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O Público, Lisboa, 04 de Janeiro de 2004 | ||
Como dizia K. Barth, a teologia não pode encontrar o seu descanso em questões já solucionadas, em resultados seguros ou a viver de juros de um capital acumulado. Tem de estar sempre no princípio. Deus é um acontecer de cada instante na complexidade da história humana. Os primeiros documentos do cristianismo testemunham um pluralismo de situações e de caminhos que nunca se deram bem com as posteriores tentativas de redução ao império da uniformidade. Uma das marcas da situação actual é, precisamente, a do pluralismo cultural, religioso e político, embora a tentação presente seja a do fundamentalismo que pode chegar à violência terrorista. A teologia em Portugal, ainda mal estudada, teve momentos de glória, mas acabou por desaparecer da universidade. E se teve quase sempre figuras e instituições que não deixaram apagar o lume da reflexão cristã, só voltou a contar com uma Faculdade de Teologia, em 1968, com as suas revistas e edições regulares, destacando-se, em 2003, a publicação de "Religiões. Identidade e Violência" (1). 2. De facto, no ano de todas depressões - embora no campo cultural tenha sido algo diferente - a teologia não esteve, de modo nenhum, em recessão, a começar pela teologia feminista. Embora existissem, entre nós, algumas mulheres com prática teológica, Teresa Toldy destacou-se como o grande nome da teologia feminista em Portugal. Entretanto, 2003 trouxe novidades. Laura Ferreira dos Santos revelou-se num impressionante "Diário de uma Mulher Católica a Caminho da Descrença -1 (2). É um percurso que merece atenção, pelo seu alcance intrínseco e pelo alerta que lança aos cristãos. Maria Julieta Mendes Dias, com o título "A Mulher na Igreja", estuda, com muita argúcia, a significação das mulheres nos textos do Novo Testamento e o alcance do seu papel decisivo na configuração das diversas comunidades cristãs dos começos da Igreja (3). Maria Joaquina Nobre Júlio, tendo em conta a situação social e cultural, aborda a atitude revolucionária de Jesus para com as mulheres nas quatro narrativas evangélicas (4) . Bem disse France Quéré: "Cristo teve muitos inimigos; não teve inimigas." De um alcance mais abrangente e original é a obra colectiva "Dizer Deus - Imagens e Linguagens". Os textos da fé na leitura das mulheres (5). Aqui, elas não deixam os seus direitos em mãos alheias. De um homem e traduzida por mulheres e homens, foi publicado um livro atrevido sobre quatro modos de a Igreja olhar a mulher ao longo do tempo (6). 3. Com uma belíssima capa do escultor José Rodrigues, a Fundação Eng. António de Almeida reuniu, em 2003, um conjunto de grandes estudos de Anselmo Borges, professor de Filosofia na Universidade de Coimbra. O livro, "Corpo e Transcendência", provocou um colóquio realizado na Árvore, com intervenções notáveis do autor e dos professores João Maria André e José Manuel Pureza. Tomás de Aquino dizia que o teólogo tinha de saber muito em vários campos do conhecimento. Anselmo Borges, sem nenhum sincretismo, vive, desde há muitos anos, no cruzamento das ciências humanas, da filosofia e da teologia. O resultado são obras que respiram uma excepcional profundidade numa grande largueza de horizontes. A pós-modernidade pode ter um sentido mais ou menos difuso e um sentido muito preciso, conceptualmente trabalhado. Fala-se de pós-modernidade na literatura, na música, na pintura, na arquitectura, para dizer a marca sem marca do nosso tempo, a pluralidade e a liberdade. João Manuel Duque, professor da Faculdade de Teologia e da Escola das Artes, assume, com grande talento, a tarefa e a responsabilidade de "Dizer Deus na Pós-modernidade" (7). É um trabalho de rara qualidade, criando, pelo seu exemplo, novas exigências à prática teológica em Portugal. Uma outra novidade que importa destacar, pelo seu valor e oportunidade, é a "Revista Portuguesa de Ciência das Religiões" (8). Começou com muita qualidade, no ano de 2002. Este notável empreendimento consolidou-se e alargou a sua temática em todas as direcções, em 2003. Parabéns à equipa, de homens e mulheres, que o realiza com tanta imaginação. Os cristãos não podem cavalgar o tempo em nome de uma sabedoria eterna. A eterna sabedoria de Deus entrou, por Jesus Cristo, na nossa história. A teologia não é a resposta ao puro acontecer. É um esforço de lucidez acerca do passado e acerca do presente para acolher, na leitura dos sinais dos tempos, a permanente surpresa de Deus. |
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(1) Faculdade de Teologia, UCP e Alcalá, 2003. (2) Angelus Novus, 2003, pp. 99-100. (3) "Cadernos de Ciência das Religiões", nº 13, Centro de Estudos em Teologia/Ciência das Religiões, ULHT, Lisboa, 2003. (4) "Jesus e as Mulheres dos Evangelhos", Multinova, Lisboa, 2003. (5) Coordenação de Manuela Silva, Gótica, Lisboa, 2003. (6) Guy Bechtel, "As Quatro Mulheres de Deus. A Puta, a Bruxa, a Santa & a Imbecil, Multinova", Lisboa, 2003. (7) Faculdade de Teologia, UCP e Alcalá, 2003. (8) Centro de Estudos em Teologia/Ciência das Religiões, ULHT. |
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