DAS VANTAGENS DE NÃO SER PRECIOSO:
ASPECTOS DA EXPLORAÇÃO E USO DO COBRE EM PORTUGAL (1789-1889)


Sobre o ferro negro de uma bigorna luziam os dobrões de oiro velho que iam ser fundidos, e em volta os operários, chegados por essa manhã regelante à oficina da Casa da Moeda, olhavam-nos indiferentes, num hábito, sem os sobressaltos que o oiro excita (...) esgarçava-se em frente a bocarra rubra da forja, imóvel e ansiosa, como uma goela cor de chaga, deixando a passagem rasgada ao cadinho já atulhado e cingido pela tenaz rija. Logo se moveram esfarpadas e palpitantes as línguas de fogo para irem lamber pressurosas o vaso cónico onde estava o oiro (...) e dentro em pouco aquelas moedas, como num inferno, egualitavam-se, deixavam a rijeza, amolentavam-se, perdiam as efígies e eram uma pasta a que o lume se misturava revolto e vermelho.

Se todo o ódio humano era aquilo – esse oiro – agora feito uma escorrência loira e grossa, pesada, quente e forte que os operários moviam ao pegarem com as tenazes nos cadinhos, para os vasarem nas rilheiras de ferro enfileiradas defronte das bigornas. E faziam aquilo sem respeito, como coveiros tomando o corpo diluído de um soberano, matéria desfeita, sem o cunho que lhe dera prestígio.»
Anónimo
Como se faz o dinheiro. “Ilustração Portuguesa”, 4 de Março de 1907


Cobre na amoedação em Portugal –
o exemplo da Casa da Moeda de Lisboa*
 

A utilização do cobre na amoedação em Portugal remonta a épocas pelo menos tão recuadas quanto a própria fundação da nacionalidade. Segundo Teixeira de Aragão, referência fundamental para o estudo e história das moedas da monarquia portuguesa, já existiam no reinado de D. Afonso I moedas de oiro e de bilhão (Aragão, 1874, p.142) - o bilhão (ou bolhão) era o nome dado à liga de cobre e prata, quando esta última participava em percentagem igual ou inferior a 41,7 (Reis, 1946, p.251). É referido também, que o peso e a liga da moeda de bilhão sempre fora inconstante, e servia de recurso financeiro para acudir às despesas extraordinárias do Estado. A moeda de bilhão pesava-se por marcos, sem  preocupação de rigor (Aragão, 1874, p.220).

Foi com D. João I (1385 – 1433) que surgiu o ceitil, considerada a primeira moeda de cobre da monarquia (Aragão, 1874, p.214). Durante a 3.ª dinastia só se lavraram moedas de ouro e de prata, mas com D. João IV (1640 –1656) voltou a aparecer a moeda de cobre, o real e meio, em território continental.[1]

Desde o reinado de D. João IV até ao de D. Luís, as moedas de ouro e de prata continham 91,7% do metal precioso correspondente (Reis, 1946, p.249); o resto era normalmente cobre (no caso das moedas de ouro, podia ser uma mistura de cobre e prata). O cobre entrava nesta amoedação para fazer o metal precioso «baixar de lei», isto é, para o ouro descer de quilates (24 quilates correspondia ao ouro puro), e a prata de dinheiros (o máximo eram doze). Era  neste contexto, um metal baixo.

Mas o cobre também era em si objecto de amoedação própria, conforme atestam os variados exemplos que ao longo da monarquia foram sendo produzidos, e o que vamos procurar indagar de seguida, é a forma de tratamento que para este metal se reservou no ciclo da laboração da Casa da Moeda de Lisboa, sem dúvida o estabelecimento mais representativo desta prática em Portugal continental. 

O Regimento dado por D. Manuel I à Casa da Moeda de Lisboa, em 1498, comentado por Agostinho Ferreira Gambetta, permitiu dividir de imediato o processo de amoedação em duas grandes fases: a 1.ª- fundição e refinação, e a 2.ª - lavramento, esquema básico que acreditamos ter continuado até meados do século dezanove; o lavramento, por sua vez, dividia-se nas operações de fornaça e cunhagem. Após termos analisado o documento referido anteriormente, julgamos que mesmo para o ouro os procedimentos da 1.ª fase nem sempre se cumpriam; muitas vezes o metal era enviado directamente para ser lavrado. Pensamos que se recorria à fundição e refinação quando o metal não estava na lei adequada e/ou numa forma capaz (por exemplo em moeda, ou em pó) de ser lavrada.[2] O regimento de D. Manuel I é explícito em relação a fundições de ouro e de prata, mas nada refere em relação às de cobre. Achamos por isso lícito questionarmo-nos, em particular, sobre o fazer-se ou não fundições de cobre e, em geral, sobre o processar do cobre na Casa da Moeda de Lisboa, no limiar do século XVI.

