Inocencia Montes, de facto, uma figura-fulgor

 

PAULO BRITO E ABREU


 

( à Cultura Espanhola dos séculos XX e XXI )

 

«O que é preciso é cultivar o nosso jardim.» Esta frase com que Voltaire o seu «Cândido» remata, ela é súmula da Maia de Inocencia Montes. Sempre tendo em atenção que a Arte oratória é Arte aratória, nós estamos, à guisa de Ovídio, nós somos perante um livro de Arte Amatória. Inocencia está de acordo com a liga, e a língua, novilatina: o himeneu, aqui, é rompimento do hímen. E só por isso uma amante compõe o seu hino. Como o fizeram, outrossim, Florbela Espanca ( 1894 – 1930 ) e a Safo ( séc. VII a. C.- VI a. C. ). E a notória, nitente, Natália Correia ( 1923 – 1993 ). E ora vamos ovante avante. Ouçamos a Autora no poema «Romances…»: «É como te digo… / que antes de ti, fiz amor / com muitas letras. / Que fui possuída por muitos parágrafos soltos, / que muitos versos / esparramaram o seu sémen fecundando-me durante horas»; e tu não sentes, aqui, a erotização, em diverso, do nosso Uni-verso??? À guisa, caroal, de Sigmund Freud ( 1856 – 1939 ), reata ligações, esta Obra, com a anárquica Afrodite, e nela divisamos o Georges Bataille ( 1897 – 1962 ). Se o Baco, para os Antigos, é o deus das Belas-Artes, das antigas bacanais, no povo heleno, derivaram, deveras, as peças teatrais. E a Lucina, de feito, ela vem, ela advém, do aluamento. Sendo a tragédia, etimologicamente, o «cântico do bode». Pois o estro é qual o Astro, e estua, no seu peito, o estrogénio perene. Que as bacantes e as Ménades, elas são, no sal e Sol, «As Sentinelas do Vinho»: «As mulheres, sentinelas do vinho, / guardam na sua cuba / os filhos para o futuro. / ( … ) «Continuarão a caminhar, / com cantigas de embalar… / e abrindo ao Sol as suas vaginas, / deixando a pele em cada orgasmo, / como rebentos de vara pelas vinhas. / Com a luz das lucernas / entrarão a parir nas bodegas, / onde o seu ventre, feito de carvalho, / resolve todos os enigmas. / Amarão o licor que os seus peitos espremeram / nas bocas dos filhos.» E vem aqui, a talho de foice, o que ela diz de «O Meu Filho»: «É o único ser / que me habitou / e me conhece por dentro. / O eleito / que teve acesso ao micro-cosmos diminuto / do alfobre.» É força, aqui, é força dizê-lo: a Maternidade, para Montes, é sacerdócio que a Natura conferiu à mulher. E a Vénus, por isso, é venusta, e as heteras são demais o discurso do Outro. E bebendo, sempre e sempre, no seu couto privado adentro do peito. Nos amparemos, e escoremos, em hermenêutica perene: se o «liber», a libar, é deveras libertário, do genial ao genital vai um passo muito curto; e falamos, qual o Freud, duma pulsão libidinal: a amorosa paixão é uma forma de vesânia, é a única loucura socialmente aceitável, e se amante é qual amente os tópicos são tropos: «Gosto desse odor a suor primitivo / que tem o meu homem quando ejacula / e me absolve do pecado de ser livre.» E dirigindo-se ao deus do seu coração, afiança, de facto, a nossa Poetisa: «Senhor: O meu pecado é amar. / Com esse amor reservado aos deuses. / Exclusivo de poucos. / Privilégio de alguns. / O meu pecado é amar.» O Amor, aqui, está contra a discórdia – e o Eros, liberal, é contra o «Thanatos». E, como em Carl Rogers, a simpatia, ou empatia, ela sana, sara e cura a patologia. E mais do que o «pathos», insiste, e resiste, a solerte compaixão – e é patética a purga, e são as vozes recônditas que vêm do Ser. Que Inocencia, de facto, não quer perder a razão; ela anela, e ela quer, o que a razão nos faz perder. «Coração de andorinha», lê-se, fulgor, na página 7, e surde a Primavera bem dentro da «esphera», e é fêmea Narciso em solerte Paraíso. Que o belo, dizia Kant, é «o que agrada universalmente, ainda que não se possa justificar intelectualmente», ou, em termos do Aquinate, o belo é aquilo que agrada quando visto. Quer dizer: «O belo», pra São Tomás, «é aquilo que provoca um