdade», certamente humanas entre tanta complexidade, entre as nossas luzes e as nossas sombras.» Medular, modelar, e moldado no Amor. Na autonomia, dessarte, da moral e da harmonia. Que a Anarquia de Lizano éuma Anarquia sagrada. Segundo o Jesús, quando a nossa Ética é feraz, e forte e fértil, o homem pode alfim viver sem pressões nem coacções. Quando o companheiro é visto cordialmente, como carne da minha carne e sangue do meu sangue, toda a Humanidade e toda a Natureza são encaradas como «homo ludens», uma única verdade, uma irmandade cordial. Ou melhor: para que haja Liberdade, é mister que haja, também, fraternidade, e não haverá, no fim, fraternidade, sem a premente igualdade. A Anarquiadeverá lutar, sem quartel e sem descanso, contra a desigualdade económica. O dolente, por isso, é qual doente. Um irmão que passa fome é uma chaga purulenta em meu corpo a sangrar. Ao capital opõe Jesús o comunal, à ditadura das armas antepõe, o Lizano, uma alvorada, dessarte, o alívio das Almas. Um parêntesis, no passo, um parêntesis, porém. Aqui trazemos, à colação, António Maria Lisboa: «Politicamente a Metaciência ao pronunciar-se dirá que a verdadeira democracia só será possível quando todos os homens forem poetas. Mas a isso não chama ela democracia – mas ANARQUIA!» Temos, então: a Poesia salva o homem; superno e superior ao comunismo político, viceja e vibra, na vis, o comunismo poético. O cor, o coração, do comunitarismo. E temos, também, na luzente Lizânia: é urgente, aqui, é premente recuperar a inocência da criança. Licenciado, portanto, em Filosofia, actor teatral na sua juventa, sabia, muito bem, o Lizano libertário: na ex-centricidade, ou melhor, na apatridade do Ser, o lugar do Poeta é fora da cidade, «o meu mundo», por isso, «não é deste reino». E temos, aqui, o liberto e o livro. E o libar, na Lizânia, o livre-pensamento, «O Pensamento Selvagem» segundo Claude Lévi-Strauss.
II, ELÓQUIO
Muito havemos nós vogado, e portanto visionado. Se o colégio, dessarte, é inteligente, o ler é legar e a língua é ligar. Ou melhor: ao ser a expressão do inconsciente, o universo de Lizano, ele é, no excurso, o discurso do Outro. É manipresto, por isso, é manobra e manifesto duma alteridade, ele é, no «alter», cultura alternativa. Queremos dizer: ao ser lavrado, revolvido e revólver, apela, o seu verso, à Revolução. À inversão, por isso, de valores, como acontece nas Saturnais. O mundo de Lizano nos remembra, outrossim, o grémio agrupado, o agro e acribia duma acrobacia. Se o leitor nos tem seguido, faz o Jesús, coas palavras, o que fazem, acrobatas, com os braços e as pernas. Ou como asserta, o cantor, no poema «Carrossel»: «Ah, se todos os filósofos tivessem andado no carrossel! / Que instalem carrosséis em todos os cárceres, / nos quartéis, / nos hospitais, / nos frenopáticos / e que fujam todos / montados nos cavalinhos. / E todos os juízes ao carrossel, / vamos! vamos! Aos cavalinhos! / E nada de processos e de sentenças! / Já basta julgar os efeitos e não as causas! / Aos cavalinhos! / E que todos os funerais / se celebrem montados nos cavalinhos do carrossel. / São as novas ordenações, / são os novos preceitos: / todos ao carrossel! / A cavalgada do carrossel! / À confederação de todos os carrosséis! / Até que todos sejamos