Admitindo que não se realizavam fundições para o cobre, hipótese que consideramos muito plausível tomando em conta o que encontramos igualmente em outras fontes, então em que forma esse metal era recebido, e em que ponto do processamento geral se iniciava a sua amoedação ?

Sabemos que o lavramento das moedas começava com a entrega do metal ao capataz da fornaça após efectuadas as operações de lavar, forjar, pisar e lavar as crassas ou cadinhos, nos casos em que se realizavam fundições, de modo a evitar-se ao máximo as perdas de massa. (Gambetta,1971, p.97). As anotações feitas pelo autor em que nos baseamos, explicando o que  se fazia  na  casa da fornaça, permitiram esclarecer mais alguma coisa sobre o processamento do cobre: « Recebe [o fornaceiro] o arriel marcado, aquece-o, bate-o até à espessura calculada, acerta, alisa, sempre com fogo e martelo; então corta em pedaços à tesoura, irregularmente sim, e deixando com peso a mais no caso de ser ouro, mais ou menos redondo quando se trata da prata, e por vezes ainda pior, quando a fornaça é de cobre » (cf. Gambetta, p.80).[3]

O cobre era assim submetido às operações da fornaça, mas enquanto que o ouro era sempre salvado (tesoura, lima e balança),[4]  e a prata algumas vezes, o cobre só era sujeito a essa intervenção em casos excepcionais. No entanto, diz ainda Gambetta: « Havendo porém, moedas de cobre bem redondinhas, temos que admitir fornaceiros cuidadosos, pacientes e habilidosos, actuando nas fornaças de cobre » (cf. Gambetta, p.80).

A fonte documental que a seguir analisamos, um manuscrito de 1552 intitulado Das coisas que tem a cidade de Lisboa, permitiu-nos considerar que decorrido pouco mais de meio século sobre a anterior data, o cobre é ainda sujeito a um tratamento idêntico: o metal chegava numa forma que bastava um tratamento mecânico para ser amoedado. Como as exigências de qualidade não existiam para as moedas deste metal, podemos considerar que uma fundição prévia era, também por isso, desnecessária. Estas suposições parecem ser confirmadas pelos factos imediatamente apresentados.

Pela descrição que o manuscrito fez da constituição da Casa da Moeda, sabemos por exemplo, que os fornaceiros (sessenta) também batiam as moedas de cobre, para além das de ouro e de prata, e que não existia salvador para este metal (o documento indica dois, um para o ouro e outro para a prata ), assim como fundidor correspondente (existiam dois, o das cisalhas do ouro, e um suplente, situação aliás idêntica à que está indicada no regulamento de D. Manuel I).

Com base na estrutura das diversas funções existentes, e tomando à letra as respectivas denominações, consideramos que a fundição que se realizava como rotina principal da Casa da Moeda (na qual a fundição de cobre parecia outra vez não ter lugar) era a dos pedaços  do  ouro  que  sobravam  das  operações  de  corte  no  lavramento  da moeda, e depreendemos então que nesta altura, também o ouro recebido para amoedar, em regra, deveria entrar directamente para as casas das fornaças, sem ser previamente fundido. Sendo assim, a fundição que em termos rotineiros se realizava era para recuperar o ouro que sobrava em fragmentos residuais.

Salvaguardamos porém, as situações já anteriormente referidas, em que se tornava incontornável o fundir e afinar do ouro, e o mesmo se poderá objectar em relação à fundição da prata, contemplada tanto no Regimento de D. Manuel I como no documento de que nos estamos a ocupar. A respeito dos ritmos de produção no lavramento da moeda, ficamos também a saber, por este manuscrito, que se lavravam de contínuo três fornaças em cobre, duas em ouro (quando o havia) e de prata outras duas.