conhecimento gozoso.» E a Beleza, por isso, é convulsiva, o canto é encanto e o carme é o charme. Ou melhor: a Lira delira, como vimos, em palpação da Nova Era. E se o Poeta Fernando Pessoa se transformou, para os pósteros, no fenómeno Fernando Pessoa ( 1888 – 1935 ) é que ele fazia, da Poesia, um corpo virtual, um corpo formidando e a plaga formidável. Por isso «o livro», para Aristóteles, «é um animal vivo», bem vivo e activo nas Almas de Hermes. Sendo o senso, por isso, o sensual. A gesta, a demanda, e a festa dos sentidos. Sendo a Poesia, para Inocencia, o imanar imaginal, uma greve consciente, e constante, contra o princípio do real. «É como te digo», asserta a Poeta, «que antes de ti / houve uma orgia desde o a ao z nas minhas noites, / e que mantive tórridos romances com muitos outros… / poemas». E não alembras, aqui, o «Romanceiro Cigano» de Federico García Lorca ( 1898 – 1936 ) ??? A noute, por isso, pertence aos amantes. Ao princípio, solar, da razão, opõe-se, na pitonisa, o princípio, lunar, do cor e coração. Quero eu dizer: o jugo opõe-se ao jogo como se opõe, o emprego, à recreação. E só por isso o «Homo Ludens», por isso o mundo de Inocencia ele é, prementemente, um mundo mágico-simbólico. Em mentar do Estagirita, o homem é um animal político, e provido de «Logos»; mas Inocencia corrige e acura: acima de tudo, o homem é, deveras, um animal simbólico. Se a Poesia, no lance, é estultícia? Se a Lua, ou o libar, é lunático, ao luar??? A Noite, nitente, é o diverso, o inverso, e por isso é o verso. O Kant ( 1724 – 1804 ) já, decerto, ele já o divisou:  a bem do preste inconsciente, aqui a mágica é a meiga, «o louco é um homem que sonha acordado.» A função, aqui, de Inocencia é revelar-nos aquilo a que Malraux ( 1901 – 1976 ) chama a «arte nocturna do mundo», o nosso irmão das vestes negras, o fanal e o timbre da imaginação. E por isso, também, do fetiche e fantasma. Já falámos, aqui, do genial. Ora o génio não se aprende, não se adquire por meio do estudo, ele nasce, ingénito, connosco, ele é portanto similar a uma terra fecunda, tornada frol e produtiva por o trabalho do Agricultor. Cremos que esse Agricultor, ele é Poeta e Professor. Como o disse Rousseau ( 1712 – 1778 ) no início do «Emílio»: «Moldam-se as plantas através da cultura, os homens através da educação.» Por isso apela, a educação, à pronta e à preste transmutação. Que é, outrossim, uma trans-mundação. E temos, então, a Biblioteca, como um flórido, flóreo, polido jardim. Os Antigos lhe chamavam Museu, quero eu dizer, o Templo das Musas. E a Musa é «amusable», e «amuser», portanto, é o «divertissement». E o educar, por isso, é con-fiar, é Música, Museu, do alimentar. E dêmos a vez, e a voz, à dilecta Inocencia: «Parece-me que tenho sono. / Pouso o livro a um lado da manta / e fecho os olhos. Quero dormir. / Vou meter-me entre os matagais da vida. / Deixar-me-ei cair de papo para o ar, / a olhar como passam as nuvens. / Gosto desta: tem forma de sapato velho. / Como eu. / Já a dormir, sonho que me apetece adormecer de novo. / Fecho os olhos uma vez mais, / encho-me de ar e ‘readormeço’». Em lhaneza de chão plano, Inocencia é aquela que morre todalas noutes, pra voltar a nascer no dia seguinte. Apetece cotejar com o Shakespeare ( 1564 – 1616 ), xamã: «Somos feitos da mesma matéria de que são feitos os sonhos, e a nossa vida breve está cercada por um sono.» Subscrevo, inteiramente, o razoar de Schopenhauer ( 1788 – 1860 ): a vida vígil, e os sonhos, são páginas, ou laudas, de um mesmo e único livro, «Liber Mundi», lhe chamei, há cerca de anos seis. Que a Poesia, como o sonho, a Poesia se alicerça em pensamento mítico, e o Mito é representação arcana e arcaica, primitiva dum povo. Que o Eu, nesta leiva, é um Outro. O inconsciente pessoal, nesta Lira, se aduna, ou reúne, ao Inconsciente Colectivo – e atinge, por isso, a universalidade da Ideia platónica. E é por