Jardins de pedras

MARIA ESTELA GUEDES
Dir. Triplov. Escritora


As pedras empilhadas. Dizem que é arte Zen e que o Homem sempre gostou de empilhar, haja em vista toda a arte megalítica e mesmo as pirâmides. Não sei se é a mesma coisa, cinjo-me ao que fotografei, muito menos grandioso nas dimensões, se bem que o espírito que subjaz à elevação destas pequenas esculturas possa ser idêntico ao que originou os monumentos erigidos aos deuses no mais remoto passado.

Uma diferença existe que não podemos deixar de lado, a assimilar esta arte à nossa modernidade e muito em particular às vanguardas mais contestatárias: a efemeridade. Não é um ventinho nem a preia-mar que derrubam a pirâmide de Gizé, se bem que o templo Philae tenha sido retirado do Nilo para lugar seco, pedra a pedra, para evitar o risco de se afundar. Porém estas esculturas de pedras e pedrinhas empilhadas só duram enquanto outro caminhante não interferir, enquanto o vento não for forte, enquanto a maré não subir. Arte efémera, que dura uns meses, para dela sobrar depois apenas o registo fotográfico.

Alguns conjuntos não obedecem à norma do empilhamento: as pedras distribuem-se como fogão à volta do qual se reúne a família para jantar, significado vindo sobretudo do aspeto queimado das pedras. Outras bronzeiam ao sol como pessoas deitadas, outras isolam-se como menires ou obeliscos nas áreas planas. Há ainda as que se dispõem sobre as rochas grandes com canas à volta, no que parece uma oferenda às ninfas e a Poseídon. A mistura é grande e acredito que em boa parte se deva à interferência estranha, pessoas a quem agrada a arte e se associam a ela espontaneamente, sem lhe conhecerem origem nem motivações.

Arte propiciadora de meditação, por isso repousante. Numa das praias onde fotografei, aquela aliás em que interferi com construção minha, o espaço todo pertence a um único artista, que só frequenta de noite o seu “estúdio”. “Jardim de pedras” será então o melhor nome para designar o conjunto das esculturas.

Não considero aqui o facto de poder esta arte não ser reconhecida no meio artístico. Arte amadora, decerto sem pretensões estéticas, muito distante assim dos belos conjuntos escultóricos de land art assinados por Alberto Carneiro, por exemplo.

Em Setembro começam as marés a subir e o vento forte a soprar. Como candles in the wind, estas orações em pedra serão levadas pela água. Para o ano, entretanto, a arte de empilhar pedras à beira-mar recomeçará.

E eu estarei por perto para fotografar.

 

 


Fotos tiradas  entre a praia do Homem do Leme e a do Castelo do Queijo (Porto, Portugal),
Horas de maior insolação. Agosto de 2018.