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O pluralismo metodológico que reina actualmente nos estudos bíblicos faz parte do fenómeno mais vasto de fragmentação ou de pluralização do mundo ocidental, nomeadamente dos seus saberes. No caso concreto dos estudos bíblicos, a proliferação de novos métodos veio também ao encontro de um certo descontentamento em relação à exegese histórico-crítica, pelo menos tal como era praticada. A principal razão do descontentamento era o fosso que existe entre a exegese histórico-crítica e os requisitos da vida cristã. Talvez por terem uma longa prática desse tipo de exegese, os exegetas das Igrejas Reformadas foram em geral os primeiros a expressar insatisfação. No caso do mundo católico, a adopção de novos métodos exegéticos foi facilitada pela liberalização geral inaugurada pelo Concílio Vaticano II. Tendo o seu programa específico, cada método, abordagem ou leitura da Bíblia deve chegar a conclusões que lhe são próprias, implicando o pluralismo metodológico pluralismo nos resultados obtidos. A coexistência dos novos métodos, concretamente dos métodos de natureza literária, com a exegese histórico-crítica, não tem sido sempre pacífica. Não raro os exegetas têm tendência para absolutizar o método que praticam, ilegitimando os demais. Ora, tendo cada método o seu objectivo próprio, particular e limitado, nenhum deles pode esgotar o sentido da Bíblia. Pela mesma razão, nenhum deles pode arrogar-se o estatuto de “o método” exegético, com exclusão dos demais. A PCB, no documento intitulado “A interpretação da Bíblia na Igreja”, reconhece a primazia da exegese histórico-crítica. É a única que considera indispensável, por ser a única que tem como objecto o estudo científico do sentido original dos textos antigos, categoria a que os textos bíblicos pertencem (1). De facto, a exegese histórico-crítica continua largamente predominante. Além disso, os seus resultados são amiúde pressupostos pelos praticantes de outros métodos. As grandes mudanças que se deram no estudo do AT durante as últimas quatro décadas devem-se à exegese histórico-crítica. É claro que o estudo da Bíblia, sobretudo como texto religioso fundante, não pode ser a tarefa da exegese histórico-crítica apenas. Relativamente à exegese do AT, houve uma reviravolta no estudo do Pentateuco. Foi obra da exegese histórico-crítica. A hipótese documentária que servira de chave de leitura do Pentateuco durante umas três ou quatro décadas foi desacreditada e, geralmente, abandonada. Uma das consequências desse facto foi o “rejuvenescimento” dos textos do Pentateuco e, por isso, o seu descrédito como documentos históricos sobre os acontecimentos a que se referem explicitamente. Por isso são hoje raros os autores que ainda ousam servir-se dos relatos do Pentateuco para reconstituir a história das origens de Israel e de Judá. Por exclusão de partes, os oráculos dos “profetas” do séc. VIII a. C. são tidos como os textos bíblicos mais antigos que podem datar-se com uma certeza razoável e os primeiros testemunhos das tradições sobre as origens de Israel. A grande mudança no estudo dos livros proféticos consistiu, de facto, na correcção do que fora a grande falta na aplicação dos métodos histórico-críticos a esses livros. Libertando-se do preconceito romântico que valorizava exclusivamente as ipsissima verba dos titulares ou dos iniciadores dos livros proféticos, os exegetas puseram-se a estudar com igual rigor as partes secundárias, mediante a história da redacção. Talvez sob a influência dos métodos sincrónicos, fixaram-se como horizonte não as pequenas unidades literárias, mas a totalidade de cada um dos livros ou até um conjunto de livros. O estudo teológico do AT não escapou ao pluralismo que reina nos estudos bíblicos em geral. Há quem não reconheça a existência da teologia do AT como disciplina académica. A esmagadora maioria reconhece-a. De facto, as obras com o título “Teologia do Antigo Testamento” ou parecido sucedem-se a um bom ritmo. No entanto, essas obras estão longe de ser unânimes relativamente ao objecto da teologia do AT e ao método a adoptar. A grande maioria dos autores continua a basear-se nos métodos histórico-críticos, mas diverge quanto ao objecto da teologia do AT. Para uns tratar-se-ia de sistematizar os temas do AT à volta de um centro. Para outros, essa sistematização é inadequada e impossível, limitando-se por isso a descrever os principais temas do AT. Não falta quem, rompendo com os métodos histórico-críticos, baseie o estudo teológico do AT noutros métodos, nomeadamente na análise retórica e na abordagem canónica. Por fim, a ideia de que há no AT uma pluralidade de teologias irredutíveis umas às outras não cessa de ganhar terreno. Francolino J. Gonçalves |
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(1) Cf também Paul J oyce, «First Among Equals? The Historical-Critical Approach in the Marketplace of Methods», em S.E. P orter, P. J oyce e D. E. O rton (eds), Crossing the Boundaries. Essays in Biblical Interpretation in Honour of Michael D. Goulder (Biblical Interpretation Series 8), Leiden - New York -Köln, E.J. Brill, 1994, pp. 17-27. | ||||||||||
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