Um orçamento incluído nesta descrição, relativo ao obrar do cobre permitiu por sua vez reconhecer que este se iniciava pelo trabalho do ferreiro: «No lavramento do cobre se gasta o seguinte: Ao ferreiro, de o rebater e por em pastas como varas por quintal a duzentos e sessenta réis. Os fornaceiros levam por cada marco dez réis e meio, e os cunhadores três réis e meio».

Quase um século depois, as informações revelam algumas modificações significativas ao processamento do cobre. Parece que os meados do século XVII  trouxeram consigo as primeiras contratações deste metal, já preparado para o cunho : João Hals, Francisco Guterres Estoche e Pedro Starpt são nomes ligados a encomendas de cobre para a Casa da Moeda durante a década de quarenta (Aragão, 1877, pp.24-26), nas quais este assumia uma forma tal que dispensava os anteriores procedimentos de fornaça.

A situação na Casa da Moeda deverá ter-se mantido, pelo menos nos seus aspectos mais fundamentais, até que importantes alterações, entretanto verificadas, justificaram um novo regulamento. Consciente da inadequação do regime legal em vigor, face à mudança de local e instalações do estabelecimento em causa, dos Paços da Ribeira para S. Paulo, e (conjectura-se) à adopção de um novo regime de cunhagem da moeda, pelo abandono dos martelos e adopção dos balancés (Reis, 1936, p.57), D. Pedro II mandou elaborar um documento para regular as suas actividades. Este vigorou sem modificações significativas de 1686 a 1845, altura em que uma reforma essencialmente administrativa originou outro regulamento (Miranda, 1987, pp.43-44).

A preocupação com o controle no fabrico das moedas, que deviam resultar o mais  possível semelhantes, e a necessidade de combater as falsificações, entre outros factores, reflectiram-se muito mais no regulamento de D. Pedro II,  e nesse sentido a importância da fundição e refinação dos metais preciosos foi também mais acentuada. No capítulo 4 deste regimento determinava-se, inclusivé, que moedas mal cunhadas voltassem à fundição. O fundidor surgia realçado como «pessoa de cabedal e de crédito», a ponto de lhe caber, para além das outras funções, a responsabilidade do pagamento imediato no acto da aquisição do ouro ou da prata disponível, tanto fora como dentro da Casa da Moeda, se os vendedores assim o exigissem.

Da mesma forma, neste documento, os ensaiadores eram o pessoal mais certificado, «oficiais da maior confiança (...) homens de boa consciência e fama», pois era deles que dependia o verdadeiro aval sobre a qualidade dos metais. Assistiam a todas as fundições que se realizavam (até às das cisalhas) examinando o metal de cada cadinho. A sua palavra era ordem, e cada partida de ouro ou prata era fundida quantas vezes fosse necessário, até o metal ficar na lei.

Tinham direito a casa própria, com iluminação, balança, e todo o mais material e reagentes de que necessitavam para realizar o que o regulamento referia serem os «ensaios» [5] -  mais afiançados do que os que envolviam o uso das tradicionais «pontas para o toque».[6]

Paradoxalmente a este reforço de rigor para a amoedação em ouro e em prata, a única alusão encontrada para o cobre encontra-se  no  capítulo 78,    na  parte final do documento, onde se refere apenas que « Havendo de se fazer dinheiro de cobre na Casa da  Moeda, senão obrará nas oficinas em que se lavra o ouro, ou prata, e se dará para isso casa separada, conveniente para se obrar e cunhar o cobre, e as em que se fabricar o ouro ou prata, fará o provedor, ainda no caso que cessar o exercício deles, que estejam correntes, como todos os instrumentos com que se obrar o dinheiro »

Nenhuma das fontes analisadas refere uma fundição de cobre, tão pouco qualquer estrutura ou função que nos permita inferi-la, tanto quanto nos foi possível averiguar. Por outro lado, tudo leva a crer que não se realizavam ensaios ao cobre, por isso deduzimos que a importância ou valor deste metal (se os havia) não chegava para procedimentos de controle de qualidade; as informações de que dispomos apontam até para uma aberta displicência no seu manuseio, assim como para o tosco nos produtos com ele obtidos.

Cerca de cem anos após o regimento de D. Pedro II, a techne respeitante ao cobre parece estar ainda mais «facilitada» em relação ao que temos vindo a constatar, ao invés de caminhar no sentido de um maior desenvolvimento, e contrastando com as necessidades da «moeda miúda» que faziam certamente com que fosse produzida em quantidade não desprezível em relação ao mais que se fabricava como moeda. O estudo de ulteriores documentos permitiu um esboço mais claro da situação para o lavramento do cobre na Casa da Moeda.