isso que Inocencia Montes, a par de Miguel Fernández, não falam só por si, eles são o cor, a sangrar, do úbere e do orbe, da Ibérica Península: «Ubéria» lhe chamava, no lance, o Dórdio Guimarães ( 1938 – 1997 ). Por isso sendo, esta Poesia, Portugalaica. Ou melhor: uma revivescência, no século XXI, do «Amadis de Gaula», e das Cantigas de Amigo. Sendo assim, a Palavra de Inocencia é como Pão e é como leite, é pois alento, e alimento, em sápido e deleite, ela é fogo e ela é flama, é magia das imagens. «Magie», desta sorte, anagrama de «image». Se a imagem vem do sonho, o crítico literário, aqui, é como o Psicanalista, é um novo Champollion ( 1790 – 1832 ) perante os hieróglifos. Dizer isto é aceitar, e acatar, o pensamento, e o comento, do Jacques Lacan ( 1901 – 1981 ): é que «o inconsciente está estruturado como uma linguagem», e essa linguagem, libertária, é, no fundo, aquilo que nos liga. Na estância e no estudo, no escol e na escola. Pois que o «pathos» é patético, e peripatético. Pois que liba, a libido, o fasto «Liber Pater». E o faz e o livra, libertariamente. E em poemas, dilectos, como «Sou Puta» e «Mal-Casada», Poesia é exorcismo, Poesia é qual a forma de evacuação. É o fel e é o sangue, é o escarro da Poeta contra o Fado e o Destino. A provação, profanação, o clamor da privação. A promover, e a parir, uma celeste aparição. Que a linguagem, para Heidegger, é a Casa do Ser. Os Poetas e Filósofos, os guardas, guardiãos, dessa habitação. Mas «nós as mulheres somos as guardiãs do mundo, / um dia pôr-nos-emos todas de acordo / e eles não nascerão.» Mas ora bonda e ora sus. Já sabemos que Inocencia é mar e Mãe. Que ela é, dessarte, materna e terna. Mas é, também, a que gera, independentemente dos órgãos e dos genes que a Madre Natureza destinou à geração, e aqui temos, então, a profissão do ministério, a Minerva nascendo da cabeça de Júpiter. Ou melhor: aqui temos, cordato, o ministério menestrel. De um lado, a criação, e do outro, solerte, a procriação. Sendo sempre, a criança, a recreação, aquela que está em processo criativo. E sendo sempre, o Génio poético, um regresso ao fabular, ao ser infante, e às águas da matriz. A mentalidade, aqui, é pré-lógica, o Poeta está sempre em idade escolar. Diz-se, dum bom Poeta, que ele possui o talento, do Génio se dirá que ele é possuído. Ele é médium, mester, humilde instrumento, nas mãos de forças e poderes que em muito o transcendem. Ou indo, agora mesmo, à Palavra de Inocencia: «Debaixo da minha cama, / enquanto te amava, / sempre houve um kilo de dinamite, / um copo de vinho / e um isqueiro. / Sabia que a cópula provoca / um fogo temerário e possessivo. (… ) / Te faria falta um bom trago, / ao ver o meu coração dinamitado… sobre os lençóis.» De tal forma que eu demando: dinamização cultural ou, em vez disso, dinamitação cultural??? Nos faz lembrar, esta Obra, José Carlos Ary dos Santos ( 1936 – 1984 ): em Inocencia, de feito, Poesia é «Fatum», artefacto, é fogo de artilharia. Ela é Marte, e artifício, é Alquimia do Verbo. Parafraseando, aqui, Erri de Luca ( Nápoles, 20 de Maio de 1950 ), amar é fogo e é plasmar, saborear, infrene, a angélica carne. Pois quanto, agora, ao fervor dos amantes, tem a palavra Luís de Camões: «Melhor é experimentá-lo que julgá-lo, / Mas julgue-o quem não pode experimentá-lo». Que mencione, ou que medite, o Professor de Literatura: a Acidália, pra Camões, foi a Vénus Vinália, a Vénus venusta e a Vénus veneno; ela foi, pra Bocage, a Citereia venal. Que os amantes são amentes??? Decerto e de feito. Mas este furor, para Platão, é «loucura divina» ou hieromania, e a loucura do Eros ela é similar à insânia das Musas. E assim é de facto, ó Amigo ledor. Em discurso parentético, mencionemos, aqui, a Mary Wollstonecraft ( 1759 – 1797 ), ela foi considerada a primeira feminista. Consorciada, dessarte, com William Godwin ( 1756 – 1836 ), o Autor, em 1793, de «Enquiry