Isabel de Aragão

 

NATÁLIA CONSTÂNCIO

Isabel de Aragão
Quia fœmina erat: Maior Rainha, porque Santa, & maior Santa, porque Rainha


Natália Constâncio: Investigadora Integrada do IELT (NOVA-FCSH). Doutorada em Estudos Portugueses, é autora de A Ironia e a Paródia como Mecanismos de Subversão na Obra de Mário de Carvalho (2017), entre muitos outros trabalhos dedicados ao autor citado. Participou no 1º volume da revista A Morte do Artista (2017). Tem publicado folhetos de cordel na editora Apenas Livros. É autora do romance O Homem que Vivia Dentro dos Sonhos (2016). Com o pseudónimo Dulcineia, assina A Súplica de D. Pedro (2014), o livro infantil Inês, a Fada-Boneca – O Roubo das Letras e das Cores do Arco-Íris (2015), e poesia, publicada em antologias literárias. É colaboradora do LIT&TOUR (UAlg.), do projeto Ciclo da presença no Alto Alentejo, e integra o Writing Urban Places WG3. Coordena, com o Historiador Daniel Alves (IHC-NOVA-FCSH), o projeto Atlas das Paisagens Literárias de Portugal Continental.


 RESUMO: O presente trabalho tem como foco de análise o Sermão da Rainha Santa Isabel, que Padre António Vieira pregou em Roma, em 1674. O discurso revela, desde o início, um registo manifestamente laudatório, de superlativação da Rainha, assinalando a sua condição excecional de mulher e de soberana. A evocação de outras rainhas – frívolas e impiedosas –, muito populares na tradição judaico-cristã, no universo factual ou no mitológico, serve de pretexto para se estabelecer uma relação dicotómica que as contrapõe à esposa de Dom Dinis. O sermão gira em torno da dupla majestade que distingue e enobrece Dona Isabel, pois que, sendo mulher, se mostrou hábil na negociação das coroas terrena e celeste. Da díade quiasmática “rainha” e “santa”, constantemente empregada, prevalece a seguinte equação: “Maior Rainha, porque Santa, & maior Santa, porque Rainha.”

PALAVRAS-CHAVE: Mulheres – Rainha Santa Isabel – Padre António Vieira – Sermão


À Ana Rita Laureano e à Manuela Dâmaso

 

  1. INTRODUÇÃO

O Sermão da Rainha Santa foi pregado em Roma, na Chiesa di Sant’António dei Portoghesi, no ano de 1674.

A figura da mulher detém um papel muito relevante na oratória vieirense. Sendo um homem culto e conhecedor da História Profana e da História Sagrada, Padre António Vieira reconhece que estes universos se encontram repletos de heroínas que podem servir de modelo ao elevado número de mulheres que constituíam o seu público, tratando-se de senhoras pertencentes à esfera secular, ou consagradas a Deus.

Os sermões, que se pretendiam didáticos ou de índole preventiva, tinham como desígnio repreender e, consequentemente, alterar a (abominável) conduta feminina. Salvo raras exceções, a existência feminil circunscrevia-se ao espaço doméstico e, segundo os comentadores teológicos e religiosos, as saídas do território privado propiciavam, as mais das vezes, momentos de sensualidade e perversão. Urgia repreender comportamentos tidos como abusivos por parte das mulheres que não se encontrassem nos trilhos almejados por Deus, através do exemplo – elogioso ou repreensível.

Na estética de Vieira, raras são as mulheres puras e isentas de admoestação: no corpus operístico do jesuíta, deparamo-nos com uma visão maniqueísta, hiperbólica e facciosa, cuja imagem, bipolar como a facies de Jano, converge para os atos mais nobres e altruístas, ou realiza as obras mais vis. O rosto feminino, ou, melhor: o ser feminino oscila, assim, entre uma categoria diádica – o BEM, simbolizado pelas mulheres santas, alcandoradas na beatitude, cujo expoente etéreo é a Virgem Maria, – e o MAL, associado a Eva, a quem a vaidade fez perder. Lope de Vega, um dos mais relevantes e profícuos poetas e dramaturgos do Siglo de Oro espanhol, contemporâneo de António Vieira, imortalizou esta ambivalência feminina num soneto de clara matriz androcêntrica[i], de que transcrevemos um terceto, muito elucidativo dessa perspetiva: “Ella nos da su sangre, ella nos cría,/ no ha hecho el cielo cosa más ingrata:/ es un ángel, y a veces una arpía.”

E por que razão escolheu, o brilhante orador, a figura da Rainha Santa para adornar o seu discurso?

António Vieira utiliza o sermão panegírico para destacar algumas mulheres ilustres, por quem nutria uma elevada estima, fosse pela piedade e devoção a Deus, fosse pela inteligência ou pelos seus talentos políticos. Filha de Dom Pedro de Aragão e de Dona Constança Hohenstaufen, a Infanta Dona Isabel nasceu em Saragoça (ou Barcelona), corria o ano de 1270 (ou 1271). Esta pérola rara de beatitude e santidade foi educada na corte de seu avô, Dom Jaime, até por volta dos 6 anos, tendo sido grandemente influenciada pela doutrina franciscana. É, ainda, associada ao culto do catarismo.

A pulcritude e a singeleza de Dona Isabel precediam-na, mas a Infanta era também – e sobretudo – conhecida, em todos os reinos cristãos, pelas obras de caridade que realizava e pela devoção ao Altíssimo. Quis a sorte que unisse o seu destino ao de Dom Dinis, el-rei Trovador, por quem foi recebida em Trancoso, onde se realizaram grandes festejos em sua honra. Corria o ano de 1282 e, muito embora não haja certezas, aponta-se como data provável do enlace o dia de São João Batista. Dona Isabel foi mãe de Dom Afonso IV e de Dona Constança, que viria a tornar-se rainha de Leão e Castela.

A Rainha Santa Isabel abraçou fervorosamente a vida de oração, de jejuns, de cilícios, de dedicação ao próximo, sendo conhecida pelos milagres que realizou em vida e por muitos outros, que lhe atribuem post-mortem. Faleceu a 4 de julho de 1336, em Estremoz, vitimada pela peste. Foi beatificada por Leão X, a 15 de abril de 1516, e canonizada por Urbano VIII, a 25 de maio de 1625. Na Relatio que elabora, a 13 de janeiro de 1625, o Sumo Pontífice elenca as virtudes principais desta rainha: Fé, Esperança, Caridade, Prudência, Justiça, Fortaleza, Temperança, a que se aliam a humildade cristã, a mansidão, a perseverança, a religião e a piedade (Rebelo & Urbano 2020: 126). No tempo da monarquia espanhola, Filipe III declarou-a padroeira do reino, portanto, nada mais natural que Padre António Vieira a escolhesse para ornar o seu discurso, como arquétipo feminino de religiosidade e virtuosismo a oferecer ao público de senhoras que assistiam às suas homilias.

 

  1. SERMÃO DA RAINHA SANTA ISABEL – ARS RETHORICA

A arte de bem falar e de bem escrever, a astúcia e o malabarismo de jogos linguísticos dominam a arte da prédica de António Vieira, que tem como principal objetivo docere (ensinar), delectare (deleitar) e movere (persuadir). Para tal, o orador recorre a estratégias que lhe permitam fundamentar o seu discurso, evocando exemplos bíblicos, da patrística, teológicos e culturais. Como pregador, António Vieira “agigantou-se por uma eloquência arrebatadora que conhecia os segredos da língua” (Cristóvão 2011: 84), revelando-se exímio na arte retórica, cujo discurso manipulava, conceptualmente, o raciocínio do leitor/ouvinte. Os seus sermões encerram uma teatralidade inegável, seja pela interpelação, seja pela recorrência de artifícios que enredam os ouvintes numa teia argumentativa que se pretende irrefutável, ou, ainda, pela encenação hiperbólica da exposição das matérias, que visa(va)m o choque ou a comoção dos auditores.

