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Durante muitos séculos, a leitura teológica foi praticamente a única. Até cerca de meados do séc. XIII, não se distinguia entre exegese e teologia. As duas formavam uma só disciplina. Com efeito, a teologia baseava-se no texto bíblico, do qual partia e ao qual se referia constantemente. O estudo da Sagrada Escritura era a matriz, o berço e o horizonte do ensino da teologia cristã. A Bíblia dominava e modelava a teologia. Numa palavra, na prática, só existia teologia bíblica. A separação da teologia em relação à exegese deu-se no decurso do séc. XIII. Institucionalizou-se a partir de cerca de meados desse século, em grande parte, graças aos programas de teologia das universidades recém-fundadas, sobretudo Oxford e Paris. Com efeito, os ditos programas comportavam, paralelamente ao estudo directo da Bíblia, o estudo das Sentenças, uma colectânea de questões teológicas que o comentário bíblico suscitara (1). Encarregando-se o mesmo Mestre da explicação da Bíblia e das Sentenças, a exegese e a teologia continuavam de certa maneira unidas na pessoa que as professava. No entanto, com o tempo, a Escolástica privilegiou a teologia a expensas da exegese. Com o Renascimento assiste-se ao despertar do interesse pelo próprio texto bíblico. Os exegetas cristãos ocidentais já não se contentam com o texto latino da Vulgata, mas remontam ao texto grego e, no caso do AT, aos textos hebraico e aramaico. Compulsando várias versões, os exegetas apercebem-se das diferenças que existem entre elas. Ei-los a braços com a questão de saber qual é o melhor texto. A possibilidade de reproduzir indefinidamente o texto graças à invenção da imprensa tornou a resposta a esta questão particularmente urgente. Foi necessário então colacionar o maior número possível de manuscritos de cada versão. Assim nasceu a crítica textual bíblica, pelo menos sob a sua forma moderna. De facto, Orígenes já a tinha praticado entre 230-245, ao compilar as Hexapla, obra que dispunha cinco versões do AT em seis colunas: 1) texto hebraico; 2) texto hebraico em caracteres gregos; 3) tradução de Áquila; 4) tradução de Símaco; 5) LXX; 6) tradução de Teodocião. O resultado mais palpável da crítica textual dos Humanistas foram justamente obras semelhantes às Hexapla de Orígenes, isto é, as chamadas Bíblias Poliglotas. Como as Hexapla, essas Bíblias dispõem em colunas os textos nas línguas originais e nas traduções antigas. As principais Bíblias Poliglotas que abarcam o Antigo e o Novo Testamento são a de Alcalá ou Complutense (1514-1517), a de Antuérpia (1568-1572), a de Paris (1628-1645) e a de Londres (1653-1657). O Renascimento produziu também um grande número de comentários onde a crítica textual e a filologia ocupam um bom lugar ao lado da teologia. Note-se de passagem que houve vários exegetas portugueses que se ilustraram no campo dos comentários, por exemplo, o dominicano Francisco Foreiro (2). A Reforma, com o princípio luterano do sola Scriptura, representa uma revalorização da Bíblia e da sua primazia na teologia. Durante séculos o estudo da Bíblia, pelo menos o seu estudo inovador, vai ser sobretudo obra do protestantismo. É no seio do protestantismo germânico que vai nascer no decurso do séc. XVIII a teologia bíblica como disciplina autónoma. |
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(1) G. D ahan, L’exégèse chrétienne de la Bible en Occident médiéval. XII e-XIV e siècle (Patrimoines. Christianisme), Paris, Les Éditions du Cerf, 1999, pp. 75-120. (2) J. Nunes C arreira, Filologia e crítica de Isaías no comentário de Francisco Foreiro (1522?-1581). Subsídios para a história da exegese quinhentista, Coimbra, 1974. |
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