O primeiro livro de conferência de entradas e saídas do cobre desta instituição, datado de 1770 informou-nos, desde logo, que nesse ano chegava metal em chapas (destinado à produção de macutas para Angola e também para moeda corrente no reino), pelo contratador de cobre Jacob Pedro Straus.[7] Por outro lado, um inventário produzido em 1775 para o mesmo estabelecimento referencia uma casa para fundição do ouro e também uma para a prata, mas não alude a qualquer construção desse tipo para o cobre.[8] A análise de mais livros de conferência do cobre informou-nos sobre outro tipo de entradas deste metal - em cisalhas, e a maior parte das vezes proveniente da própria Casa da Moeda. A cisalha destinava-se à fundição para ligar com o ouro, e era certamente o único caso em que o «metal baixo» se fundia.[9]

Deduzimos então que pelo menos desde a década de quarenta do século XVII que o processo de lavramento do cobre se deveria iniciar com a sua recepção em chapas, seguindo directamente ou para a cunhagem, ou para o corte, para de seguida sair em moeda, e que este quadro tecnológico seria aquele que ainda reinava em 1789. Uma década depois, o já referido Manuel Ferreira da Câmara Bettencourt e Sá,  «Intendente Câmara», como ficou conhecido, por ter sido Intendente Geral das Minas na Capitania de Minas Gerais e Serro do Frio (nomeado em 1800), critica precisamente a produção da moeda de cobre, em termos do seu custo: «Até agora a moeda de cobre tem custado, a bem dizer, tanto quanto representa, e as razões são claras. Portugal não tem cobre, recebe-o já cortado e preparado para o cunho, de Hamburgo e da Inglaterra», e avança como solução técnica para o problema da cunhagem «o sistema de Bolthon, que tem provado ser o mais vantajoso para o cunho de moedas de pouco valor, pela facilidade com que se consegue laminar e cunhar o cobre debaixo de um só testo».

Na opinião do Intendente Câmara, o custo da produção da moeda de cobre reduzia-se com a introdução dos laminadores, que ele considerava de uso vantajoso até para o ouro e para a prata; segundo Câmara Ferreira, todos estes metais ainda se laminavam a braços (Mendonça, 1958, p.312).[10]   

Em 1800 a moeda de cobre - considerada de fabrico dispendioso - escasseava em Portugal, o que constituía um problema: apesar de cara, esta moeda era muito necessária, porque usada  «para as compras das coisas miúdas». Por  este motivo e porque o valor da moeda respectiva se encontrava desfasado com o preço do metal, sempre crescente, o príncipe regente ordenou que se cunhassem novas moedas de cobre de vinte, dez, cinco e três réis, para circular no reino em substituição das anteriores, com cessação do curso da moeda antiga, no prazo de dois meses (Delgado da Silva, 1860, pp.647-648).

A análise e as sugestões feitas por Ferreira da Câmara, uma autoridade nas questões das minas e dos metais, deverão ter encontrado eco junto do seu interlocutor, D. Rodrigo de Sousa Coutinho - a quem, como já sabemos, ia endereçada a carta onde Câmara aprecia a questão do cobre, e defende a necessidade de se explorarem as minas respectivas em território português, no Brasil, particularmente ( ponto1. deste trabalho ) -, pois foi um dos sectores sob os quais as iniciativas de reforma de D. Rodrigo na Casa da Moeda incidiram, assim e enquanto este assumiu o ministério da Fazenda e a presidência do Real Erário, isto é, de 1801 a 1803.