No enunciado em foco, numa profusão imagística habilidosa e notável, o orador confronta a atitude da Rainha Santa com a de figuras concernentes aos universos bíblico ou profano. Quanto ao labor da construção frásica, assemelha-se à arquitetura e à pintura barrocas, marcadas pelo excesso de acumulação do pormenor, pela visão de profundidade das coisas aparentemente insignificantes, pela grandiosidade dos conceitos e pela subordinação total das partes ao todo, como muito bem notou Fernando Cristóvão (2011: 89). O ritmo, ondulatório, expresso nos circunlóquios realizados, e o recurso aos verbos prismáticos (ver, ouvir), conferem à prédica do jesuíta uma espécie de visualização dos argumentos provocada pela audição, sublinha Annabela Rita (2011: 249). Não será anódino referir, ainda na esteira da crítica mencionada, que o discurso de Vieira é geometricamente organizado pelo “esquematismo entimemático e persuasivo” e pela “simetria” (idem: 250), característicos da ars rhetorica barroca, e apresenta uma estrutura argumentativa ligada à oratória que radica nos preceitos de Cícero e Quintiliano, confrontando sempre tese – argumentação; geral – particular; lei – caso.

A estrutura parenética ramifica-se em quatro partes, designadamente Exórdio (captatio benevolentiæ); Exposição (breve introdução do assunto a tratar); Confirmação (onde se desenvolve o tema proposto) e Peroração (conclusão das provas apresentadas ao longo do sermão).

 

III. SERMÃO DA RAINHA SANTA ISABEL[ii] PARTES E ESTRUTURA ARGUMENTATIVA 

  1. EXÓRDIO 
  • .I.

O Exórdio desponta, neste sermão, como captatio benevolentiae, e aspira a seduzir o ouvinte/leitor, abrindo com um conceito predicável, retirado do Evangelho de São Mateus (13,45-46): “Simile est Regnum Cælorum homini negotiatori quærenti bonas margaritas: inventa autem una pretiosa, abijt, & vendidit omnia, quæ habuit, & emit eam.” (Vieira 1732: 1) [“O reino do Céu é também semelhante a um negociante que busca boas pérolas. Tendo encontrado uma pérola de grande valor, vende tudo quanto possui e compra a pérola.”]

Após a inclusão do símile, o orador identifica a tese que irá ser objeto da homilia: “(…) Rainha, & Santa. Este será o argumento, & estes os dous pòlos do meu discurso.” (1732: 2), não antes de explicitar que se trata de uma rainha duplamente agraciada – “coroada na terra, & coroada no Ceo” (1732: 2). Através de jogos de linguagem, de uma cadência rítmica compassada, que evoca o vaivém constante das ondas do mar ou os batimentos cardíacos, e pelo recurso à gradação ascendente, o catequizador enumera os fundamentos que levaram o mundo a reverenciar Dona Isabel, a quem se alude por antonomásia – “Rainha Santa” –, mesmo antes de ser canonizada. Sublinha: “Com este titulo (sic) que excede todos os títulos (sic), a canonizou em vida o pregaõ de suas obras: a este pregaõ se seguiraõ as vozes de seus vassallos: a estas vozes a adoraçaõ, os altares, os applausos do Mundo” (1732: 2).

Apresenta-se, ainda, um excerto da Parábola dos Talentos, retirada do Evangelho de São Lucas (19,13), em que o mundo se associa, metaforicamente, a uma praça ou feira universal, e onde o negociante deve possuir as três qualidades que enunciara a propósito do símile suprarreferenciado: ter “cabedal” (talentos da natureza), “diligência” (auxílios da graça) e “ventura” (cooperação das obras) – (cf. Rodrigues 2004: 168). O negociante do Evangelho negociava em pérolas, Dona Isabel, em coroas. A Rainha Santa apresentou-se com “maior cabedal”, porque rainha de duas ilustres coroas: era filha do rei de Aragão (Dom Pedro) e esposa do rei de Portugal (Dom Dinis). O orador evoca o testemunho de Caio Plínio, que, no seu livro Historiæ Mundi, no capítulo De Felicitate Summa (I. XLII.41; 1844: 687), alude a Lampido, rainha da Lacedemónia, a única mulher e rainha que considerou virtuosa, e que, tal como Isabel, foi filha de rei, mulher de rei, e deu à luz um rei [“Una fœminarum in omni ævo Lacedemonia reperitur, quæ Regis filia, Regis uxor, Regis mater fuit.”] (1732: 3). Mas Isabel personificou a majestade: filha de um rei “em quem estavaõ unidos os Brazoens de todos os Reys da Europa”; mulher de um rei que foi “arbitro dos Reys em todos os pleitos, que tiveraõ em seu tempo as Coroas de Hespanha”, e mãe de um rei “de quem descendem todos os Monarchas, & Principes da Christandade” (1732: 3).

Vieira discorre, posteriormente, sobre algumas mulheres célebres, muito determinadas, grandes estrategas ou guerreiras: Judith decapitou Holofernes, mostrando a sua firmeza, triunfando sobre a luxúria e o orgulho simbolizados por aquele general de Nabucodonosor; Jael, companheira habitual de Judith, surge no Livro dos Juízes como heroína; Débora, juíza e profetisa, pela astúcia, vence os exércitos de Jabim, rei de Canaã. A inclusão destas figuras no discurso intensifica, pela manipulação conceptual da utilização de opostos e pela aplicação de adjetivos associados ao género masculino, a ideia de que Dona Isabel era uma mulher de excelso valor, não belicosa, mas negociante. No Livro dos Provérbios (31,10-11,15,18), questiona-se: “Quem achará no mundo hũa mulher forte, huma mulher varonil, huma mulher como homem?” [“Fortem, virilem, viraginem.] (1732: 3). Ao interpretar o discurso de Salomão, o orador divisa, nas qualidades da mulher negociante, uma “evocação profética” da Rainha Santa (Franco & Cabanas 2008: 187), pois surge revestida de linho purpúreo, ornamento que identifica a sua realeza – “Purpura, & byssus indumentum ejus” (1732: 4). Acresce o facto de terem sidos os aragoneses, de entre todos os povos de Hespanha, os primeiros a enobrecer com despojos de conquistas a sua coroa e o seu poderio, que disseminavam por mar e por terra – apensa o orador.

António Vieira conclui o Exórdio socorrendo-se de uma estrutura duplicativa, exibida pelo ritmo sintático ondulatório e quiasmático, que enaltece e superlativa a figura de Dona Isabel, grande negociadora de coroas, e duplamente majestosa: “Mayor Rainha, porque Santa; e mayor Santa porque Rainha.” Invoca-se, por fim, a mãe redentora: “A Rainha de todos os Santos nos alcançará a graça. Avé Maria.” (1732: 5). 

 

  1. EXPOSIÇÃO 
  • .II.

O padre jesuíta indica, agora, o plano do sermão, retomando a ideia contida no parágrafo antecedente, frisando, deste modo, a grandiosidade e a nobreza de Isabel: “Rainha, & Santa: & porque Santa, mayor Rainha.” (1732: 5).

