DAS VANTAGENS DE NÃO SER PRECIOSO:
« Num certo sentido, o segredo da Alquimia é imaginar um mundo em que é possível transformar metais não preciosos em ouro » Patrick Harpur In Jay Ramsay O Caminho do Alquimista: A arte da Transformação 1997 O cobre e a iluminação ....O final da década de oitenta do século dezanove em Portugal é pródigo em eventos de carácter popular, para «massas». Desejoso de mostrar sinais de contemporaneidade, o país passeia-se, expõe-se, recria-se, aprende e até se desenvolve industrialmente – tem ímpetos de descolar ( Castro, 1971 ) mas Oliveira Martins dirá sardonicamente que Portugal nessa altura não era mais que « uma granja de exportação » - e ilumina-se. Acontecera o ministro António Augusto de Aguiar, o desenvolvimento do ensino comercial, e a criação de uma primeira rede de escolas de desenho industrial. Emídio Navarro seguiu-lhe na peugada e continuando o seu impulso, promoveu a maior parte destas à categoria de escolas industriais (e estabeleceu outras) num esforço de criar condições para formar gente para a indústria local de norte a sul do país, e superar críticas antigas de «generalismo» a esse tipo de instrução. As escolas e os institutos conheceram dias melhores no desenvolvimento e actualidade do ensino, contrataram-se professores no estrangeiro para colocar em marcha algumas das disciplinas, a electrotecnia foi introduzida como matéria de estudo, associada à telegrafia[1], os laboratórios foram melhor apetrechados, surgem os laboratórios electrotécnicos, os métodos eléctricos e fotométricos, e as práticas electroquímicas um pouco mais tarde - o ensino no seu geral conheceu um considerável progresso, e a ele acorre também, de uma forma geral, um número crescente de alunos. Em 1888 o país assistiu à Exposição Nacional das Indústrias Fabris. Recenseadas em 1881, foi a vez de as mostrar, sete anos depois. Lisboa preparou-se para o acontecimento, e escolheu a Avenida da Liberdade, o lugar mais nobre e mais finesse de entre todos os lugares da cidade. No programa da exposição, a electricidade fez a sua aparição, numa tímida alusão à modernidade, que tãopouco se chegou a evidenciar noutros domínios (como por exemplo no da indústria química, implícita e fracamente representada). Lá estava nas classes XIX e XXVIII, em teares ordinários, mecânicos e eléctricos, tanto para os processos de transformação das matérias primas vegetais como animais, na classe LI, em aparelhos eléctricos, telegrafia eléctrica e faróis, na classe LV, em « Material dos americanos » a tracção pela electricidade, na classe LVI, as máquinas de Marinha movidas a electricidade.[2] Este era também o ano em que o rei D. Luís perfazia meio século; a cidade congratulou-se e avivou-se: no dia 31 de Outubro festejou-se o aniversário real e com ele fez-se coincidir a inauguração do novo edifício da escola industrial «Marquês de Pombal» em Alcântara, o primeiro estabelecimento em Portugal a ensaiar o sistema de iluminação misto de gás e luz eléctrica. Este é um excerto (em parte adaptado) do relato que Francisco da Fonseca Benevides, na altura o inspector das escolas industriais da circunscrição do sul, fez da solenidade em questão: « presidiu à inauguração da escola o chefe do estado e o príncipe real, o ministério, o director geral de comércio e indústria, e grande número de convidados de ambos os sexos ». O edifício, decorado com elegância, esteve brilhantemente iluminado interior e exteriormente, e patente ao público, que à noite ali concorreu em grande número (Benevides, 1889, p.13 e p.15). A multidão acorria, acotovelando-se, para ver o rei, para ver a luz. Prossegue o nosso relator: « o edifício pode ser iluminado, à vontade, com gás ou luz eléctrica, no todo ou em parte. Para ser na actualidade completamente iluminado a luz eléctrica era preciso uma máquina dínamo-eléctrica de 120 Ampéres, movida por uma máquina a vapor da força de 25 cavalos » ( cf. Benevides, 1889, p.11 ). Mas como não havia ainda essa máquina em Portugal, a solução de recurso consistiu no uso do dínamo de Edison existente no gabinete de Física, e uma bateria de