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Neste termo inicialmente proposto, tomado em toda a sua ambiguidade, poder-se-ia falar predominantemente de comportamentos, do que é que as pessoas fazem ou não fazem, uma forma de abordagem tão em voga. Está até consagrada a expressão “fazer amor”.
Escolher-se-á, no entanto, um olhar que procure penetrar a sexualidade que se é, que se vive ou não se vive, sem ficar preso no que se faz ou não se faz objectivamente, tentando ver o que se faz (enquanto parados) silenciosamente dentro de nós, sem que nos demos conta disso. Porque o que se faz com o outro ou ao outro, não passa só pelo comportamento visível objectivo ou físico. E também o que o outro nos faz a nós ou faz connosco, não passa só pelo que se vê ou pode ver com os nossos sentidos. Neste âmbito do contacto emocional entre dois seres humanos (e alargo já o nosso campo de análise) há muito de invisível que passa de cá para lá e de lá para cá. O ruído ensurdecedor que o visível e o pretensamente objectivo produz, cega-nos e ensurdece-nos para “o essencial (que) é invisível para os olhos.” Nestes objectos invisíveis, que são a matéria da troca, estão incluídos pacotes altamente condensados de afectos de todo o tipo, a necessitar de descodificação urgente. Neles estão contidas as formas múltiplas de influenciarmos ou sermos, ás vezes sem darmos conta, influenciados, manipularmos ou sermos manipulados, destruirmos o que de bom existe em nós e no outro, ou deixarmo-nos destruir, estimularmos o crescimento do outro ou deixarmo-nos crescer com ele, insensivelmente, sem darmos conta. (Tantas vezes pedaços de uma vida, ou toda uma vida, são vividos sob estas influências que não sabemos perceber).Portanto, repito, nestes objectos invisíveis, que são a matéria da troca e da influência, estão incluídos pacotes altamente condensados de afectos de todo o tipo, a necessitar de descodificação urgente. O outro é procurado para me “ler”, me revelar a mim próprio(a), para me descodificar para me reflectir uma imagem de mim mesmo(a), para, em última análise, me dizer quem eu sou. Existe, ao mesmo tempo, uma tendência para fugir do contacto emocional com o outro e consigo mesmo (neutralizando os efeitos emocionais desse contacto). Este movimento de fuga ou de ruptura tem resultados diferentes da ruptura resultante da necessidade de estar só para poder continuar ligado, mais tarde, porque, enquanto sós, continuamos a reconhecer (e a sofrer) a nossa necessidade do outro. Só que esta diferença não se discerne facilmente. Muitas vezes, rompe-se sem saber se se está cavando o caminho da desolação pela recusa completa do outro ou se se está abrindo um caminho novo com esse movimento de ruptura. No exercício da sexualidade, ou no ser sexuado(a), prepassa este ir ou não ir ao encontro, primordial . Pode estar-se indo ao encontro, possibilitando um caminho para a comunicação, ou nesse mesmo contacto, fugindo ao encontro, por todos os caminhos que, para o efeito, temos disponíveis. Assim, acontece que pode estar-se aparentemente mais longe, mas descobrindo/construindo esse caminho, e, por outro lado, parecer que se está tão perto, na relação mais próxima, mais íntima e, de facto, estar ocluindo ou sabotando, impedindo esta comunicação primeira, em que se possa estar mais ou menos inteiro, que é o anelo de todos, enquanto não desistimos, enquanto ainda não desesperámos. Relação que é também o alvo de todas as fugas, os cinismos, os desvios que o nosso desespero gera, que os mais desesperados geram. Em textos da antiguidade clássica, é contemplada já uma relação como “o primeiro amado, em virtude do qual amamos tudo o resto” ( Jaeger, 2001) e eu diria em virtude do qual, se o repudiamos, podemos repudiar tudo o resto, deixar de amar, desistir de amar. Esta relação primordial evocará sempre a relação que, como filhos, tivemos com a nossa mãe, com os nossos pais. Que é a base, a matéria donde, quer queiramos ou não, se parte sempre para todos os nossos amores, incluindo o amor de Deus, para quem o conheça ou reconheça. O primeiro amado (que pode aproximar-se do conceito de seio da Psicanálise) é-nos dado, sem que no início possamos determinar muito. Mas, mesmo antes de podermos fazer objectivamente coisas, no interior do mais frágil ser, há sempre escolhas que se estão fazendo (aderir - não aderir, ouvir - não ouvir, olhar - não olhar - pensem numa pessoa totalmente imobilizada, privada da palavra, sem grande capacidade de se determinar, como é a criança muito pequena ) .Mesmo aí segundo alguns, a partir daí, se começa a fazer esta escolha: comunico (com este primeiro amor) ou não comunico. Portanto, tratar-se-ia de uma relação sofrida na passividade e também na possibilidade de algumas (primeiras) decisões: o que fazer com o que se sofre e com o que se vive? Como forma de aproximar os leitores do conteúdo deste texto, proponho que tenham como pano de fundo do que vou escrevendo o filme “Lágrimas e suspiros” de Ingmar Bergman. A relação que humaniza Para além de ter um corpo, o calor de um abraço, os sinais físicos de um corpo que sustente e seja casa quando estamos cansados, tristes ou com medo, o outro procura-se para que, ao contactar fisicamente connosco, ao tocar o nosso corpo, ao olhar-nos, nos toque e nos envolva interiormente, permitindo-nos partilhar os fardos que nos oprimem, aligeirar o seu peso, ter uma outro imagem da sua dimensão e encontrar –lhes um significado. E procura-se, na esperança de poder comungar profundamente com ele, alimentando a confiança na possibilidade de podermos sair do nosso pobre reduto solitário. O que é portanto, ser tocado pelo outro? Que imensidão de dimensões podem estar presentes, ou não estar, quando encontramos ou nos encontramos com outra pessoa? Propositadamente coloco o encontro como encontro de duas pessoas, quem quer que elas sejam. O que está em jogo no encontro entre dois, é, quando se trata da nossa abertura profunda a alguém (o tal primeiro amado) sempre da mesma natureza. Procurar o contacto ou manter-se disponível para ele (o outro, Deus, a realidade) apesar de....(adiante direi de quê) ou rejeitar o contacto, fugir ao contacto por causa de... É, no entanto, o deixar-se tocar ou “ferir” pelo outro, o poder suportar esse “rasgar de peito” que nos eleva acima do “número”, aquilo que nos torna humanos (1). |
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>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>O problema do sofrimento e da morte |
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