A evocação contínua de textos bíblicos de matriz judaico-cristã, ou a de considerados autores da esfera cultural clássica, demonstram a sapiência e a sua autoridade intelectual do orador. António Vieira constata que, no mundo terreno, o “maior cabedal” que se possui é uma coroa, o emblema da soberania e da superioridade. Cita, então, exemplos de reis a quem de nada valeu esse adorno simbólico, pela arrogância e sede de poder demonstrados. Encontram–se, nesta condição, as figuras de Baltasar, Dario, Alexandre, César e, inclusive, Ciro, o “ungido de Deus” (Is. 45,1). O orador finaliza este ponto remetendo para uma oposição dicotómica que expressa, a seus olhos, uma verdade axiomática: as coroas terrenas não são suficientes para se conquistar a coroa dos céus.

Nesse âmbito, e com vista a comprovar a asserção que enuncia, o pregador recorre, novamente, a exemplos bíblicos, para explicitar que a figura do rei não surge, nas parábolas, com o intuito de conquistar o céu. Quem ali aparece são “os pequenos”: um lavrador, um mercante, um pescador, um letrado. Não o rei. “E porque? (sic)” (1732: 6) – questiona. Logo justifica o seu juízo, pela inclusão de parábolas (Mt. 22,2 e 22,11; Lc. 14,31 e 19,12; Mc. 10,14). Valendo-se de um malabarismo lexical espantoso, o padre jesuíta enreda o auditor/leitor numa eloquente teia de manipulação conceptual que procura elucidar sobre a conduta desajustada dos soberanos relativamente ao cargo que exercem. Pelo excesso de acumulação do pormenor, e pelo recurso à enumeração e à gradação ascendente, Padre António Vieira confirma que nos Evangelhos surge amiudadas vezes a figura dos reis, sim, mas conclui tratar-se apenas de senhores desmedidos e ávidos de poder, daqueles que “fazem bodas”, que “fazem banquetes”, que “fazem guerras”, que mandam “exercitos (sic)”, que conquistam “Reynos da terra” (1732: 6).

Mais adiante, novamente sob a égide do ritmo binário ou ondulatório, insiste na conceção de que as coroas não são boa mercadoria para os reis negociarem o reino dos céus, quando se trata de homens extraordinariamente ambiciosos, supérfluos e levianos. De seguida, a oposição governo/terreno versus santidade é enfatizada pela repetição anafórica do enunciado, aludindo-se à desconformidade existente entre o ser rei e santo em concomitância, que também se acentua pela inclusão dos quantificadores no sintagma: “Reys, & bellicosos, Reys, & politicos, Reys, & deliciosos, quantos quizerdes: mas Reys, & Santos, muyto poucos” (1732: 6). E os muito poucos são, de facto, diminutos – da extensa linhagem de reis que em Israel e Judá houve, o orador apenas identifica três santos: David, Ezequiel e Josias.

A noção contrastiva é largamente ampliada na ideia subsequente: partindo de uma abrangência lata, incide-se no particular. Inicialmente, o pregador evoca o conceito de poligamia para elencar a quantidade de rainhas existentes, no passado: conhece-se o nome de sete das muitas mulheres que possuiu David; Jeroboão houve dezoito esposas, e Salomão setecentas. Esta referência institui-se como uma visão diádica eivada de significado e procura manipular, subtilmente, o raciocínio do leitor/ouvinte, fazendo destacar a supremacia masculina, em detrimento do género feminino: “[D]esde o principio do mũdo até Christo, em que passáraõ quando menos quatro mil annos, em todos os Reynos, & todas as naçoens naõ achareis Rainha Santa mais que unicamente Esther.” (1732: 7).

O discurso apresenta, agora, uma formulação retórica – “E qual he a razaõ disto?” –, a que logo responde, utilizando jogos linguísticos. Na esteira de Gil Vicente, aquando da caracterização psicológica do Fidalgo Dom Anrique, no Auto da Barca do Inferno, para justificar o que declarou, o orador socorre-se da utilização dos arcaísmos “fumo” e “fumosidade” (vaidade), de que resulta um trocadilho. O pregador clarifica a ideia sustentada, alegando que é essa mundanal e vã condição que faz perder as mulheres. Pelo exposto, legitima a sua perspetiva: a vaidade e o instinto vingativo, particularidades imanentes às filhas de Eva, revelam-se um obstáculo à beatitude. Note-se que a associação desta especificidade temperamental à mulher é abordada noutras obras do autor, nomeadamente no Sermão do Demónio Mudo, pregado às freiras do Convento de Odivelas, que têm por livro de horas e por cilício o espelho. No caso do sermão em foco, recorrendo a uma imagética pleonástica, remete para a visualização, como se de uma pintura se tratasse: “Os fumos da Coroa naõ sobem para o Ceo, decem para a cabeça.” (1732: 7).

O orador assevera que os reis mais desprezíveis que no mundo houve – Assuero, pela vanidade e, em Israel, Acab, pela soberba –, não conseguem equiparar-se às esposas, respetivamente Vasthi, que se recusou a obedecer-lhe, e Jezabel, mãe desta, porque minou Israel. Entretanto, por forma a validar o defeito que considera apanágio feminino, enumera uma pletora exemplificativa de célebres e perversas rainhas. Micol desprezou David; Betsabé cometeu adultério; Athalia é duplamente caracterizada: como vaidosa e cruel. Segundo os testemunhos hebraicos, ceifou a vida aos filhos de seu filho, o rei Ocozias, sendo que, de acordo com Vieira, a sua culpa é dobrada, pois que ser avó é ser mais – “Era mãy, & avò (q᷅ he mais)” (1732: 8). Avocam-se, neste contexto, outros modelos de impiedade, provenientes do universo mitológico: Athalia é igualada a Medeia, feiticeira que degolara os próprios rebentos, para se vingar de Jasão, o marido, que a traíra e votara ao abandono (Hacquard 1996: 191-192)[iii]. A rainha sobredita é, ainda, cotejada a Semíramis, a quem a lenda atribui a fundação da Babilónia e a edificação dos jardins suspensos da cidade. Extremamente ambiciosa e devassa, Semíramis foi acusada de bestialidade e de incesto com Nino II, seu filho.

Padre António Vieira alude, depois, a Eva, a figura arquetípica da astúcia feminina. Esta conceção, que apologiza a superioridade do homem, contrapondo-a à fraqueza da primeira mulher, seduzida pelo Demónio, vigorou em inúmeros pensadores, durante séculos. Santo Anselmo e Abelardo celebraram a Virgem Maria como a “nova Eva” (Franco & Cabanas 2008: 30-32), apresentando-a num paradigma distinto do eviano, como símbolo de pureza, de virtuosismo e de sublimidade. Na esteira desse modelo, o jesuíta valoriza e dignifica a Rainha Santa, dicotomizando dois polos antagónicos: a soberba e a vaidade das rainhas apontadas e a majestosa humildade de Dona Isabel.

No seguimento da convocação das rainhas supramencionadas, numa referência caracterológica que as vitupera, o discurso do orador macula e denigre amplamente o género feminino, ao asseverar, de modo perentório, que nunca houve registo de similar comportamento ou resolução por parte dos homens. Remata este ponto legitimando a feridade daquelas rainhas com uma prova que rasa a misoginia e que causa alguma perplexidade e estupefação aos leitores/auditores coevos: o ser mulher – “Quia fœmina erat” [Porque era mulher] (1732: 8). Esta “natural” condição inscreve-se na parenética cristã que tem como sustentáculo a exegese de Santo Agostinho, segundo a qual, a mulher carrega, no corpo e na alma, a matriz pecaminosa de Eva. Na ótica do orador, esse motivo, consabido e largamente estudado pelos padres e expositores, é também corroborado pelo académico espanhol Alfonso de Madrigal, bispo de Ávila, a quem pertence a supradita alegação.