acumuladores. O sistema alimentava 48 lâmpadas de 16 velas. Posteriormente a escola adquiriu um electro-dínamo de Clarke, Chapmann, Parson’s, movida directamente por uma turbina de vapor Beleville de 30 cavalos, com capacidade para alimentar 200 lâmpadas. Os candeeiros continham simultaneamente os bicos de gás, e respectivos encanamentos e torneiras, e as lâmpadas eléctricas e os seus fios condutores com torneira e placa de segurança. Eram considerados «muito elegantes» e na sua maioria provinham de New York, mas: « para a iluminação da sala de desenho não se encontraram no estrangeiro candeeiros mistos que satisfizessem completamente as condições exigidas para aquele fim ». De forma que se construíram mesmo em Lisboa, em casa de M. Herrmann, sob a direcção do professor de desenho João de Almeida: uns de suspensão, com movimento de rotação em torno de um eixo vertical; outros ligados a hastes que se elevavam do chão, e rodavam, igualmente; outros ainda eram de parede, com braços duplos articulados. Todos tinham reflectores apropriados para dirigirem a luz sobre os modelos ou sobre os trabalhos dos alunos. Um ano depois Fonseca Benevides assegurava que a luz eléctrica tinha estado sempre regular, e todos os aparelhos e disposições empregues no sistema tinham funcionado perfeitamente. Um destes dispositivos era um relógio de ponto: a escola mantinha-se em comunicação eléctrica com o Observatório Astronómico da Ajuda, que dez segundos antes da uma hora da tarde lançava um impulso para uma campainha que soava numa das salas. Quando se calava, eram precisamente 13 horas (Benevides, 1889, pp.10 –12 ).
Com as festas do centenário de Camões, em Junho de 1880, a praça respectiva encheu-se de luz ( Dias, 1987, p.144 ); com as do Marquês de Pombal em 1882 estiveram iluminados entre 6 e 9 de Maio desse ano, as rua do Carmo, do Amparo, da Prata, do Loreto, o edifício da Associação Académica na rua dos Fanqueiros e o Rossio [3] ; a estas seguiram-se em 1885, aquando da recepção a Capelo e Ivens, as iluminações na praça do Comércio e no edifício da Sociedade de Geografia [4], mas a primeira rede eléctrica de iluminação pública só se estabelece em 1889 na Praça dos Restauradores e no passeio público da Avenida da Liberdade, mediante ligação a um pequeno posto de luz eléctrica da Avenida. Com o ano de 1889 e a cidade de Lisboa, nasce a electricidade como serviço público - é o ano zero da electrificação do país ( Mariano, 1993 ). Tardia iniciativa, contudo, atendendo a que em outras zonas do globo se procurava, desde finais da década anterior, adoptar a iluminação eléctrica em determinados locais, como em 1875 a Gare du Nord de Paris, uma fábrica em Mulhausen, e a fábrica de chocolate de Menier en Noisiel-sur-Mane, e em 1878 um armazém em Filadélfia, para além da construção de grandes núcleos geradores de energia eléctrica, como a central eléctrica Holborn Viaduct em Londres e a de Edison em Pearl Street, New York (ambas entrando em funcionamento em 1882), ou a central eléctrica de Deptford da London Electricity Supply Corporation, que constituiu o protótipo das instalações modernas, com entrada em funcionamento em 1889 precisamente ( Derry e Trevor, 1990, pp.906 - 907 ) e não falando nos esforços para viabilizar a produção de electricidade pela utilização dos meios hídricos, com o início da construção da grande central hidro-eléctrica do Niagara (concebida para uma capacidade de 200.000 cv) em 1886, depois de dezasseis anos de estudos. « A década de oitenta viu o começo do reconhecimento das vantagens económicas das centrais eléctricas que geravam electricidade a alto potencial e a distribuição a grandes zonas: a adopção deste princípio trouxe consigo novos problemas de distribuição, tanto práticos como económicos » (cf. Derry e Trevor, 1990, p. 909). Estes autores referem que alguns deles se prenderam desde logo com o cobre, metal relativamente caro, cuja procura se acentuara de tal forma, a partir de meados do século XIX devido à indústria eléctrica, que se tornara imperioso pensar em formas de o economizar (em 1858, por exemplo, o primeiro cabo telegráfico