crianças…» Ora eis, aqui, o elogio, o elóquio de «Homo Ludens». Do jogo, libertário, em vez do jugo autoritário. Mas sublinhemos, aqui: referindo-se aos processos, às sentenças dos juízes, escreve, na escritura, o viridente Lizano: «Já basta julgar os efeitos e não as causas!» Ou melhor: seum homem rouba um pão, porque tem fome, o crime não deve ser a ele imputável; incriminemos, em vez disso, aquele que não partilha as vitualhas da Natura. E se um efebo se dá às drogas, e convive com marginais, o réu, realmente, não é ele, ele é, na família, a falta de comunhão, e de comunicação. Contra essa falta de «communio»,visiona, Lizano, «O Engenheiro Poético», aquele que, generoso, «constrói caminhos / e canais e portos / na alma, no mundo / da liberdade, / no mar dos sonhos.» E continua Jesús: «Viva o engenheiro / que anima a solidão, / o silêncio, / o engenheiro sonhador, / o sonhador engenheiro. / Viva o engenheiro poético, / o anti-senhor, / o desenhador / das asas do homem / voador / sobre a alegria, sobre a dor, / o engenheiro da beleza, / a verdadeira honra.» E eis o facto, o fito, e eis o feito. Cotejemos, no Fado, com Estaline: «Os Escritores são os engenheiros das almas» – e aqui alcemos, alteemos, o Riemann, Alfarabi e Rómulo de Carvalho. Queremos assertar: à guisa de Rabelais, anela, o Jesús,uma ciência, mas com flórida, florida, e com florente consciência: essa a nossa escola e esse o nosso escopo. Ratificando, rectificando e concluindo: se avorrece, o Pacifista, o sangue derramado, meu caro, caroável, e amável leitor: não matarás, nenhum ser humano, por Amor ao teu Deus, nem por Amor, outrossim, à tua bandeira. Se a pátria, por isso, de Lizano, é todo e todo o mundo, se a família, pra ele, é figadal Humanidade, eis a signa, selecta, do século XXI: a guerra contra a guerra, a guerra contra o mal, e contra a desigualdade. Seguindo e segundo a sabedoria das idades: primeiro, viver, e só depois, filosofar. Primeiro, vem a Física, e só depois a Metafísica. De nada serve, falar aqui, em Fernando Pessoa, ao pobre operário explorado e ao meu irmão que passa fome. Isso mesmo entendia a língua do Lácio: educar, para os Latinos, é como alimentar, e fazer manducar do pão da Humanidade. Ou melhor: se escrever é escreviver, e gostar édegustar, esquadrinhemos, de Lizano, a «Descoberta da Razão»: «Se não descobres outro mundo / e continuas prisioneiro / do mundo que «nos rodeia», /que nos estrutura / – à força! – / e nos prende, / que envolve a nossa liberdade, / se não fazes teu o tempo, / se não sais cada manhã / em busca da inocência, / enamorado das coisas, / se não te sentes perdido / neste falso mundo / no qual somos uma sombra, / um delírio de cegos, / se a nossa alma é um deserto, / se tudo se limita / ao afundamento das horas, / dos dias, dos minutos, / que fazemos, que respiramos, / que somos, como ver-nos / únicos e companheiros?» Ora fica, aqui, a posição, privação, e a proposição. O típico e tópico do Jesús, para mim, é o jogo, o jogral e a jocosidade, é a cultura sujeita ao princípio do prazer. Isso mesmo arrazoavam greco-latinos: a «escola», para eles, é qual recreio, recreação e tempo livre. E serão, por isso mesmo, os companheiros nosso pão. Serão as Artes libertárias, acima de tudo, as Artes liberais.