Não será despiciendo considerar que, entre múltiplas lendas e mitos, encontramos, já em Hesíodo (séc. VII a.C.), a depreciação do feminino. Em Trabalhos e Dias (vv.90-105), o poeta apresenta como uma das causas da deterioração e da ruína dos humanos a curiosidade que Hermes insuflara no âmago de Pandora. Instigada pelo deus, aquela belíssima mulher, que possuía “todos os dons”, retirou a tampa da vasilha e dispersou pelo mundo “funestos cuidados”. Invocamos, a este propósito, o estudo realizado por José Eduardo Franco e Maria Isabel Cabanas, intitulado O Padre António Vieira e as Mulheres, em cuja epígrafe do 1.º capítulo se transcreve a afirmação de um pregador anónimo do século XVIII, que sanciona a mesma ideia: “Assim como a piedade na mulher piedosa excede a de todos os homens pios, assim na crueldade é maior que a de todos os cruéis; tudo na mulher são excessos, para ela não há medidas.” (2008: 23).

O padre jesuíta é um homem culto e versado em mitografias, que pretensamente finge desconhecer. Recordemos, v.g., a mitologia grega, porque apresenta inúmeros casos de atos violentos e repugnantes praticados pelos homens, e que se inserem na linha anunciada, mas que o orador preferiu ignorar. Descobrindo a aleivosia que o irmão gémeo e a sua própria mulher, Aérope, haviam perpetrado contra si, Atreu ofereceu a Tiestes um banquete em sua honra, com o pretexto de se reconciliarem, dando-lhe como refeição os seus filhos, esquartejados (Hacquard 1996: 62). O sol, horrorizado, recuou no seu percurso, episódio que surge retratado no canto III (est. 133) de Os Lusíadas, acentuando a inocência e a hediondez da morte daquele bonina que, anos mais tarde, viria a unir-se ao neto da Rainha Santa: a galega Inês de Castro.

O fio condutor que enovela a Exposição funda-se no enaltecimento das qualidades de uma mulher admirável, que sobressai num universo androcêntrico, por se tratar de um ser excecional – Dona Isabel. Na generalidade, de acordo com o enunciado em estudo, todas as mulheres se revelam naturalmente inferiores ao homem, quer ao nível da moralidade, quer ao nível do intelecto, no entanto, a Rainha Santa contraria essa regra. Incidindo sobre a representação feminina, o discurso faz contrastar as virtudes de Dona Isabel com a malignidade das rainhas citadas.

 

  1. CONFIRMAÇÃO 
  • .III.

Como temos vindo a notar, uma das estratégias linguísticas utilizadas pelo jesuíta para exaltar a Rainha Santa Isabel consiste no encadeamento melódico e cadenciado da estrutura fraseológica. Pelo recurso à apóstrofe com que inicia o parágrafo, o orador institui um enunciado discursivo em que, pela oposição de contrários e pela enumeração, confirma as virtudes e os louvores da rainha, numa gradação ascendente que culmina na excelsitude: “Perdoayme Rainha Santa este discurso; mas não mo perdoeis; porque todo elle foy ordenado a avaliar o preço, a encarecer a singularidade, & a sublimar a grandeza de vossas glorias” (1732: 8). Isabel surge, aos olhos do auditor/leitor, como uma luz que irradia no seio das trevas que são todas as mulheres aludidas, contrastando a sua imagem com a ideia que finaliza o §.II., a Exposição.

Ao qualificar as rainhas como presumidas e frívolas mulheres, o sacerdote opõe-lhes, antiteticamente, Dona Isabel, superlativando-a, mais uma vez. Reitera-se, deste modo, a sua idealização, cujo virtuosismo admitia, extraordinariamente, o facto de ser mulher e a coroa que ostentava: “Menos Santa fora Isabel, se sua santidade naõ assentàra sobre mulher, & coroa” (1732: 8). Metaforicamente, o pregador compara a fragilidade da condição feminina ao vidro, e a preciosidade à coroa cinzelada de ouro, pois que a união destes metais permitiu uma espécie de alquimia: deles se formou a peanha que “levantou a Estatua de Isabel atè as Estrellas.” (1732: 8).

Seguidamente, através da utilização de jogos linguísticos ondulatórios e eivados de asserções paradoxais, o padre explicita a grandeza de Dona Isabel e responde à questão que colocara no ponto antecedente: “Porque naõ renunciou,& dimittio de si a coroa, para se cõformar” com o Euangelho?” (1732: 9). Responde, então: “Primeiramente digo, que si deixou Isabel a coroa; mas deixou-a sem a deixar, dimittioa sem a dimittir, & renuncioua sem a renunciar.” (1732: 9). O discurso evidencia a mansuetude de Dona Isabel e a sua temperança, não obstante a proeminência que a sua estirpe real lhe conferia. No encalço desta loa, frisa-se que a coroa principal de Isabel eram o cilício, que perseverava sob a púrpura; o jejum, porque afastava da mesa real as vitualhas, substituindo-as por pão e água; o recolhimento e a oração permanentes, enquanto os demais se regozijavam, assistindo aos saraus e participando nos festins; a esmola, pois servia de joelhos os pobres; o sacrifício, porque, sendo rainha, lavava os pés aos mais necessitados e, beijando-as, lhes curava as chagas.

Repetidamente demonstra, António Vieira, a erudição e o conhecimento profundo dos textos da Vulgata latina, recorrendo, nas celebrações litúrgicas, à tradução de São Jerónimo, agora pela evocação de São Paulo (Carta aos Filipenses 2,7). Apresentando a tese de contrários, equipara a vida e a atitude de Isabel ao Verbo Divino: “Deos, fazendose homem, naõ perdeo nada do que era, nem deixou nada do que tinha” (1732: 10). Cometimento análogo mostrou a esposa de Dom Dinis, cuja abnegação a elevou, como mulher e como rainha, acrescenta o orador: relegou o fausto mundano e a idolatria, “sendo por isso mesmo a mais admirauel de todas.” (1732: 11).

O enunciado que se segue atesta, novamente sob uma perspetiva encomiástica, a dupla majestade da rainha, o seu “grande cabedal”, comparando-o à supremacia do rei David sobre Abraão (Mt. 1,1). O padre corrobora o fundamento apresentado por São Tomás de Aquino, segundo o qual esta hegemonia residia no facto de a santidade “assentada sobre coroa” ser “mayor santidade” (1732: 11). Segue-se a aplicação do verbo prismático ouvir, que permite a “visualização” dos argumentos, tendo como base uma sentença que remonta a Santo Agostinho. O Doutor da Igreja apresenta Maria como arquétipo do amor sublime, do etéreo e da espiritualização, porque liberta do pecado, e assevera que “Maria Santissima concebẽdo, parindo, & ficando Virgem, naõ só cõseruou, mas dobrou a virgindade: Virginitatem, dum pareret, duplicauit.” (1732: 12). Também Isabel foi hábil a juntar as virtudes com os seus contrários. Os jogos de ideias antitéticas – ou mesmo paradoxais – brotam, prolíficos, quando o orador, numa extensa fórmula enumerativa de propriedades que exemplificam a virtuosidade da Rainha Santa, num paralelismo de construção, as duplica. A “humildade junta com a Magestade”, “a moderaçaõ junta com o supremo poder”, “o desprezo do mundo junto com o mesmo mũdo aos pès”, “a pobreza com a riqueza”, “a abstinencia com a abundancia,” “a mortificaçaõ com o regalo,” “a modestia com a lizonja” é “dobrada pobreza”, “dobrada abstinencia”, “dobrada mortificaçaõ”, “dobrada modestia” (1732: 13). Do discurso transparece uma magnífica preocupação laudatória da Rainha Santa, ao reiterar-se o argumento que tem vindo, constantemente, a encadear-se: Dona Isabel foi uma grande negociante do céu, procurando servir a Deus com modéstia e virtuosismo. Juntou a santidade com a majestade, para que fosse “mayor Santa, porque Rainha” (1732: 13).