Concerning Political Justice». Quanto a Mary, foi a feitora, em 1792, de «Vindication of the Rights of Woman», uma «Reivindicação dos Direitos da Mulher». E fruto, de feito, do sémen de Godwin, nasceria, dessarte, outra Mary, ela seria, mais tarde, a esposa de Shelley. Do Poeta, permanente, Percy Bysshe Shelley ( 1792 – 1822 ), glória sem par das letras inglesas. Mary Shelley ( 1797-1851)  foi Escritora, e sua Mãe faleceu um pouco depois de a dar à luz. A Madre feneceu a 10 de Setembro de 1797, e a menina floresceu a 30 de Agosto do mesmo ano forte e firme. O seu primeiro romance, «Frankenstein», ele foi, deveras, inovador, e ele foi lançado, no lance, a 1 de Janeiro de 1818. Aperreavam, com porrete verbal, a feminista George Sand ( 1804 – 1876 ): que tinha amantes, que era puta, que usava calças e fumava – mas o fumar, o ter amantes, e o calças usar, isso é hoje, para as mulheres, o admissível e plausível. Já o dissemos, com alor, e mais do que uma vez: é que os marginais, os modernistas de hoje, eles serão, naturalmente, os clássicos de amanhã… E quanto aos filisteus, afiança Inocencia: «São capazes de chamar luxo à respiração, / encarcerar a quem ouse madrugar / para se manifestar contra alguma coisa / ou a favor desta palavra que constrói pontes / sem saber muito bem o que há do outro lado.» Inocencia, afinal, uma pontífice, quer dizer, a construtora das pontes – e não alembras, almado, o «The Wall», dos Pink Floyd??? Que os mandantes decretam, os mandantes só querem gabinetes separados. Inocencia anela, em vez disso, a psicopedagogia, o canto, o conto e a Cultura de Encontros; e esse o seu escol e essa a escola sua. Em terapia, dessarte, grupal, Inocencia não manda nem impõe, ela apenas propõe. E clareando abertamente, ela está muito perto, deveras, da clareira do Ser. Em Psicodrama, deveras, ou Teatro do Ser, ela é revel e é rebelde, porque vai contra o «Organon», a Lógica, lerda, do racionalismo. Ela é, ao mesmo tempo, o Eu e o Outro, ela vai contra os princípios da identidade, da não-contradição, e do terceiro excluído, por isso «persona», em Latim, é máscara, lilial, diante da cara – e nossa Autora, na «vis», é fautriz e actriz. E antes de findar, Inocencia foi nada, a  29/ 04/ 1972, em Tabuyuelo de Jamuz, na estética Espanha. Na Espanha de Unamuno ( 1864 – 1936 ), de Salvador Dalí ( 1904 – 1989 ), e de Ortega y Gasset ( 1883 – 1955 ). Ora 2 + 9 = 11 e o 11, em simbologia, é chamado um Número Mestre. Os nados a 29 são sonhadores e videntes, são por isso visionários. Pessoas dotadas de uma grada, uma grande inspiração. Em profissões irónicas, ou melhor, em profissões oníricas, poderão inspirar, dessarte, o público preste. Adicionando agora o dia ao mês de nascimento, obtém-se a Via da Missão: e é que 29 + 4 = 33. É a via da expressão artística, a sensibilidade, sensual, à flor da pele. Regra geral, a «communio» com os demais é de uma grande alacridade, o 33 promove a comunicação. E deve laborar, a Inocencia, para a felicidade dos seres humanos que com ela convivem, pois a sua atitude é de dádiva altruísta. Somando agora os dígitos da data natal, calculamos, então, o Número de Vida: 2 + 9 + 4 + 1 + 9 + 7 + 2 = 11 + 14 + 9 = 25 + 9 = 34, e 3 + 4 = 7. Ora 7 é o Nume da preste sabatina,  o 7 é o número das Artes Liberais. Do espírito analítico, das pessoas de cultura. E que têm, não raro, um grande mundo interior. O sábio, teosofista, é qual o Sufi, a solidão deve ser usada para a estese e para o estudo. A difundir, e defender, o Pentecostes, decerto, da Poesia perene, eis a sua messe e a sua missão. E vamos, ora mesmo, à safra e à ceifa, e vamos, agora todos, aprender a dançar. Em primaz, empreitada e primazia, em Primavera, primorosa, do século XXI……………………………                                   


Tomar, Cidade Templária, 14/ 12/ 2022

SIC ITUR AD ASTRA

CENTRO DE LITERATURA E FILOSOFIA COMPARADAS

PAULO JORGE BRITO E ABREU