III, COLOQUIAL
Jesús Lizano, por isso mesmo, um Poeta-Filósofo. Mas um Filósofo, sobremaneira, que sabe dançar. E mais que réu ele é real. E mais do que inspirado, o inspirador. E onde quer que haja um operário explorado, e onde quer que haja uma faminta criança, e onde quer que haja uma família sem pão, é luzente, por isso, o Lizano, é premente e urgente a sua doutrina. Perante o vil e a canalha, eis a lis e eis a Luz; perante o pobre e o explorado, uma enfática, empática, compreensão. Ou melhor: o fazer como as crianças, o apertar, o ser humano, no carme e de encontro ao nosso coração. Não será, por isso, o Pã, versilibrista e artista??? Não será, por isso, o carme, o colaço do charme??? Se a Poesia, portanto, está na rua, a Arte oratória é Arte aratória, o Génio, ingenioso, é germinal e generoso – e eis o plectro e o espelho, e eis o «topos» e «quid» da especulação. O existencialismo, em Lizano, é perfeito humanismo. Ou melhor: foi dado o homem, em natal e natureza, pra se fazer em Liberdade. Se o homem nasce indivíduo pra se tornar, mais tarde, pessoa, falamos, com Jesús, da civilidade, unicidade, da pessoa humana. E só por ser única, ela é, deveras, insubstituível. Seja-nos lícito, aqui, assertar: a arqueologia do saber reflecte-se e repete-se na genealogia do poder. Por a vez e a voz dos racionalistas, na cultura ocidental, tem sido tratada, a imaginação, como a louca, dessarte, e o lixo da casa. E na golilha, ou mordaça, do poder e da política, o Poeta é metido, simbolicamente, em camisa-de-forças: essa a privação e a sua provação. Três grandes e grandiosas liberações, das quais Lizano é tributário, se fizeram pois sentir no mundo ocidental, «verbi gratia», o movimento Romântico, a Psicanálise, e, outrossim, o selecto e singelo Surrealismo. Sejamos, aqui, o dilecto e o concreto. Em «Soneto Anarquista», é lúcido o Jesús: «Que esperais, uma bomba? A metralha? / Uma «organização»? Uma trincheira? / Mudar de dominantes e pantomineiros? / / Um soneto nos meus palpites estala: / o poético aberto sem fronteiras / para nos sentirmos todos companheiros.» Voltamos a dizê-lo: companheiros alimentando-se, pacificamente, dopoético mundo do Lizano libertário; e eis, aqui mesmo, o beletrismo, o labor, e a barricada de livros. Apanágio, portanto, do homem livre: o partilhar e parturir, a Palavra do Amor, e uma grande Biblioteca. Um pouco como fazia, o Friedrich Engels, com o feitor, o Autor de «O Capital». E é força, aqui, é força dizê-lo: faz mais por a Liberdade, a fracção do nosso Pão, do que todas as bombas e todas as metralhas. À distância, dessarte, de lustros dez, o festival do Woodstock, ele foi, sem falácia, a guitarraeléctrica, a vibrar e a tocar contra a metralhadora. Falamos, e louvamos, o «Mundo Real Poético». O mundo sem mandantes, o mundo sem dinheiro, ele será, por isso mesmo,cantante e contente. A catarse, então, é catarro. Purificará, a Poesia, todos os homens e todas as mulheres – e o fará, de feito, através da Bondade, belvedere, e da Beleza e da Verdade. Ama, por isso, e faz o que quiseres, diria, no augúrio, Santo Agostinho. Por outras palavras: o falante é aflante, o Poeta é a porta. Evolução, no limiar, é causa e é motor da Revolução. O capitão, para Lizano, não será o capitão; o único capitão será, por isso, o mar. E a viagem concebida como a vida, a verdade, e o viático preste. E a vieira, aqui o verso, do «Homo Viator». O presente, o cardinal e a presença. Liberdade a caminhar de mãos dadas com o Sol, e a Solidariedade. E o símil, aqui, do simpósio. O cor dilecto, o poema feito. A mesa posta, por isso, o único altar. Não poderás, meu irmão, percorrer o Caminho, se não te tornares, tu próprio, em vieira e o Caminho.Acurando, aprimorando e acrisolando. Sempre, sempre a lumiar, e a rectificar. Nas palavras do Poeta, «Isso é assim quando formamos / um mundo / um mundo real poético… / sem donos, sem executivos, / sem amos, sem caudilhos, / sem secretários-gerais, / sem Tribunais Supremos… / sem esse sem-fim de nomes / com os quais impera o domínio. / Sim, é muito simples: / Nós os mamíferos humanos / somos companheiros, / formamos um mundo que há-de superar / essa ideia de reino.» E estamos quase, ó ledor, estamos prestes a findar. Ao lermos este livro, o nosso único líder, ele será, cardinal, o menino Imperador. À luz desse líder, se encerram todalas prisões, e se abrem, gracianos, os jardins e as escolas. Ou no cívico e civil, se encerram carniceiros, e se abrem as quimeras. E foi dum Poeta, feraz, que nós falámos. Se é da Lira, ou Lizano,a vez e a voz, citemos sem quartel, citemos João Belo: “Sou mais Eu quando Tu és a síntese de Nós”.
Que Luz, 03/ 01/ 2020
SPES MESSIS IN SEMINE
POETA, JORNALISTA, BIBLISTA E ALFARRABISTA
PAULO JORGE BRITO E ABREU