No ponto que se segue, a utilização do verbo ver – também prismático – remete para a figura da mulher descrita por São João, no Apocalipse (12,1; 12,14), e que é, simbolicamente, anunciada como um grande prodígio que surge no céu: vestida de sol, com a lua debaixo dos pés, e com uma coroa de doze estrelas na cabeça. Esta imagem é, por muitos, associada à Mãe de Jesus, o que aproxima Dona Isabel da perfeição mariana. No discurso parenético, o sinal é dado por uma mulher que pisa a lua e tem o corpo no sol. Tal como sucede com Nossa Senhora, o caminho trilhado pela Rainha conduz à iluminação e à santidade. O orador utiliza o enunciado joanino para profetizar a elevação de Dona Isabel, que era “águia grande”, e interpreta as asas de águia dadas à mulher retratada pelo evangelista “a partir da consideração desta ave como a rainha da sua espécie, condição em que coincide Santa Isabel (Franco & Cabanas 2008: 190): “mulher com azas de Aguia, he mulher cõ prerogativas Reaes, he mulher com circunstãcias de Rainha.” (1732: 14). No tamanho do animal divisa o evangelizador a Espanha e no número dois antevê o reino de Aragão e o de Portugal, que se concentraram na figura isabelina (cf. Franco & Cabanas 2008: 190). Pelo recurso à enumeração pleonástica, agregada a uma imagética metaforizante, faz-se sobressair a Rainha como águia terrena e celeste: “leuantada sobre estas duas azas a santidade de Isabel, o grande della crecesse à mayor grandeza, o alto subisse à mayor altura, o luminozo à mayor luz, o celeste à mais celeste, & à mesma santidade a mais Santa.” (1732: 14).

No Livro dos Salmos (44,10; 44,14), David contempla uma rainha ornada com ouro provindo de Ofir, colocada à destra de Deus; a filha do rei apresenta duas galas diferentes: vestidos de brocados de ouro, por dentro, e indumentárias coloridas, exteriormente (idem: 44,15). O jesuíta fá-la corresponder a Dona Isabel, porque, à semelhança de Santa Clara ou de São Francisco, envergou o burel, ainda que rainha, sendo, por conseguinte, um modelo de ascese e de espiritualidade. Insiste-se na noção de que Dona Isabel é portadora de uma dupla majestade: por dentro, usa o hábito de clarissa; por fora, prenuncia a sua casta real o vestido ornado a ouro, de que tremeluzem os escudos do reino que a viu nascer e o do que a acolheu para a eternidade. O discurso modular de padre António Vieira enfatiza a mesma conceção panegírica exposta desde o início – se “Isabel he gloriosa, & exaltada no Ceo por Santa; muito mais exaltada he por Santa sobre Rainha” (1732: 16).

 

  • .IV.

No ponto que se segue, transfere-se, ou permuta-se, a condição de Dona Isabel como rainha, destacando-se, agora, os seus predicados como Santa. Para demonstrar linguisticamente esse tópico, o orador exibe, no discurso, uma perspetiva quiasmática, muito evidente na equação “mayor Santa, porque Rainha” e “mayor Rainha, porque Santa”. Passa a definir-se a grandiosidade de Dona Isabel colocando a tónica na sua beatitude, numa composição discursiva refinada, que prima pela acumulação de pormenores e que mescla diversos e múltiplos artifícios retóricos. Para tal, o padre recorre à repetição anafórica; à construção paralelística; à enumeração; à aliteração da consoante nasal –m e da constritiva vibrante –r, e à gradação ascendente: “[P]elos privilegios de Sãta, foy Rainha mayor que Rainha, porque foy Rainha cõ mayor poder, Rainha com maior jurisdiçaõ, Rainha cõ mayor imperio.” O animismo das coroas de Aragão e Portugal fá-las escolher Isabel para as usar, não o contrário: “[P]orque buscada das coroas, ella buscou a santidade, por isso essa mesma santidade lhe acrescẽtou a coroa, & a fez muito mayor Rainha.” (1732: 17).

De seguida, através de uma disposição comparativa, o orador estabelece uma analogia entre a conduta de Dona Isabel e a de Jesus. Em São João (19,12), lê-se: “Todo aquele que se faz rei declara-se contra César.” Os judeus censuravam Jesus, porque se dizia rei, e exigiam que fosse punido. Os padres católicos e os comentadores das Sagradas Escrituras – afiança o pregador – refutam esta calúnia, declinando que Jesus se autoproclamava rei. Mas São Leão Papa, o Magno, com mais “alto pensamento”, ao ler as acusações que imputavam a Jesus diante de Pôncio Pilatos, acrescenta, com um raciocínio apurado, que Jesus se fez rei, mas não como César. Na sua ótica, fez-se maior rei que César e que todos os reis. Igual atributo concede Padre António Vieira a Santa Isabel, cujo modelo crístico seguia: vemo-la obrando maravilhas nos hospitais, curando cegos, mudos, aleijados e mancos e resgatando os moribundos. A revelação destes prodígios expressa a caridade – a manifestação mais sublime do amor a Deus –, um dos postulados mais frequentemente enaltecidos pela oratória sacra do Barroco. Também a compaixão é uma virtude intrínseca à personalidade da Rainha. Estabelece-se, neste contexto, uma noção dicotómica que contrapõe a soberania milagrosa de Dona Isabel ao poder destrutivo evidenciado pelos outros reis e rainhas, que, por inúmeras razões, provocam moléstias e deficiências físicas aos súbditos. Numa enumeração pletórica que as denuncia, o pregador jesuíta expõe os danos horrendos que os soberanos infligem aos homens, que obrigam a lutar em seu nome: uns andam apoiados em muletas; outros arrastam-se; há-os sem braços, sem pernas ou sem olhos; uns pedem esmolas com os dedos, pois não têm língua… Invocando esses sofredores estropeados, o próprio orador os remete para a condição de não-homens, anunciada pelo adínato: “[H]omens que naõ sois homens, senão parte de homens” (1732: 18).

A glória e o governo terrenos despontam, nesta imagem, numa vertente assaz negativa e pérfida, porquanto os reis são apresentados como varões capazes de mandar açoitar os homens ou de os abater. Conhecendo a faceta mais obscura da essência humana, no Livro dos Salmos alerta-se para a inconstância dos príncipes/poderosos, seres inconfiáveis, pois que neles não há salvação (Sl. 145-3). Face a este arrazoado alvitre, o pregador acentua a noção de que, não obstante o benefício de que gozam, a sua jurisdição se cinge ao aniquilamento, não à faculdade demiúrgica da criação. Nesse sentido, e convocando uma glosa de Cristo, cita o evangelista Mateus (10.28), que realça a oposição corpo perecível/alma eterna: “Nolite timere eos, qui occidunt corpus.” [“Não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma.”] No encalço das obras divinas, operadas de forma taumatúrgica por Cristo, Santa Isabel cura(va) o mal provocado pelos reis, porque “senhora da saude, & da vida: & por isso mayor Rainha que todas as Rainhas” (1732: 19).

 

  • .V.

