O.CADERNOS DO ISTA, 5






O Elogio das Virtudes (1)
Isabel Renaud




Aparentemente o discurso sobre as virtudes tem algo ou de catequético, ou de académico ou de moralizador. A catequese tem os seus especialistas e o seu público alvo, a lição académica tem o seu quadro nas escolas superiores e universitárias, o discurso moralizador tem a sua conotação habitual: aborrecido. O resultado é que no âmbito desta conferência para a qual tive a honra de ser convidada estou perante a necessidade de fazer outra coisa.

O que é que se apresenta como possibilidade? Acontece que o conceito de «elogio» já foi quase monopolizado neste campo pela notoriedade do Elogio da loucura de Erasmus. A este elogio, um ilustre moralista de Lovaina, Jacques Leclercq, falecido no princípio dos anos 60, acrescentou o «Elogio da preguiça». A loucura..., a preguiça..., estamos em boa companhia; ainda resta saber se o leque das virtudes tem uma flexibilidade tal que se possa estender até à loucura e à preguiça! Para não entrar em tal ousadia, conclui que era efectivamente útil penetrar no campo das virtudes por um pórtico diferente, e mesmo por um pórtico com três portas sucessivas : em primeiro lugar, iremos começar pela redução do plural ao singular, passando das virtudes para a virtude. Em segundo lugar, deslocaremos a nossa atenção para a problemática dos pressupostos; em terceiro lugar, estes pressupostos serão relacionados com um questionamento novo, a vida e as ciências da vida. A interrogação principal será portanto a seguinte: a que tipo de virtude ou de virtudes pode dar origem a consciência ética confrontada com os problemas da vida biológica? No sentido estrito, a nossa problemática concentrar-se-á na relação entre virtude e vida, entre virtude e bioética. Este exemplo terá na conclusão que ser alargado à problemática das virtudes entendidas no plural.

A especificação do nosso problema tem a sua justificação possível para quem parte da definição clássica da virtude. Se a virtude é um hábito orientado para o bem do agir, se o hábito é uma disposição estável, como se se tratasse de uma segunda natureza, surge a questão seguinte : qual será a relação entre a natureza entendida no sentido biológico e a natureza entendida como segunda natureza, como natureza ética?

É sobre o impacto dos problemas das ciências e tecnologias aplicadas ao corpo humano que surgem hoje alguns dos principais problemas dirigidos à ética. É compreensível portanto que uma investigação sobre as virtudes se debruce sobre o impacto que elas sentem e sofrem na presença deste confronto.

Além disso, uma questão que emerge dos debates dos científicos, e isso de modo cada vez mais insistente, é a possibilidade de discernir na natureza biológica do homem um fundamento da moral e das virtudes. A expressão de «biologia das paixões» já se tornou quase clássica. E não será que em vez de falar da virtude como «segunda natureza» se passará rapidamente para a proposta exactamente simétrica da «natureza biológica» das virtudes, isto é, para a análise genética das virtudes ? Teríamos o gene da temperância, o gene da coragem, o gene da fidelidade, tal como o gene dos vícios.

Pareceu-nos então mais urgente, na nossa reflexão, abordar a questão da relação entre virtude e natureza. Analisando deste modo a relação entre a ética da vida e os seus pressupostos naturalistas, disporemos dos alicerces adequados para a clarificação das relações entre a natureza biológica e a segunda natureza inerente à virtude. O horizonte mais longínquo da nossa preocupação é a liberdade face à vivência das virtudes.

.









ISTA
CONVENTO E CENTRO CULTURAL DOMINICANO
R. JOÃO DE FREITAS BRANCO, 12 - 1500-359 LISBOA
CONTACTO: jam@triplov.com