Chronica do senhor rei D. Pedro I oitavo rei de Portugal
*CAPITULO III*  - Das cartas que o papa, e el-rei da Aragão enviaram a el-rei de Portugal sobre a morte de el-rei, seu padre_.

El-rei Dom Pedro escrevera ao papa, e a el-rei de Aragão, por novas, quando el-rei Dom Affonso morreu, como seu padre era morto, e elle alçado por rei em Portugal.   E tendo cada um cuidado de lhe responder, chegaram lhe n'esta sezão suas respostas. E a letra do papa dizia assim:

«Innocencio, bispo, servo dos servos de Deus, ao muito amado, em Christo, filho Dom Pedro, mui nobre rei de Portugal, saude e apostolical benção.

Porquanto, muito amado filho, por tuas letras, e fama, fomos certificado como o mui claro, de nobre memoria, el-rei Dom Affonso teu padre, se finou d'este mundo, sua morte foi a nós, e é, mui grande nojo e tristeza. E não sem razão o devemos ser, quando em nosso coração cuidamos nas bondades e virtudes de que sua real alteza era muito ennobrecida, por cuja razão o muito amavamos, desejando-lhe que, entre todos os principes do mundo, o Senhor o accrescentasse, e estendesse seu real estado, com prolongamento de bem aventurados dias, nos quaes, acabando sua honrada velhice, a ti, seu primogenito filho, deixasse o regimento e successão do reino em firme concordia com teus visinhos.   E pois assim é que o Senhor Deus, em cuja mão é o poderio de dar a cada um vida e morte, lhe prouve de piedosamente o levar d'este mundo, nós pômos fim e acabamento á nossa dôr e tristeza, consolando-nos n'este Senhor que dá e priva e tolhe, quando quer que lhe praz, no qual havemos firme esperança que nos altos ceus dará bom galardão e gloria á alma de el-rei, teu padre, pois, emquanto n'este mundo viveu, se trabalhou de o servir com bons merecimentos, e lhe aprouve com dignas virtudes.  

E assim, muito amado filho, piedosamente te consolamos, que te consoles no Senhor Deus, e consideres em tua vontade como succedes no regimento de teu padre, o qual, por exemplo da vida, se mostrou sempre ser fiel catholico.   Porém, requeremos á tua real clareza, que sempre, com firme desejo, vivas em temor do Senhor Deus, honrando a sua santa igreja, e, sendo favoravel ás ecclesiasticas pessoas, as mantenhas sempre em seus direitos e liberdades; e que sejas amador e defensor das viuvas e dos orfãos, alçando os aggravos aos teus subditos, que lhes não seja feita injuria; e que, sem recebimento de alguma pessoa, sempre sejas honrador e amador da justiça, de guisa que, por tuas obras, sejas chamado por nome de rei que bem rege: e sei certo, se o assim fizeres, que sempre em teus dias viverás em paz e folgança, havendo Deus em tua ajuda, e a sua santa igreja te haverá em sua encommenda, sendo prestes para toda a tua honra e cumprimento de justas petições. Diante em Avinhão, etc.»  

N'outra carta, de el-rei de Aragão, eram conteudas estas razões:  

«Muito alto e mui nobre Dom Pedro, pela graça de Deus, rei de Portugal e do Algarve: Dom Pedro, por essa mesma graça, rei de Aragão, e de Valencia, e de Mayorca, e de Sardenha, e de Corsega, e conde de Barcelona e de Rossilhão, saude, como a rei que temos em logar de irmão, que muito amamos e prezamos, e de que muito fiamos, e para que queriamos muita honra e boa ventura, com tanta vida e saude como para nós mesmo.

«Rei, irmão. Recebemos vossa letra, pela qual nos significastes a morte do mui alto e mui honrado el-rei Dom Affonso de Portugal, vosso padre, a que Deus perdoe. E por essa mesma nos fizestes saber que vós, assim como seu primogenito e herdeiro dos ditos reinos, ereis levantado por rei de Portugal. Das quaes novas, em verdade, Rei irmão, houvemos desprazer e prazer juntamente: desprazer da morte do dito rei, o qual sabiamos que nos amava como seu filho e nós a elle como a nosso muito amado padre; mas como da morte nenhuma pessoa seja isenta, e o dito rei seja saido da miseria d'este mundo, doendo-nos d'ella, se por nós alguma cousa pudesse ser feita, muito prestes eramos de o fazer, porém rogamos a Deus, em cuja mão é vida e morte de cada um, que receba sua alma com os seus santos no paraiso, fiando n'elle que o ha feito. Prazer outro sim houvemos mui grande, Rei irmão, quando soubemos que ereis alçado em rei de Portugal e do Algarve, pela successão herdeira a vós por direito pertencente, e crendo saber que, assim como nós tinhamos o dito rei em conta e logar de padre, assim entendemos de ter a vós em conta de nosso irmão, e fazer por vós toda cousa que seja honra e prazer vosso, e proveito de vosso senhorio, esperando certamente, de vós, que fareis semelhante por nós, e por nossos reinos e terras.   E porquanto, irmão Rei, segundo é conteudo em vossa letra, vós desejaes saber o bom estado de nossa pessoa, e da rainha, e de nossos filhos, a prazer vosso vos significamos que somos todos sãos e em boa disposição de nossas pessoas, mercês a Deus: rogando-vos, mui caramente, que de vosso bom estado e real casa, nos certifiqueis por vossa carta, e sêde certo que nos fareis assignado prazer. D'ante em Saragoça, etc.»