O enunciado prossegue com o panegírico da Rainha, pela confirmação das suas virtudes, expondo-se os maiores feitos que na sua vida ocorreram. No relato dos milagres que se lhe imputam, descreve-se o sucedido aquando da chegada a Santarém, para ver o túmulo de Santa Iria. Ao surgir na praia, reverenciando-a, o Tejo, animizado, desune as suas águas e, abrindo-se, levantam-se dois muros de cristal: “[O]s peyxes como ás janellas, em cardumes, & atonitos, pasmando da maravilha” (1732: 19). Caminhando “por aquella rua nova” sobre o bordão, emblema que espelha a sua religiosidade, Isabel pisa as areias do Tejo[iv] – até ao momento ocultas –, que se lhe estendem, auríficas, como reconhecimento do seu caráter excecional. Ressalve-se que esta característica do rio já figurava em Ovídio (séc. I); nas Metamorfoses (II, 59), refere-se que um incêndio, que tudo queimou na Terra, fundiu o ouro do Tejo. Tornemos ao sermão: ante a surpresa geral, aflora a tumba.

De notar que a inclusão deste episódio se associa a outras manifestações consignadas na Bíblia e que servem para confirmar e legitimar a santidade e o prestígio de Dona Isabel. Num passado remoto, aludiu-se à abertura do rio Jordão e do Mar Vermelho à vista da Arca do Testamento. Esta narração, abrangida nos livros sapienciais do Antigo Testamento, mantém pontos de confluência com os descritos pelo jesuíta. Vejamos: “[E] do que dantes era água viu–se emergir terra seca,/ o Mar Vermelho tornou-se um caminho transitável,/ e as ondas impetuosas, uma planície verdejante” (Sb. 19,7). A referência aos Salmos (113, 5), a evocação do Êxodo (25,11) e do Livro de Job (40,18) acentuam a magnificência e a majestade de Isabel, superiores às de David, ainda que rei coroado e santo. Num jogo de construção sintática paralelística, frisado pelas antíteses, enaltece-se a figura da Rainha: “Lá o Jordaõ parado, cá o Tejo parado”; “lá a Arca coroada, cá Isabel coroada”; “lá a Arca caminhãdo a pè enxuto: cà Isabel a pè enxuto”. As águas dos rios apartaram-se: “lá”, porque o rio contemplou “a face de Deos”, “cá”, porque viu “a face de Isabel”; “lá”, porque viu “a face do Senhor de Israel”, “cá”, porque viu “a face da Rainha de Portugal” (1732: 20).

A asserção com que finda o parágrafo valida o testemunho com que se inicia o §.IV., incidindo no virtuosismo sobrenatural da Rainha, pela cadência ondulatória lexical, ao nível da estrutura sintagmática, pelo recurso às aliterações da sibilante –s e da constritiva vibrante –r, e pela reiteração semântica: “[À]s outras [rainhas] naõ se firmava [o Tejo]: porque as outras eraõ Rainhas, Isabel era Rainha, & Santa, & por isso mayor Rainha.” 

 

  • .VI.

Como temos vindo a constatar ao longo da prédica, a exaltação da Rainha vai-se desvelando gradativamente, pela exposição contínua, não apenas das qualidades espirituais e ascéticas que denota, mas também pelo reconhecimento da sua elevada estirpe. Aludindo à época primaveril que assoma, António Vieira aponta para umas rosas existentes na capela, elemento que encadeará a tessitura discursiva até ao remate da Confirmação, porque associado ao prodígio mais extraordinário e mais comummente associado à mulher de Dom Dinis. Trata-se, obviamente, daquele episódio que lhe confere um poder grandioso e que ficou eternizado como o Milagre das Rosas.

O orador convoca as metamorfoses obradas por Moisés, citando o Êxodo (7,1). Pelo recurso à enumeração, discorre sobre tais maravilhas: o profeta converteu a vara em serpente; o Nilo em sangue; a água em rãs; o pó em mosquitos. Moisés é qualificado Deus de Faraó, não rei de Faraó. O pregador jesuíta insiste que os títulos se harmonizam com os poderes, por conseguinte, a capacidade de comutar uma substância noutra, é uma jurisdição “mais alta q᷅ a dos Reys” (1732: 21). Para exemplificar este preceito, alude ao momento em que, reconhecendo a imanência da sua autoridade, o Demónio tenta Cristo, para que converta as pedras em pão, num desafio que evoca a sua natureza divina – “Si Filius Dei es.” (Mt .4,3). Contudo, não o apelida do mesmo modo quando lhe oferece todos os reinos do mundo, pois que o poder da transmutação é poder divino, não um poder real. Tendo como escopo convencer o auditor/leitor dos fenómenos operados por Dona Isabel, instaura-se uma analogia entre a Rainha e o próprio Cristo. Para tal, o orador socorre-se, uma vez mais, da Bíblia (Sl. 32,9), e cita o episódio veterotestamentário da Criação. Recorde-se, a título parentético, o relato do Génesis: a partir do Verbo, todas as coisas emergiram do caos, por ordem divina – “Fiat lux”.

Pela alteração do ouro em rosas, anuncia Isabel o domínio da alomorfia, o que vai ao encontro da excelência moral que a faz distanciar dos seus congéneres. De facto, estes ambicionam e julgam poder “arremedar” a Deus, mas não possuem verdadeiramente tal mestria. Acrescenta- -se que esse poder foi, em Cristo, “ordinario, em Isabel poder delegado; mas infinitamente mayor que todos os poderes Reaes.” (1732: 23). São Paulo, na Carta aos Romanos (4,17), certifica que Deus ressuscita os mortos, que chama à existência os que não existem; em Lucas (22,19), refere-se que Cristo transformou em pão o seu corpo. Pelo recurso à gradação ascendente, o orador realça a capacidade alquímica da Rainha, o dom mais inestimável que recebeu, neste caso consubstanciado no milagre das rosas – “Naõ levantou as mãos, naõ orou, naõ pedio, naõ mãdou: só disse, que eraõ rosas as moedas, & foraõ rosas.” (1732: 23).

Da oratória de Vieira desprende-se, amiúde, um conhecimento notável da patrologia e, no encadeamento exposto, pela alusão a São Basílio de Selêucida, que glorifica a soberania e a omnipotência do demiurgo do universo. Certo dia, manda Deus chamar os animais à sua presença, e ao homem primordial, que intitulara rei do mundo, atribui a função de os nomear (Génesis 2,19). A desconformidade que baliza a omnipotência divina da prerrogativa outorgada aos soberanos do orbe – na senda do poder autorizado a Adão – é abismal, e frisada pela conjunção coordenativa adversativa, que sublinhamos: “mas dar ser, ou tirar ser, ou mudar ser, não chega lá a sua jurisdição, por mais poderosos” que sejam (1732: 23). Enquanto rainha, aquela competência era intrínseca a Dona Isabel, pois conferia títulos honoríficos; mas apenas isso estava ao seu alcance: nomear. Almejando persuadir o público da sua singularidade, Vieira particulariza a dimensão etérea que envolve a mulher do Rei Trovador, que lhe permitia executar gestos extraordinários. Insiste, para tal, na estrutura ondulatória e repetitiva do enunciado, com o propósito de a engrandecer, pois que, pela pureza de coração, se demarca de todos os reis ou rainhas que povoa(ra)m a Terra. Pela concessão que lhe vinha do Alto, os nomes que atribuía também “davaõ ser” e “mudavaõ ser”, o que a torna(va) “mayor Rainha que todas as Rainhas” (1732: 24).

