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II. A Revolução Francesa e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão |
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1. Elemento comum à revolução francesa e à revolução americana: crescimento da burguesia como classe social. Alteração da concepção do mundo, nomeadamente, dos agentes de mudança histórica (já não o clero e a nobreza…). Mas, sobretudo, a revolução francesa é o desmoronamento de um mundo ocidental que se compreendia ainda como Cristandade, isto é de um mundo organizado, legitimado e compreendido a partir da autoridade divina e dos seus representantes… Diz Pierre Vallin: A originalidade da revolução francesa foi compreendida habitualmente a partir do papel que foi dado à Declaração dos direitos do homem. Por um lado, parecia ser dela que decorria a justificação teórica das medidas que atribuíam à vida eclesiástica uma constituição decretada pela autoridade civil. Nesta lógica, os direitos do homem opõem-se aos direitos de Deus. (…) A Declaração dos direitos do homem manifesta mais claramente a pretensão dos soberanos a dominar a vida religiosa e a própria Igreja. Mas, de um outro ponto de vista, já não se trata de acentuação, mas de inovação. Através da declaração, os revolucionários teriam dado ao direito natural um fundamento inédito: já não só se trata apenas de uma função crítica face aos regimes e sociedades já existentes, mas de uma função de fundamento actual plena da ordem social. Eles postularam, na teoria e na prática, que era possível passar de uma forma adequada de princípios universais, claramente compreensíveis para a razão, para a determinação actual do conjunto de leis e instituições de uma população particular. O conjunto deste projecto e destas concretizações deve ser considerado como uma negação inédita do enraizamento de toda a sociedade humana numa condução providencial da história, condução misteriosa, na qual o homem não pode recorrer adequadamente às leis de tipo racional. (1) 2. Influência das filosofias de John Locke , Voltaire e de Rousseau : 2.1. Locke (1632-1704) : Epístola sobre a tolerância – um sólido monumento à liberdade de consciência, nomeadamente, em matéria de liberdade religiosa. A liberdade de consciência implica um limite radical imposto ao poder: este não tem de se ocupar da vida espiritual, mas apenas que a proteger, garantindo-lhe possibilidade de se manifestar no respeito pelas regras do jogo do estado de direito. 2.2. Voltaire (1694-1778) : Deus pôs os homens e os animais no mundo e eles devem pensar em conduzir-se o melhor possível ( Traité de Mét., 9 ). O homem é um ser essencialmente sociável. Ideia de progresso: o progresso da história consiste no êxito progressivo das tentativas da razão humana para se libertar de preconceitos e para se erigir em guia da vida social do homem. Portanto, a história é a história do iluminismo, do esclarecimento progressivo que o homem faz de si mesmo, da progressiva descoberta do princípio racional que o rege. 2.3. Rousseau (1712-1778) : entende o progresso como um regresso às origens, ao estado originário (natural). O Contrato Social é uma apologia do reconhecimento das condições pelas quais a comunidade pode volver á natureza, a uma norma de justiça fundamental. Nela, o indivíduo obedece não a uma vontade estranha, mas a uma vontade geral que ele reconhece como sendo-lhe própria, portanto, em última análise, é a si mesmo que o indivíduo obedece. Portanto é necessário encontrar uma forma de associação que defenda e proteja com toda a força comum a pessoa e os bens de cada associado e pela qual cada um, unindo-se com todos, não obedeça senão a si próprio e permaneça tão livre como antes (cf. Contrato Social, I, 6). Cláusula fundamental – alienação total dos direitos de cada associado a favor de toda a comunidade. Em troca da sua pessoa privada, cada contraente recebe a nova qualidade de membro ou parte indivisível do todo, nascendo, assim, um corpo moral e colectivo. Trata-se da passagem do direito natural para o direito civil, um aperfeiçoamento do estado natural. A vontade própria do corpo social ou soberano é a vontade geral, a vontade que tende sempre ao bem geral, da qual emanam as leis. Portanto, a comunidade política só pode assegurar ao indivíduo a liberdade de um instinto disciplinado e moralizado da razão, o que acontece mediante a coincidência da vontade particular com a vontade geral. 3. A revolução francesa, e a sua Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão compreendem-se neste contexto filosófico. Veremos em seguida se é realista “embandeirar em arco” com esta Declaração de 1789, dizendo, por exemplo, como Jean Touchard, que ela se dirige solenemente a todos os homens , que é uma grande manifestação de universalismo, triunfo do direito natural (2). 4. Mas, passemos à leitura guiada do texto. Princípios fundamentais do texto da DDH (1789): 4.1. Prólogo : - Reconhecimento de que o desrespeito pelos direitos do homem são as únicas causas de desgraça e corrupção pública e dos governos. - Afirmação do carácter “natural, inalienável e sagrado” dos direitos humanos. O Art.º 2 afirma que os direitos “naturais e imprescriptíveis do homem” são a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão. - Afirmação de que o fim último das reclamações dos cidadãos é a defesa da Constituição e a felicidade de todos. - Deísmo: a DDH é colocada “sob os auspícios do Ser supremo”. 4.2. Princípio da igualdade : Art.º 1 – todos nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só se compreendem à luz da utilidade comum. Art.º 6 – reconhecimento da igualdade de todos perante a lei, pelo que todos têm igual acesso a todas as dignidades, lugares e empregos públicos, segundo a sua capacidade. Art.º 13 – igualdade fiscal (devem todos contribuir), segundo as suas posses. 4.3. Princípio da liberdade : Art.º 4 – definição negativa: consiste em fazer tudo o que não seja prejudicial ao outro (a minha liberdade termina onde começa a do outro). - os limites à liberdade são determinado por lei Art.º 10 – liberdade de consciência – ninguém pode ser inquietado pelas suas opiniões, mesmo religiosas – mas liberdade com condições – desde que a sua manifestação não perturbe a ordem estabelecida por lei . Art.º 11 – liberdade de opinião, de falar, escrever, imprimir livremente, condicionada pela necessidade de responder pelo abuso dessa lei nos casos determinados por lei . Art.º 17 – associação da liberdade ao direito “inviolável e sagrado” à propriedade (da qual se pode ser alienado em caso de necessidade pública, desde que legalmente confirmada e na condição de uma indemnização justa e prévia). 4.4. Princípio da soberania nacional: Art.º 3 – reside na Nação. Só dela pode emanar a autoridade de qualquer corpo ou indivíduo. 4.5. Princípio da soberania da lei : Art.º 6 – a lei é a expressão da vontade geral. - todos os cidadãos podem contribuir pessoalmente, ou através dos seus representantes, para a sua formação. - deve ser a mesma para todos. Art.º 5 – o seu objectivo é proibir as acções nocivas à sociedade (o que ela não proíbe, não pode ser impedido, e aquilo a que ela não obriga, não pode ser ordenado). 4.6. Direitos dos cidadãos face à lei: Art.º 7 – ninguém pode ser acusado, preso ou detido fora dos casos determinados por lei e segundo as formas que ela prescreve. Art.º 9 – todo o homem é presumido inocente até ser declarado culpado (cf. outros pormenores relativamente ao comportamento da autoridade diante do preso). |
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Notas | ||
(1) Pierre Vallin, Les chrétiens et leur histoire, Paris, 1985, p. 275-276. |
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