No período em questão, sob a dinâmica reformadora desta personalidade, procurou-se ampliar e aperfeiçoar a produção na Casa da Moeda de Lisboa. Através dos documentos analisados, verificamos que se realizaram pelo menos dois tipos de intervenções a esse nível. A prioridade concedida a essas e não a outras - possivelmente também necessárias - revelaram onde se localizavam as maiores deficiências tecnológicas, e daí, onde se situavam os «pontos nevrálgicos» da produção da Casa da Moeda, a exigirem reforma urgente . E as intervenções vão incidir por um lado, sobre a fundição do ouro - Vandelli já tivera oportunidade de apreciar criticamente o modo como esta se realizava neste estabelecimento, em finais do século XVIII (Vandelli, 1791?) - e por  outro, no trabalho mecânico sobre os metais. Com o objectivo de cumprir este último propósito, adquiriu-se uma fieira [11] que laminava em contínuo, e que pertencia a Francisco Agostinho Guillobel, francês, antigo mestre da Real Fábrica de botões de casquinha de ouro e prata, estabelecida ao tempo de D. José I. Para rentabilizar a utilização dessa máquina – desconhecida em Portugal e que obrigava à formação prévia dos operários fieiros – Guillobel chegou a propor laminar cobre com ela, a partir de metal aproveitado dos cascos velhos dos navios, existentes no Arsenal do Exército, e fundido na Casa da Moeda.

O posterior desenvolvimento do processo «fieira de Guillobel», permitiu-nos esclarecer um pouco mais sobre as questões do uso do cobre no lavrar da moeda. Os aspectos desta história apresentados até agora foram recolhidos numa carta de Manuel Jacinto Nogueira da Gama (Minas Gerais,1765 – Rio de Janeiro,1847) [12] que supomos dirigida a Rodrigo de Sousa Coutinho na qual, provavelmente em resposta a um pedido de parecer, levantou algumas objecções à proposta do mestre francês. Temia Nogueira da Gama que o cobre assim trabalhado, ficaria mais caro do que o obtido do estrangeiro, porque era necessário construir-se os fornos para a sua fundição, e depois havia que considerar também as despesas com combustível e com a mão-de-obra, que deveria ser especializada. Apesar de tudo rematava prudentemente da seguinte forma: « Se porém Guillobel tem fundamentos para afiançar lucros à Real Fazenda da fundição de cobre e da sua laminagem, como se sabe o preço, porque vem do estrangeiro o cobre para a Casa da Moeda, pode-se sem risco da Real Fazenda, propor a Guillobel o preço que se lhe pode dar por cada arrátel de cobre que aprontar, cedendo-se em vantagem sua a maior parte do lucro que promete à Real Fazenda, e correndo por sua conta a despesa da compra do cobre (...) da construção dos fornos, combustível e mão–de–obra ».[13]

Não sabemos se D. Rodrigo tomou uma decisão a respeito deste assunto, ou o abandono da tutela verificado pouco tempo depois desta carta, impediu outro desfecho: a máquina  em  questão  nunca  chegou  a sair da posse de Guillobel,  ( não laminou cobre, nem mesmo ouro ou prata conforme Nogueira da Gama chegara a sugerir, por ser melhor que as fieiras antigas ), tendo-se no entanto chegado a construir instalações próprias para a abrigar.[14]

Em 1806, o provedor da Casa da Moeda, António Silvério de Miranda, em representação ao príncipe regente, informava o quanto onerava à Real Fazenda, o lavramento da moeda de cobre com o antigo peso. Para a moeda de dez réis, por exemplo, um arrátel com 36 chapas custava entre 420 a 440 reis, importado do estrangeiro, e por outro lado lavrado originava  somente 360. O prejuízo ia de 60 a 80 reis, não contando com os custos da cunhagem, abertura de ferros e direitos reais. Pelo que Silvério de Miranda aconselhava: «... em tais circunstâncias parece ser de absoluta necessidade reformar o peso da dita moeda, para que entrando maior número de chapas em cada arrátel, se venham a combinar os interesses da Real Fazenda com os do Público no uso da dita moeda para as transacções correntes». A proposta era por isso, uma redução no peso da moeda de cobre, utilizando-se chapas com menor espessura. A este respeito, Silvério de Miranda também comentava: «... como a dita moeda gira somente no comércio com simples qualidade representativa, sem alguma atenção ao seu valor intrínseco, parece que a ninguém deve importar o seu maior ou menor peso».[15] 

 


* Os nossos agradecimentos ao Arquivo da Casa da Moeda, e em particular à sua responsável, Dr.a Margarida Ortigão Ramos, pela atenção e acompanhamento.

[1] D. Pedro II (1683-1706) por sua vez, introduziu a moeda de cinco, dez, e vinte réis do mesmo metal no Brasil e em Angola. O cobre entrou posteriormente em Moçambique no reinado de D. João V (1706-1750) e também D. João, príncipe regente (1799-1816) o introduziu numa possessão territorial, mas desta feita em S. Tomé e Príncipe (Gomes, 1996, pp.470 – 632).  