No parágrafo subsequente, inscreve-se o tema da morte, fazendo-o rivalizar com o de imortalidade. Não será anódino trazer à colação o termo que vincula os dois polos, quer a nível semântico, por contraste, quer a nível da precedência, em termos existenciais: vida. Nos estudos desenvolvidos por Pierre Chaunu, remete-se para o elo inextrincável que une os conceitos vida e morte: “ – La première règle, bien sûr, est que la mort est une donnée même de la vie. Partout où la vie apparaît, la mort l’accompagne.”  (1976: 33). O historiador sublinha, ainda, que “La mort chrétienne est, par essence, une mort subordonnée. Au centre du judéo-christianisme se trouve une théologie, non une anthropologie.” (idem: 36). Retornemos ao sermão. A parte final do §.VI. consagra-se ao Livro de Oseias (13,14) e ao Livro dos Salmos (15,10). Insiste-se no predomínio de jogos conceptuais e pleonásticos, determinados pela exuberância de impossibilia e de palavras cognatas – “morte”, “morre”, “morta”; “matando”, “mata”, “matou”; “pode”, “poder” e “todo poderoso”. O orador assevera que a morte derruba todas as rainhas e todos os reis, e isso é inquestionável, mas este “poder todo poderoso” (1732: 24) revelou-se, afinal, muito frágil e delicado, pois foi sujeito à “nossa Rainha”. São Jerónimo relembra que Cristo resistiu ao poder do sepulcro, pela ressurreição, e Vieira sanciona este milagre: “[Q]uando a morte morre matando, quando a morte mata, & fica morta, naõ pòde desfazer o corpo do mesmo, a quem matou; e assi naõ pode desfazer o de Christo, mais poderoso que ella.” (1732: 24). O Filho de Deus foi subtraído à lei do esquecimento, que é a noite eterna, ressuscitando ao terceiro dia.

Sob o signo da analogia que se institui entre a Rainha Santa Isabel e Cristo, reconhecemos que a fatal evanescência dos humanos, que os vates latinos, inspirados no testemunho de Qohélet (Eclesiastes), amarguradamente cantavam – a trágica vanitas vanitatum da condição humana –, é contrariada no e pelo corpo de Dona Isabel. A figura da Rainha conserva-se miraculosamente incorrupta “há trezentos anos”, afiança o pregador, o que perfaz seiscentos e oitenta e cinco anos, no que a 2021 respeita. Padre António Vieira remata a Confirmação em chave de ouro, como se de um soneto se tratasse, elegendo como corolário da beatitude um argumento irrefutável para aclamar a excelsitude da Rainha. A mais-que-perfeita e olorosa das flores que nos jardins do Rei-Poeta despontou não se extinguiu, porque a gélida Thanatos, que a todos os seres emudece e eclipsa, não teve permissão dos deuses para a obscurecer: “Naõ da coroa, senaõ da santidade” (1732: 24).   

 

  1. PERORAÇÃO
  • .VII.

A Peroração cinge-se à conclusão das provas inicialmente exibidas pelo orador. Neste parágrafo, acentua-se a noção contrastiva que opõe a mortalidade física de Isabel – mas não a putrefação do corpo – à imortalidade da sua alma. O sermonário do padre jesuíta surge eivado de imagens metaforicamente associadas à centelha fátua que alimenta a vida e que depressa se esvai, como o fumo que desce para as cabeças. Muitos dos seus textos opõem, dicotomicamente, a cor e a beleza (fugaz) de um rosto perfeito e de um corpo esbelto de mulher, e a impressão desoladora que ressalta do outro lado do espelho – a correlativa imagem de defunta – exangue, plúmbea, desfigurada. Numa palavra: em corrupção.

Para ilustrar a grandeza da Rainha Santa, o pregador elogia uma outra figura histórica que a iguala em estirpe, no nome de batismo, na mesma ligação ao reino de Portugal e na brandura: Dona Isabel, filha de Dom Manuel e de Dona Maria, e dileta esposa do Imperador da Alemanha. Enquanto o marido, Carlos V, corria o mundo, disseminando e impondo, por armas, o seu poder, residia Dona Isabel em Toledo, ignorando o fausto, dedicando as horas a Deus e à oração, ou convivendo com os numerosos filhos que gerara.

Após ter falecido, quando São Francisco de Borja[v] abriu o ataúde em que repousava, que já havia suportado quinze dias de traslação, ficou assombrado, ao ver corrupto um corpo que, pouco antes, fora “um milagre da natureza”. Ao descrever a Imperatriz, e refletindo sobre a sua condição de cadáver, o jesuíta, procurando afetar e perturbar o leitor/ouvinte, evoca a sua beleza pretérita, reduzindo-a ao trágico niilismo que em breve a converteria em pó. Pelo recurso à comparação, destaca-se a vida (terrena) de ambas as rainhas, bem como as virtudes que as caracterizavam, culminando o discurso no que verdadeiramente as diferencia: a mortalidade de uma e a imortalidade da outra – “Acolà Isabel, aqui Isabel: acolà hũa coroa, aqui outra coroa: acolà hum corpo morto, & todo corrüpçaõ, aqui outro corpo morto, mas incorruptiuel, & como immortal.” (1732: 25).[vi] Depois, numa teatralização evocada pela predominância da tripla notação interjetiva, que serve para reforçar o espanto a(i)nteriormente provocado, insiste-se na incorruptibilidade do corpo da mulher de Dom Dinis, por oposição ao da sua homónima: “Oh que mudança! Oh q᷅ differença! Oh que desengano!” (1732: 25). O orador recorre, ainda, ao Livro dos Salmos (2,10), para certificar a excelência da santidade sobre o poder terreno: “Et nunc Reges intelligite, erudimini qui judicatis terram.” (1732: 25) – [“E agora, prestai atenção, ó reis!/ Deixai-vos instruir, juízes da terra!”]

Recorrendo à técnica do sumário, Padre António Vieira finaliza a sua explanação valendo-se de um quod erat demonstrandum, perseverando na diferença oculta por detrás da máscara contraditória que, na esteira de Quintiliano, o filósofo holandês Søren Kierkegaard (séc. XIX), num estudo dedicado ao mecanismo da ironia, dizia interpor-se entre o ser e o parecer. Ou, nas palavras do jesuíta, entre o “aparente” e o “verdadeiro”; o “Real” ou “Imperial” e o “Santo”; “hũa coroa” e “outra coroa” e de “reynar a reynar” (1732: 25). Não é forçoso que os monarcas renunciem ao trono e se despojem das riquezas, como fez Carlos V. Abdicando do seu estatuto imperial, relegando as vestes purpúreas que durante anos envergara, recolheu-se ao Monasterio de San Jeronimo de Yuste, onde entregou a alma a Deus. Importante é que os reis aprendam a negociar com as coroas e se tornem santos. O desfecho da Peroração sanciona o “grande cabedal” com que Dona Isabel soube negociar as duas coroas, tese que, como vimos, se apresenta logo no início da Exposição. Porque rainha e santa, a virtuosa neta criada por Dom Jaime de Aragão é um modelo que todos os reis e rainhas devem seguir – Exemplum ad imitandum.

O Exórdio da certidão que, em 1174 Guy, conde de Nevers, concede aos habitantes de Tonnerre, declara que o uso das letras “foi descoberto e inventado para conservar a memória das coisas” porque, pelos registos, perduram, no tempo (Goff 2000: 33-34). Pelas alegações aduzidas, reconhecemos que a suave mutabilidade corpórea da Infanta Aragonesa e Rainha de Portugal acompanha os atos mágicos e inefáveis que cometeu, também perenes, porque inscritos nos livros de Deus e nos dos homens – privilégio que lhe foi concedido “não por Rainha, mas por Santa” (1732: 24). Pela dupla majestade que encerra – a terrena e a celeste – a Rainha Santa Isabel será sempre venerada, não só pelos milagres guardados na memória de quem os vivenciou, e que foram passando de voz em voz, de geração em geração, mas sobretudo pelos registos que a eterniza(ra)m: “[N]a terra, em quanto durar o mundo, sobre os Altares, & no Ceo, por toda a Eternidade em sublime trono de Gloria.” (1732: 26). 

