Chronica do senhor rei D. Pedro I oitavo rei de Portugal
*CAPITULO XI* _ Das moedas que el-rei Dom Pedro fez, e da valia do oiro e da prata n'aquelle tempo_.

Não se podem tão temperadamente dizer os louvoures de alguma pessoa, que aquelles, cujas linguas sempre têm costume de reprehender, não achem lugares a elles dispostos, em que ameude bem possam prasmar: e nós, porque dissemos d'este rei Dom Pedro que era grado e lêdo em dar, e não dizemos de algumas grandezas que dignas sejam de tanto louvor, poderá ser que nos prasmaram alguns, dizendo que não historiamos direitamente. E isto não é por nós bem não vermos que para autoridade de tão grande gabo não se acham ditos em sua igualdança; mas, por não desviar d'aquelles louvores que os antigos em suas obras encommendaram, contamol-o da guisa que o elles disseram.  

Bem achamos que nunca se anojava por lhe pedirem, e que mandava lavrar até cem marcos de prata, em taças e copas, para dar em janeiras, e dava-as cada anno, com outras joias, a quem lhe prazia.  

Accrescentou nas contias aos fidalgos e vassalos, como dissemos; cá o vassallo não havia antes de sua contia mais de setenta e cinco libras, e el-rei Dom Pedro lhe poz cento, que eram quinze dobras cruzadas, dobras mouriscas. E por esta contia havia de ter o vassalo cavallo recebondo e loriga com seu almofre, e á sua morte ficava o cavallo e loriga a el-rei, de luctuosa, e dava-o el-rei a quem sua mercê era: em guisa que com aquelle cavallo e armas, posta contia a outro vassalo, ficava sempre o conto dos vassalos certo, e não minguado.  

No tempo d'este rei, valia o marco da prata de liga dezenove libras, e a dobra mourisca tres libras e quinze soldos, e o escudo tres libras e dezesete soldos, e o moutão tres libras e dezenove soldos.  

Este rei Dom Pedro não mudou moeda por cubiça de temporal ganho; mas lavrou-se em seu tempo mui nobre moeda de oiro e prata sem outra mistura, a saber, dobras de bom oiro fino, de tamanho peso como as dobras cruzadas que faziam em Sevilha, que chamavam de Dona Branca. E estas dobras que el-rei Dom Pedro mandava lavrar, cincoenta d'ellas faziam um marco: e d'outras que lavravam, mais pequenas, levava o marco, cento; e de uma parte tinham quinas e da outra figura de homem com barbas nas faces e corôa na cabeça, assentado em uma cadeira, com uma espada na mão direita, e havia letras ao redor, por latim, que em linguagem diziam: _Pedro, rei de Portugal e do Algarve_, e da outra parte: _Deus, ajuda-me e faze-me excellente vencedor sobre meus inimigos_. E a maior dobra d'estas valia quatro libras e dois soldos, e a mais pequena quarenta e um soldo.

Lavravam outra moeda de prata, que chamavam tornezes, que sessenta e cinco faziam um marco, de liga e peso dos reaes d'el-rei Dom Pedro de Castella, e outro tornez faziam, mais pequeno, de que o marco levava cento e trinta, e de um cabo tinha quinas, e do outro cabeça de homem com barbas grandes e corôa n'ella, e as letras, de ambas as partes, eram taes como as das dobras, e valia o tornez grande sete soldos e o pequeno tres soldos e meio, e chamavam a estas moedas dobra e meia dobra, e tornez e meio tornez.  

A outra moeda miuda eram dinheiros affonsins, da liga e valor que fizera el-rei Dom Affonso seu padre.  

E com estas moedas era o reino rico e abastado, e posto em grande abundancia. E os reis faziam grandes thesouros do que lhes sobejava de suas rendas, e, para os fazer e accrescentar n'elles, tinham esta maneira.