atlântico precisou de mais de 25.000 quilómetros de arame de cobre entrançado). O sistema de cabo trefilado para distribuição de corrente contínua patenteado em 1882 por John Hopkinson, professor de engenharia eléctrica no King’s College de Londres, mediante um princípio científico enunciado por Lord Kelvin na British Association for the Advacement of Science em 1881, permitiu poupar mais de 50% em cobre ( Derry e Trevor, 1990, p. 912 ). Importa referir que a telegrafia eléctrica se expandira grandemente não só nos Estados Unidos da América, ou na Inglaterra – a Electric Telegraph Company (1846) estendera, em seis anos de existência, 6.500 quilómetros de rede telegráfica na Inglaterra; em 1848 somente o Estado da Florida não tinha acesso ao telégrafo, por exemplo - como por outros países da Europa. Em 1862 o sistema telegráfico mundial cobria aproximadamente 240.000 quilómetros (24.000 na Grã-Bretanha, 77.000 na América e 128.000 no resto da Europa). A estas proezas se reuniria a invenção do telefone : o de Bell foi patenteado em 1876, a primeira companhia telefónica na Grã-Bretanha formou-se em 1878, e a primeira rede de comunicação oral entre dois quaisquer pontos estabeleceu-se igualmente no Reino Unido em 1879. O uso generalizado da lâmpada de arco fazia-se sentir igualmente na década de setenta, e reinou durante muito tempo, mesmo quando já eram visíveis as vantagens da lâmpada eléctrica de incandescência, entretanto desenvolvida e aperfeiçoada por Edison e Swan no início da década de oitenta ( Derry e Trevor, 1990, pp. 920 – 923 ). Afirmam estes autores: « surpreendentemente, comparando com o imenso êxito que tiveram mais tarde, as possibilidades da lâmpada de incandescência não foram em geral reconhecidas logo de início ». E continuam: « novo tipo de iluminação eléctrica difundiu-se ao princípio muito devagar, mas depois muito mais rapidamente quando a sua instalação em certo número de edifícios muito conhecidos demonstraram o seu valor » ( cf. Derry e Trevor, 1990, p. 923 ). Foi o caso das iluminações da Câmara dos Comuns e do Teatro Savoy em Londres, com mais de mil lâmpadas, ambas em 1881. No ano seguinte foi a vez do Museu Britânico e da Academia Real. Somente cinco anos depois se estabeleceu a primeira instalação doméstica na Grã-Bretanha, mais precisamente em Kensington, porém: « em 1900 a supremacia para usos domésticos das lâmpadas de incandescência sobre todas as demais era reconhecida por todos: resultavam cómodas, limpas, seguras e dignas de confiança. A sua adopção era controlada, sem dúvida, pelo ritmo de crescimento dos serviços públicos de abastecimento de electricidade. A iluminação eléctrica era um facto aceite na vida urbana em 1900 » ( cf. Derry e Trevor, 1990, p. 933 ). Também em Portugal se evidencia, por esta altura, a integração da iluminação eléctrica no quotidiano urbano e industrial, conforme ilustram os anúncios seguintes:
As exigências decorrentes das novas aplicações deste metal conferiram uma grande importância às operações de refinação no seu percurso processual. Finalmente a refinação térmica fornecendo um produto com teor em cobre entre 99 e 99,6% (Carré, 1953, p.125) não foi suficiente para os 99,90 % de teor mínimo em cobre exigido e a refinação electrolítica ganhou corpo. De 1900 em diante, à medida que o abastecimento público de energia eléctrica se expande e desenvolve, as necessidades em cobre (maiores quantidades e crescente pureza) aumentam também. Como indicador do fenómeno, temos alguns valores de produção mundial de cobre entre 1880 e 1946, através dos quais é possível verificar «saltos» significativos na produção, como por exemplo, entre 1900 e 1913 (em pouco mais de um decénio, o valor quase que duplica), para já não falar das situações anteriores ainda mais espantosas (tal como a de 1883, na qual a produção mundial foi cerca de 13 vezes a de 1880). Quadro III
O posicionamento do cobre face a outros metais e ligas produzidos também pode ser acompanhado em dois momentos pertinentes da sua história: Quadro IV
