Ficou mostrado, dos tópicos anteriores, a qualidade do ensino que Alfredo da Silva recebeu enquanto aluno do Instituto Industrial e Comercial de Lisboa e, de alguma maneira, aflorada a influência dos químicos sobre essa formação. Em nossa perspectiva, ficou igualmente provado o seu carácter excepcional; de facto, nem as modificações anteriores na organização do ensino comercial nem tãopouco a subsequente de 1891 permitiram um peso equiparável da componente científica, físico-natural e suas aplicações, à que estava incluída nos planos de estudo da reforma de Emídio Navarro de 1886/88, em particular no do Curso Superior de Comércio. A ocorrência das cadeiras de Química, a 9.ª - Química Mineral e Orgânica; Análise Química e a 10.ª cadeira - Tecnologia Química, no currículo deste curso (a 10.ª ainda que fugaz, aliás como o próprio curso; na nova formação comercial "superior" da reforma de João Franco de 8 de Outubro de 1891 já não se incluí a Tecnologia Química) é, a nosso ver, o corolário deste carácter de excepção. Mas, não só, foi também extraordinária a proximidade verificada entre a formação superior comercial e a industrial da especialidade, e que permitia um trânsito fácil entre a função de negociante e a de director de fábrica químico (o que era particularmente notório em Alfredo da Silva que conciliava as duas carreiras com sucesso bem visível), aspecto ampliado ainda pelo facto das cadeiras físico-naturais e suas aplicações serem "democraticamente" leccionadas, isto é, sem distinções entre as várias orientações profissionais possíveis.
Outros aspectos que reforçam este carácter único, singular, da formação de Alfredo da Silva prendem-se com as características da "comunidade" química portuguesa daquela época. De facto, como já atrás referimos, nunca em outro momento anterior se tinha reunido tanto talento (e tão diversificado) em torno da actividade química no nosso país, também ele revelador de algum intuito em afectar sectores económicos fundamentais da sociedade portuguesa às vantagens do desenvolvimento científico. Ao protagonismo e eficácia dos químicos portugueses, era contraposto, porém, um carácter mais ou menos "híbrido", uma espécie de empobrecimento em relação ao estado "puro", por uma alegada dispersão de actividades que lhes tecia a matriz predominante. Profissionais com «mesquinhos ordenados, que não lhes permitem dedicar-se exclusivamente ao ensino ou trabalhos científicos, são químicos só pela cadeira, mas na verdade médicos, engenheiros ou militares», e que «ainda mesmo entre os professores de química das escolas superiores, poucos são os que se poderão denominar, por assim dizer, orto-químicos», quando não eram também apelidados de «máquinas de fazer análises». Estas são algumas das afirmações do alemão Hugo Mastbaum em a Indústria química e os químicos em Portugal , um pequeno artigo publicado em 1904, e exemplo sintético de um olhar do exterior sobre a carreira de químico em Portugal. A defesa da classe ficou por conta do agrónomo Luís António Rebelo da Silva, e a sua resposta ao artigo de Mastbaum consiste num abalizado testemunho, revelador da importância e do alcance nacional do conjunto das actividades dos químicos portugueses na transição do século XIX para o XX.
Alguns desses químicos, e de entre os elementos mais notáveis, estiveram no grupo dos lentes que asseguraram o desenvolvimento do ensino das ciências no Instituto Industrial e Comercial de Lisboa. Nomes já aqui referidos, como António Augusto de Aguiar, José Júlio Bettencourt Rodrigues e Virgílio Machado, seguramente não "orto-químicos" , mas que ainda assim souberam projectar o valor e a imagem da Ciência bem para além dos seus limites internos. É também nossa convicção que Alfredo da Silva terá aderido integralmente ao apelo progressista da Ciência e que fará do aperfeiçoamento do indivíduo e da procura da sua dignidade máxima uma linha de força e uma postura constante enquanto industrial.
Outro aspecto a acrescentar à lista de "notoriedades" na formação de Alfredo da Silva prende-se com a omnipresença das práticas. De facto, e tal como já anteriormente referimos, os alunos do Curso Superior do Comércio eram os estudantes do Instituto com maior peso da componente prática, entre cadeiras científicas e da especialidade comercial. Esta relevância coloca-se igualmente no que diz respeito às cadeiras de Química, com utilização do espaço laboratorial próprio (caso da 9.ª e da 10.ª cadeiras), para além de outras "excentricidades" nunca antes reunidas, como a existência de um preparador específico (francês, para a 10.ª cadeira - Tecnologia Química), e até de um assistente (alemão) para coadjuvar o catedrático na docência das práticas da 9.ª cadeira.
Alfredo da Silva torna-se assim um objecto privilegiado de uma conjuntura singularmente favorável ao ensino das ciências no contexto da "formação técnico-profissional", isto utilizando um chavão actual. E, com uma variedade considerável de matérias teóricas e práticas de Química presentes no seu currículo, mas acima de tudo, com uma cadeira privativa para as indústrias e processos químicos ( desideratum nunca atingido em outras instituições de ensino científico, inclusive na Faculdade de Filosofia da Universidade de Coimbra) que o distinguia de qualquer outro estudante de Química em qualquer outro estabelecimento de ensino do país, com possíveis contactos directos com químicos formados noutros países (França e Alemanha) devido à presença do pessoal estrangeiro que veio para os laboratórios do Instituto, para além dos lentes das cadeiras em questão, experimentando a Química, com outras didácticas diferentes do estilo "tribuno" com que muitos químicos idóneos se defendiam nas suas aulas, torna-se igualmente um caso notável do ensino da Química no Portugal da 2.ª metade de oitocentos, uma notoriedade tanto mais vincada quanto mais vamos percepcionando a profundidade da sua acção na direcção técnica das indústrias químicas da Companhia União Fabril. |