Escrevem alguns louvando este rei Dom Pedro, dizendo que reinou em paz em quanto viveu, e fortuna não fez sem-razão de encaminhar o começo, e meio, e fim de seu mando, de viver em socego e folgada paz; cá elle, por morte de el-rei seu padre, achou o reino sem nenhuma briga por que houvesse de haver contenda com nenhum rei da Espanha, nem de outra provincia mais alongada.
Dês ahi, como elle reinou, mandou logo Ayres Gomes da Silva e Gonçalo Annes de Beja, a el-rei de Castella, seu sobrinho, com recado, e de Castella veiu a elle, da parte de el-rei Dom Pedro, um cavalleiro, que chamavam Fernão Lopez de Estuñega. E tratou-se então, entre os reis, que fossem ambos verdadeiros e leaes amigos, e firmaram d'aquella vez suas amisades.
Depois d'isto, a cabo de um anno, estando el-rei Dom Pedro em Evora, chegaram mensageiros de el-rei de Castella, a saber, Dom Samuel Levi, seu thesoureiro-mór, e Garcia Guterrez Tello, alguazil mór de Sevilha, e Gomes Fernandez de Soria, seu alcaide, e trataram, entre os reis ambos, muito mais perfeitas amisades que antes. E foi mais ordenado, entre elles, que o infante Dom Fernando, seu primogenito filho, e herdeiro em Portugal, casasse com Dona Beatriz, filha do dito rei de Castella, e que se fizessem os desposorios, por seus procuradores, dês fevereiro meiado seguinte até ao primeiro dia de março que vinha, e as bodas logo no postumeiro dia de abril, e que el-rei de Castella desse á dita sua filha, em casamento, outro tanto haver quanto el-rei Dom Affonso de Portugal dera, com sua filha Dona Maria, a el-rei Dom Affonso seu padre, e que el-rei de Portugal desse á dita Dona Beatriz, em arrhas e doação, outro tanto quanto seu padre, el-rei Dom Affonso, déra a Dona Constança, quando com elle casára, e mais, que casasse Dona Constança, filha do dito rei Dom Pedro de Castella, com o infante Dom João, e a outra filha, que chamavam Dona Izabel, casasse com o infante Dom Diniz, e que os desposorios e casamentos d'estes fossem acabados d'ahi a seis annos, e que el-rei de Castella desse taes lugares a cada uma d'ellas, de que houvessem de renda noventa mil maravedis, e el-rei de Portugal, a cada um dos infantes, lugares que lhe rendessem cada anno dez mil libras de portuguezes; e que el-rei de Castella fosse seu amigo, e imigo de imigo, e que se ajudassem um ao outro por mar e por terra, cada vez que requerido fosse, e que el-rei de Castella não fizesse paz com el-rei de Aragão, contra quem lhe elle então requeria ajuda, sem lh'o fazer saber primeiro, nem com outro nenhum rei e senhor.
Onde sabei, que esta ajuda, que el rei de Castella então pediu a el-rei Dom Pedro de Portugal, fôra já antes pedida por elle a el-rei Dom Affonso, seu padre, quando este rei Dom Pedro de Castella começou a guerra contra el-rei Dom Pedro de Aragão, que foi no postumeiro anno do reinado do dito rei Dom Affonso, segundo adiante vereis; a qual ajuda havia de ser gentes de cavallo por terra, e certas galés pelo mar.
El-rei Dom Affonso respondeu a seu neto, que elle sabia bem e era certo das posturas e firmidões que foram feitas entre el-rei Dom Diniz, seu padre, e el-rei Dom Fernando, seu avó, e el-rei Dom Jayme de Aragão, as quaes todos tres firmaram por si e por todos seus successores, e havido accordo com todos os bons da casa de Portugal, que para ello foram juntos em conselho, achou el-rei Dom Affonso que lhe não podia fazer a dita ajuda, com aguisada razão: e vista tal resposta por el rei de Castella, cessou de lh'a mais requerer.
Morto el-rei Dom Affonso de Portugal, e começando de reinar este rei Dom Pedro, seu filho, enviou-lhe o dito rei de Castella rogar que lhe quizesse fazer ajuda por mar e por terra em aquella guerra que então havia contra el-rei de Aragão; cá isso mesmo tinha elle em vontade de fazer a elle quando lhe cumpridoiro fosse.
El-rei de Portugal respondeu a isto, que bem certo devia elle de ser dos bons e grandes dividos que sempre houvera entre os reis de Portugal e de Aragão, pelos quaes elle com razão aguisada poderia ser bem escusado de fazer nem dizer cousa que a elle e a sua terra fosse prejuizo, mórmente, que entre el-rei Dom Affonso, seu padre, e el-rei Dom Pedro de Aragão, que então era, foram firmadas posturas e amisades para se amarem e ajudarem, especialmente contra el-rei Dom Affonso, padre d'elle rei de Castella, e que isso mesmo fôra já a elle tratado, por vezes, depois que entre elles recrescera aquella discordia; mas, que não embargando estas rasões todas, que entendia que entre elles ambos havia tantos e tão bons dividos, e assim aguisadas rasões, por que cada um d'elles devia fazer, por honra e prol do outro, toda coisa que pudesse, e que elle assim o entendia de fazer, tambem em aquelle mister que então havia, como em todos os outros. E que para accrescentar na amisade e dividos que ambos haviam, que lhe prazia de o ajudar n'aquella guerra, que começada tinha, mas porquanto, a Deus graças, elle era abastante de muitas gentes, muito mais que el-rei de Aragão, e parte de suas galés eram perdidas, que melhor podia escusar a ajuda por terra que a do mar: e como quer que lhe esta mais custosa fosse, que lhe prazia de o ajudar com dez galés grossas, pagas por trez mezes, as quaes lhe faria bem prestes quando lh'as mandasse requerer.
E foi assim de feito, que lhe fez ajuda por mar duas vezes, e duas por terra, de bons cavalleiros e bem corregidos, durando por longos tempos grande guerra, e muito crua, entre el-rei Dom Pedro de Castella e el-rei Dom Pedro de Aragão.
Mas porque alguns, ouvindo aquisto, desejarão saber que guerra foi esta, ou porque se começou e durou tanto tempo, e nós falar d'isto podiamos bem escusar, por taes coisas serem feitos de Castella e não de Portugal, pero, não embargando isto, por satisfazer ao desejo d'estes, dês ahi porque nos parece que não havendo alguma noticia das crueldades e obras d'este rei Dom Pedro de Castella não podem bem vir em conhecimento, qual foi a razão porque elle depois fugiu de seu reino e se vinha a Portugal buscar ajuda e accorro, e como depois de sua morte muitos lugares de Castella se deram a el-rei Dom Fernando, e tomaram voz por elle: porém faremos de tudo um breve falamento, começando primeiro nas cousas que advieram em começo de seu reinado, vivendo ainda el-rei Dom Affonso de Portugal, seu avô, com as outras que se seguiram depois que reinou el-rei Dom Pedro, seu tio, das quaes nos parece que se em outro lugar melhor contar não podem que todas aqui juntamente, entremettendo seus feitos com a guerra, e primeiro, das cousas que fez antes que a começasse, por saberdes tudo, em certo, de que guisa foi. |