Em jeito de conclusão Não obstante as suas inúmeras aplicações, em meados da década de cinquenta do século XX, o cobre empregue como condutor eléctrico consumia à volta de metade do valor da sua produção a nível mundial (Carré, 1953, p.131). Por esta altura, em Portugal, intensificava-se com grande ímpeto o plano hidroeléctrico nacional, deixando para trás os passos hesitantes de uma electrotecnia fortemente apoiada nas empresas estrangeiras, e uma indústria que pouco mais fabricava para além de lâmpadas eléctricas e material de iluminação, pequenos isoladores de porcelana, acumuladores. A rede eléctrica nacional foi criada pouco a pouco pela engenharia portuguesa durante todo o século XX, e arrastou consigo a Companhia Portuguesa do Cobre, empresa nascida da Empresa de Gravação Fotomecânica, à qual foi concedido, em 1943, o primeiro alvará de metalurgia do cobre. Indissociavelmente ligada ao plano nacional de electrificação, e por isso mesmo classificada pelo governo como «de actividade de interesse nacional», a Companhia Portuguesa do Cobre, CPC, tinha como objectivo fornecer a indústria de tudo quanto fosse cobre, alumínio e ligas, nomeadamente latão, e dispunha, entre outras, das tecnologias de : fundição; corte e extrusão de metais; produção de fio de máquina de cobre, alumínio e liga de alumínio por vazamento contínuo e laminagem; trefilagem de cobre, latão e alumínio; cableagem de cobre, alumínio, alumínio-aço e liga de alumínio; laminagem de chapas e fitas de cobre e de latão; estiragem de barras, cavilhas, perfis e tubos de cobre e latões.[6] Em certa medida dependente do exterior no que respeitava ao abastecimento da matéria-prima, a CPC acompanhou com particular interesse em finais da década de setenta, inícios da de oitenta, as descobertas dos ricos jazigos calcopiríticos de Neves-Corvo, considerados como potencialmente, entre os melhores da Europa e do mundo. Com perspectivas tão prometedoras, em termos de novos recursos para uma matéria prima como o cobre, Portugal ousou ambicionar a posse do sistema completo da cadeia de produção deste metal, desde a extracção da matéria prima até ao produto acabado. Para a Companhia Portuguesa do Cobre estaria reservado o papel do terceiro elo do sistema; faltava apenas o elemento de grau dois – uma refinaria ou metalúrgica de base ... Assumindo desde já o alargamento excessivo nos limites temporais ao estabelecermos uma conclusão, não queríamos contudo terminar sem uma palavra relativa ao grande projecto da metalurgia de cobre para Sines (o tal elemento de segundo grau da cadeia de processamento do cobre), « colocado sinedie, em bolas de naftalina », tal como Leal da Silva afirmou. E é ainda com o mesmo autor que rematamos: « a formulação do projecto de uma metalurgia de cobre, localizada em Sines, e baseada nos minérios de Neves-Corvo (...) deu lugar a um debate que tomou proporções algo inesperadas e que conduziu, bem vistas as coisas, a que não fosse realizada » ( cf. Silva, 1996, p. 249).
[1] A reforma de Emídio Navarro segundo decreto de 30 de Dezembro de 1886 instituiu a 8.ª cadeira, “Electrotecnia, telegrafia e outras aplicações da electricidade”, uma escola prática de telegrafia e um laboratório electrotécnico. A 8.ª cadeira não só fazia parte do plano de estudos do Curso Especial de Correios e Telégrafos, como constava ainda do elenco das disciplinas dos Cursos Especiais de Director de Fábrica (tanto Mecânico como Químico) e de Construtor de Máquinas e Instrumentos de Precisão (para averiguar sobre a constituição dos cursos consultar Institutos Industriais e Comerciais de Lisboa e Porto – Plano de organização ..., 1888). [2] Portugal. Comissão Protectora da Exposição Industrial Portuguesa de 1888 (1887) - Regulamento Geral e Programa ... p. 12, p. 14, p. 19 e p. 20 [3] “O Ocidente”, Junho de 1882, pp. 125 - 126 [4] “O Ocidente”, Setembro de 1885, p. 216 [5] O grande desenvolvimento da indústria electrotécnica também se deu por esta altura ; podemos conhecer os aspectos mais importantes deste tema para um país paradigmático, como a Suíça, mediante a consulta de Franco de Bordons, 1917. [6] (Companhia Portuguesa do Cobre. Uma história ... , pp.181 – 189) |