 

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[i] https://www.letralibre.es/2010/05/comentario-de-texto-literario-lope-de.html. Vide, a este propósito, o artigo “Vieira Pregador Barroco”, de Ana Hatherly (2011: 96).

[ii] Todas as citações alusivas ao Sermão da Rainha Santa serão realizadas a partir da obra Sermoens do Pe. Antonio Vieira, da Companhia de Jesv, Prégador de Sua Alteza. Segunda Parte. Lisboa, Na Officina de Miguel Deslandes. M.DC.LXXXII.

[iii] Incitado pelo rei de Corinto a desposar a sua filha Creúsa, mesmo sendo casado, Jasão acaba por repudiar Medeia, a quem se havia unido (Hacquard 1996: 191-192).

[iv] De acordo com a mitologia clássica, Tagus era a entidade (antropomorfizada) que habitava o rio. Ao apostrofar as Ninfas, na Elegia I, vv. 95-96, Camões alude a essa riqueza: “ou por colherdes ouro rutilante,/ das Tágicas areias rico fruto;” e na Écloga III, vv. 105-108 Garcilaso de la Vega referencia, igualmente, o trabalho desenvolvido pelas Ninfas: “Las telas eran hechas y tejidas/ del oro que el felice Tajo envía,/ apurado, después de bien cernidas/ las menudas arenas do se cría.” (apud Cervantes 1973: 21). Muitos outros textos, como o Prólogo de O Engenhoso Fidalgo Dom Quixote de La Mancha, aludem às areias douradas do Tejo, o rio que oscula os muros de Olissipo.

[v] São Francisco de Borja, da Companhia de Jesus, foi canonizado pelo Papa Clemente X três anos antes da pregação do Panegírico da Rainha Santa, em 1671.

[vi] Dona Isabel revelava uma saúde muito débil, todavia, em junho, intentando restabelecer a paz entre o seu filho, Dom Afonso IV, e o seu neto Dom Afonso XI de Castela, dirigiu-se para Estremoz. Faleceu naquele lugar, atingida pela peste. Dom Afonso IV cumpriu a vontade testamentária da mãe e ordenou que o seu corpo fosse levado para o Mosteiro de Santa Clara, em Coimbra, não obstante as opiniões divergentes, que aconselhavam o rei a sepultá-la na igreja de São Francisco, em Estremoz, ou na catedral de Évora. Vestiram a rainha com o hábito das Clarissas e envolveram-na numa pele de boi e com um pano de brocado repregado por cima. Devido ao calor que se fazia sentir, logo nos primeiros dias do cortejo fúnebre começaram a abrir-se fendas no ataúde, de que escorriam líquidos e um odor agradável a flores, pois o seu corpo tinha sido coberto por rosas. Perante a circunstância, os que acompanhavam o préstito estavam maravilhados. Coimbra recebeu a rainha com choro, mas também com aclamações. O corpo deu entrada no Mosteiro de Santa Clara, todavia, não foi exposto à veneração do público, como era expectável. Antes de se fechar o túmulo, colocaram-lhe o bordão e a bolsa que o arcebispo de S. Tiago de Galiza lhe oferecera, aquando da primeira vez que fora em peregrinação a Compostela, muitos anos antes. O ataúde foi aberto com a anuência do Sumo Pontífice, a 26 de março de 1612, sendo a cerimónia presidida por Dom Afonso de Castelo Branco, Bispo de Coimbra. Quando se destapou, da rainha exalava um aroma suave. Ante a estupefação geral, o rosto mostrava-se sereno, “inteiro e incorrupto, branco como se fosse de cera, a cabeça coberta de louros cabelos, perfeitamente seguros na pele, a boca e olhos fechados e bem compostos, tendo impresso na fisionomia o cunho da bondade e majestade que haviam sido apanagio (sic) da Rainha Santa.” – Isabel d’Aragão a Rainha Santa (s/n 1921: 16).


[1] https://www.letralibre.es/2010/05/comentario-de-texto-literario-lope-de.html. Vide, a este propósito, o artigo “Vieira Pregador Barroco”, de Ana Hatherly (2011: 96).

[2] Todas as citações alusivas ao Sermão da Rainha Santa serão realizadas a partir da obra Sermoens do Pe. Antonio Vieira, da Companhia de Jesv, Prégador de Sua Alteza. Segunda Parte. Lisboa, Na Officina de Miguel Deslandes. M.DC.LXXXII.

[3] Incitado pelo rei de Corinto a desposar a sua filha Creúsa, mesmo sendo casado, Jasão acaba por repudiar Medeia, a quem se havia unido (Hacquard 1996: 191-192).

[4] De acordo com a mitologia clássica, Tagus era a entidade (antropomorfizada) que habitava o rio. Ao apostrofar as Ninfas, na Elegia I, vv. 95-96, Camões alude a essa riqueza: “ou por colherdes ouro rutilante,/ das Tágicas areias rico fruto;” e na Écloga III, vv. 105-108 Garcilaso de la Vega referencia, igualmente, o trabalho desenvolvido pelas Ninfas: “Las telas eran hechas y tejidas/ del oro que el felice Tajo envía,/ apurado, después de bien cernidas/ las menudas arenas do se cría.” (apud Cervantes 1973: 21). Muitos outros textos, como o Prólogo de O Engenhoso Fidalgo Dom Quixote de La Mancha, aludem às areias douradas do Tejo, o rio que oscula os muros de Olissipo.

[5] São Francisco de Borja, da Companhia de Jesus, foi canonizado pelo Papa Clemente X três anos antes da pregação do Panegírico da Rainha Santa, em 1671.

[6] Dona Isabel revelava uma saúde muito débil, todavia, em junho, intentando restabelecer a paz entre o seu filho, Dom Afonso IV, e o seu neto Dom Afonso XI de Castela, dirigiu-se para Estremoz. Faleceu naquele lugar, atingida pela peste. Dom Afonso IV cumpriu a vontade testamentária da mãe e ordenou que o seu corpo fosse levado para o Mosteiro de Santa Clara, em Coimbra, não obstante as opiniões divergentes, que aconselhavam o rei a sepultá-la na igreja de São Francisco, em Estremoz, ou na catedral de Évora. Vestiram a rainha com o hábito das Clarissas e envolveram-na numa pele de boi e com um pano de brocado repregado por cima. Devido ao calor que se fazia sentir, logo nos primeiros dias do cortejo fúnebre começaram a abrir-se fendas no ataúde, de que escorriam líquidos e um odor agradável a flores, pois o seu corpo tinha sido coberto por rosas. Perante a circunstância, os que acompanhavam o préstito estavam maravilhados. Coimbra recebeu a rainha com choro, mas também com aclamações. O corpo deu entrada no Mosteiro de Santa Clara, todavia, não foi exposto à veneração do público, como era expectável. Antes de se fechar o túmulo, colocaram-lhe o bordão e a bolsa que o arcebispo de S. Tiago de Galiza lhe oferecera, aquando da primeira vez que fora em peregrinação a Compostela, muitos anos antes. O ataúde foi aberto com a anuência do Sumo Pontífice, a 26 de março de 1612, sendo a cerimónia presidida por Dom Afonso de Castelo Branco, Bispo de Coimbra. Quando se destapou, da rainha exalava um aroma suave. Ante a estupefação geral, o rosto mostrava-se sereno, “inteiro e incorrupto, branco como se fosse de cera, a cabeça coberta de louros cabelos, perfeitamente seguros na pele, a boca e olhos fechados e bem compostos, tendo impresso na fisionomia o cunho da bondade e majestade que haviam sido apanagio (sic) da Rainha Santa.” – Isabel d’Aragão a Rainha Santa (s/n 1921: 16).