[2] O ouro que se utilizava na amoedação também podia resultar da fundição de moedas (tanto estrangeiras como portuguesas dos reinados anteriores), ou até mesmo de outros objectos, que depois de verificado o seu toque, seguiam directamente para o cadinho (Reis, 1946, p.248). O abastecimento do ouro e da prata à Casa da Moeda de Lisboa realizava-se segundo várias proveniências. Afirma Gambetta que eram três as variedades principais de ouro que vinha à Casa da Moeda: o de jóias era qualquer ouro em objectos britados (cascalho); o ouro nativo, em pepitas, palhetas, pinhas e pães, em pedaços de filão ou grãos, pequenas pepitas. O ouro em pó provinha principalmente da Guiné (Gambetta, 1971, p.91). Do Brasil chegava tanto em barra como em pó, e muita da prata provinha das ilhas dos Açores, em barra. 

[3] Existiam vários fornaceiros, conforme as funções que assumiam na casa da fornaça, como por exemplo, forjadores, recozedores, os bate-folha, os bate-chapa, latoeiros, ferreiros, serralheiros e  picheleiros (Gambetta, 1971, p.80). 

[4] Salvar significava inicialmente cortar os discos, as moedas. Depois passou a ser recortar, arredondando, e ir ajustando o peso com o auxílio da balança (Gambetta, 1971, p.80). 

[5] Os ensaios eram os de copelação. Na metalurgia dos metais preciosos, o termo deriva da utilização de um forno, o de copela, onde se processa a separação e extracção destes a partir de uma mistura com chumbo em excesso (metal de copelação). Na copela, o ar introduzido sob pressão, em tubos diagonais, actua superficialmente na mistura, imprimindo à massa um movimento giratório que acaba por provocar a oxidação de todo o chumbo fundido. O litargírio, sobrenadante, é extraído pela parte superior da soleira do forno (assim como todos os outros elementos existentes, para além dos metais preciosos). O fim da oxidação é assinalado pelo aparecimento da prata fundida e brilhante - fenómeno do clarão.

   Os ensaios de copelação traduzem, à escala laboratorial, os mesmos princípios processuais. O método é considerado exacto, para a determinação quantitativa do ouro e da prata, com uma precisão da ordem de 1/1000 (Carré, 1953, p.150 e p.217).

[6] A pedra de toque é uma pedra silicosa muito dura, inatacável pelos ácidos. Para se ensaiar uma matéria metálica, risca-se a pedra com ela, de modo a deixar um rasto de 1 cm de comprimento e cerca de 2 a 3 mm de largura. Ao lado, repete-se o procedimento com um padrão (o toque). Comparam-se os traços respectivos, seja por inspecção visual, seja por tratamento com um reagente apropriado. Para ligas de prata, poderá ser uma solução ácida ou de sulfato de prata, e para as de ouro e cobre uma mistura de ácido nítrico a 37ºBé e um pouco de ácido clorídrico (Carré, 1953, p.150 e p. 217 e p.225). Os ensaiadores da Casa da Moeda de Lisboa tinham direito a vencer anualmente um jogo de pontas de ouro (Gambetta, 1971, p.124). 

[7] ACM/INCM. Tesouraria. Entradas e saídas do cobre, de 1770 a 1846. Livro 1.º, 1770, fls. 1 e 7. Outro fornecedor de cobre em chapas foi, por exemplo, Rodrigo Brandemburgo & Wagner, conforme se pode verificar pelos livros de conferência de entradas e saídas de cobre, desde o princípio da década de setenta até finais do século. Em 1789, o abastecimento de cobre era em parte assegurado por Jacinto Fernandes Bandeira, membro da Real Junta do Comércio do Cobre. Dizia-se que o metal vinha do «Norte»; supomos que se tratava do norte da Europa, onde algumas minas se exploravam activamente. Esta suposição pode ser confirmada por exemplo no livro de conferência de entradas e saídas do cobre para o ano de 1800, onde se indica uma remessa de chapas provenientes da Suécia e vendidas por Jacinto Fernandes Bandeira por encomenda feita pela conta da Real Fazenda (ACM/INCM. Tesouraria. Entradas e saídas do cobre, de 1770 a 1846. Livro s.n., 1800, fl.4).  

