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ISABEL CRUZ
DIR. CICTSUL

A QUÍMICA, A INDÚSTRIA QUÍMICA
E O SEU ENSINO EM PORTUGAL (1887 - 1907):
O CASO DE ALFREDO DA SILVA

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1. A importância de António Augusto de Aguiar no contexto da formação de Alfredo da Silva
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O período de formação de Alfredo da Silva no Instituto Industrial e Comercial de Lisboa, de 1887/1888 a 1891/1892, incluí-se no que se pode designar por uma época áurea da Química em Portugal, e que abrange grosso modo , as duas últimas décadas do século XIX, mas mais particularmente a penúltima, onde podemos encontrar não só vivos, como em plena actividade, personalidades como António Augusto de Aguiar (Lisboa, 1838 - Lisboa, 1887), Agostinho Vicente Lourenço (Goa, 1826 - Lisboa, 1893), José Júlio Bettencourt Rodrigues (Funchal, Madeira, 1845 - Lisboa, 1893), Roberto Duarte Silva (Santo Antão, Cabo Verde, 1837 - Paris, 1889) este último afastado geograficamente, fazendo "carreira fora", mas com grande importância na estruturação e dinâmica do grupo, ou mesmo António Joaquim Ferreira da Silva (1853 - 1923), que viveu bastante para além dos outros colegas, mas já sem o brilho inicial e a "garra" com que se dedicou ao desenvolvimento da Química Analítica nos tempos do Laboratório Municipal do Porto - alguns dos nomes que fizeram a Química do final de oitocentos em Portugal, sem contarmos com o contributo dado pela parte docente da Universidade de Coimbra.

Deste conjunto destacamos para já - e devido à influência que tiveram sobre o percurso escolar de Alfredo da Silva - os nomes de António Augusto de Aguiar e José Júlio Bettencourt Rodrigues, dois caminhos distintos em Química, porém igualmente construídos na ausência de uma metodologia de "escola - estrangeiro", isto pelo menos nos termos anteriormente adoptados por outros químicos portugueses, que passavam pela frequência em cursos e trabalho num laboratório de um químico de nomeada. Esta ausência não impediu porém, a realização de uma carreira de investigação em Química (utilizando o modelo que dominou na época, para Aguiar "pura" e para Rodrigues "aplicada"), e um forte protagonismo de ambos no que dizia respeito às implicações sociais desta ciência.

António Augusto de Aguiar e José Júlio Bettencourt Rodrigues são referenciais importantes no percurso de Alfredo da Silva, pelo menos no que diz respeito à sua formação escolar. O primeiro deles, de forma indirecta, por ter sido quem elevou um curso (precisamente um de comércio) do Instituto Industrial e Comercial de Lisboa à categoria de superior (decreto de 6 de Março de 1884), tornando mais apetecível à burguesia abastada uma instituição cujo maior trunfo - a promoção humana pela profissionalização conseguida em moldes modernos - se ressentia desde sempre da sombra que o estigma da baixa condição social projectava sobre a categoria dos seus cursos.

O curso superior de comércio foi o primeiro (e até 1896, o único) curso superior no Instituto Industrial e Comercial de Lisboa, e daí que legitimamente se deva considerar que esta escola não podia realmente ser tomada como uma instituição de ensino superior, não obstante a ambiguidade permitida pelos termos da lei, omissos, e a qualidade e notoriedade do seu plantel docente, muitos deles por sua vez lentes em escolas superiores. A elevação à categoria de superior de um dos cursos do Instituto deverá ter constituído, certamente, um forte incentivo ao seu desenvolvimento e afirmação no quadro dos estabelecimentos de ensino.

E esta é, para já, a única versão possível para a influência de António Augusto de Aguiar sobre o percurso de Alfredo da Silva, do qual não chegou a ser o lente responsável da 9.ª cadeira - Química Mineral e Orgânica; Análise Química, como seria de prever: Virgílio Machado assegurou a sucessão da cadeira, após o seu falecimento, em 1887. Porém foi, sem dúvida, um dos grandes obreiros na concepção do sistema que tornou possível receber no seio da instituição escolar, os jovens burgueses que aspiravam a uma carreira de negócios - estabelecimento este que tinha consistido basicamente, numa 1.ª fase (de 1852 a 1864), na via profissionalizante para operários e oficiais de indústrias, alternativa e concorrencial ao sistema tradicional das Artes e dos Ofícios, e numa 2.ª (de 1864 em diante), o "berçário" para o motor humano auxiliar da máquina administrativa do Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria - e dotá-los de uma formação particularmente enriquecida na componente científica físico-natural.

Nessa perspectiva, podemos muito bem considerá-lo como um dos responsáveis (ainda que indirecto), não só pela presença de Alfredo da Silva no Instituto Industrial e Comercial de Lisboa, como também pelo sólido apetrechamento nele resultante, em áreas científicas como a Física, a Mineralogia, ou a Química Geral e Industrial. Já como director do Instituto (1871), a sua acção estendeu-se ao campo da Química prática: em 1872 organizou o laboratório de Química em moldes equiparáveis aos melhores estabelecimentos alemães (AGUIAR, 1872, p.3), e estatuiu (ainda que apenas com carácter facultativo) o ensino prático desta ciência em termos complementares ao ensino teórico da cadeira correspondente, que era a 4.ª e se denominava "Química aplicada às artes e à indústria". Deste modo se dava mais um passo na progressão para método obrigatório, do velho sistema de apoiar as lições teóricas com trabalhos práticos, "hábito" com regularidade mais ou menos flutuante e dependente da vontade do lente responsável da cadeira de Química.
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