Chronica do senhor rei D. Pedro I oitavo rei de Portugal
*CAPITULO X* _ Como el-rei mandava matar o almirante; e da carta que lhe enviou o duque e commum de Genova, rogando por elle_. 

El-Rei Dom Pedro queria gram mal a alcoviteiras e feiticeiras, de guisa que por as justiças que n'ellas fazia, mui poucas usavam de taes officios.  

E sendo elle na Beira, soube que uma, chamada por nome Helena, alcovitara ao almirante uma mulher, com que elle dormira, a que diziam Violante Vasques. E mandou logo el-rei queimar a alcoviteira, e ao almirante, Lançarote Pessanho, mandava cortar a cabeça.  

E pero os do seu conselho trabalhassem muito por o livrar de sua sanha, nunca o puderam com elle postar, emtanto que o almirante fugiu, e foi amorado, e partiu d'elle por longos tempos, perdidas suas contias e todo seu bem fazer e officio. E não sabendo remedio que sobre isto ter, houve accordo de mandar pedir ao duque e commum de Genova que escrevessem por elle a el rei, que fosse sua mercê de lhe perdoar.  

Os genovezes, vendo o recado do almirante, escreveram a el-rei que perdesse d'elle sanha, e a carta de Gabriel Adorno, duque de Genova, e dos anciãos do conselho d'essa cidade, dizia n'esta guisa:  

«Principe e senhor mui claro, de grande e real magestade. Esguardada a benignidade, muitas vezes se tempéra por mansidão o modo e rigor da justiça, e a piedosa consideração trabalha sempre de renovar as boas amisades antigas. E se boa cousa é tomar amisades e novas conhecenças, muito melhor é, segundo diz o sabedor, renovar e conservar as velhas, dizendo que o amigo novo não é egual nem semelhante ao de longo tempo. As quaes razões nos fazem haver fiusa na vossa grande alteza, que graciosamente haja de ouvir nossa humildosa supplicacão, a qual é esta, que a nós foi notificado como o nobre cavalleiro Dom Lançarote Pessanho, vosso almirante, filho em outro tempo do nobre barão Dom Manuel Pessanho, digno de boa memoria, nosso amigo e cidadão, haja caido em sanha da vossa real magestade, mais por inveja de alguns que d'elle bem não disseram, que por outras graves maldades que n'elle sejam achadas, segundo corre a commum fama que por razão bem parece; cá não é de querer que saia de regra de bons feitos quem é gerado e descende de padres que sempre foram ennobrecidos por virtuosos e bons costumes. E posto que errasse em alguma cousa, muito deve vossa discreta mansidão temperar o rigor da justiça, renovando por nobres beneficios a lealdade dos seus antecessores: a qual cousa nós esperando da vossa grande alteza, a ella humildosamente pedimos que, pelo que dito é, e nossos afincados rogos, tenhaes por bem tornar o dito almirante á graça primeira de seu bom estado. E por isto vossa real magestade haverá nós e nosso commum apparelhados, de ledo coração, a todas as cousas que lhe forem praziveis. Data, etc.»  

Não embargando esta carta, não podiam com el-rei que perdesse sanha do almirante; porém depois a alguns tempos, lhe perdoou el-rei, e foi tornado a sua mercê.