[8] ACM/INCM - Livro que há-de servir para o inventário e descrição de todos os móveis, engenhos e mais pertences que existem nesta Casa da Moeda, e suas oficinas, segundo o estado em que se acham, fls.37v. e 48v. 

[9] ACM/INCM. Tesouraria. Entradas e saídas de cobre, de 1770 a 1846. Livros 7, 12, 17, 22, 27, s.n., e 38, referentes aos anos de 1775, 1780, 1785, 1790, 1795, 1800 e 1805, respectivamente. 

[10] A laminagem é um  exemplo de tratamento mecânico de metais, cujo objectivo é  a redução da secção dos lingotes por aumento do seu comprimento. Isto consegue-se passando a peça entre pares de cilindros, em aço temperado, os laminadores, que rodam em sentido inverso comprimindo fortemente o metal, mediante possantes molas ou parafusos, apoiados num dos eixos. Os cilindros podem ser lisos ou apresentar estrias, conforme o perfil pretendido (Carré, 1953, p.47). Teixeira Aragão refere a existência de cilindros laminadores de Krupp na Casa da Moeda (Aragão, 1874, p.67). 

[11] Em 1775 já se encontram registos da existência de fieiras, descritas da seguinte forma: «Oito fieiras de roda com dezasseis rodas, dezasseis veios, dezasseis piparotes», provavelmente apoiadas em bancadas, «Um Banco chamado grande das Fieiras com o seu pano de corda, duas rodas de aranha, uma argola com três ganchos e duas bacias de latão», conforme o inventário da época o indica (ACM/INCM - Livro que há-de servir para o inventário e descrição ..., fls. 24v. e 25v.). Muito mais tarde, em 1907, as fieiras são descritas como bancos de ajuste, onde as chapas saídas dos laminadores tomavam uma forma regular, prontas para o corte (Anónimo, 1907, p.278). 

[12]  Manuel Jacinto Nogueira da Gama era bacharel em Matemática e Filosofia pela Universidade de Coimbra. Lente de Matemática da Academia Real da Marinha entre 1791 e 1801, ano em que é nomeado inspector geral das nitreiras e da fábrica de pólvora de Minas Gerais. Foi um dos ajudantes do curso de docimástica criado em 1801 e a inaugurar no Laboratório de Química da Casa da Moeda. O responsável era José Bonifácio de Andrade e Silva, e o outro ajudante João António Monteiro (Funchal, 1769 ou 1763? – Paris?, 1830 ou 1834?), doutor em Filosofia e bacharel em Medicina, e bolseiro em França, Áustria, Inglaterra, a partir de 1804.

   Segundo Márcia Ferraz, o curso de docimásia só se realizará vinte anos depois ( Ferraz, 1997, p.82). Pela nossa parte, defendemos que o curso de docimásia nunca acontecerá; vinte anos depois, o curso que se realiza com Mousinho de Albuquerque tem outro nome, curso de Física e Química,  e diferentes intuitos  - já não se destina à formação para ensaiadores da Casa da Moeda, e dos quadros para a administração das minas e metais, mas de uma maneira geral, para o público (uma discussão mais apurada deste aspecto poderá encontra-se posteriormente na nossa dissertação de doutoramento, actualmente em fase de preparação). 

[13] ACM/INCM. Oficinas. Laboratório de Química, de 1801 a 1825. Mç 718, Sub-maço Q11 – [Carta de Manuel Jacinto Nogueira da Gama presumivelmente a D. Rodrigo de Sousa Coutinho] de 27 de Julho de 1803; As designações tipo «Sub-maço Q...», ou «Sub-maço III» foram aqui introduzidas a fim de tornar mais claras as referências bibliográficas, a partir de uma classificação preparada por C. Ferreira de Miranda, quando anteriormente trabalhou documentação deste arquivo referente ao Laboratório de Química. 

[14] ACM/INCM. Diversos. Máquinas e obras: Contratos, contas, etc, séc. XVIII e XIX, Mç 717 – Minuta entregue ao Provedor a 5 de Junho de 1815. 

[15] ACM/INCM. Provedoria. Registo Geral. Livro 12, 1802 a 1818 – Representação do Provedor desta casa sobre a alteração que devem ter as moedas de cobre por causa do maior custo do dito metal, de 8 de Outubro de 1806, fls. 74 e 74v.