Estando el-rei ainda comendo, mandou chamar logo o infante Dom João, seu primo, e disse-lhe em segredo como, tanto que comesse, queria partir para Biscaia, por ir matar Dom Tello, seu irmão, e que se fosse com elle, e dar-lhe-ia o senhorio d'aquella terra.
O infante, não embargando que estivesse casado com Dona Isabel, irmã da mulher do conde Dom Tello, prouve-lhe muito com taes novas, e beijou as mãos a el-rei por ello, cuidando pouco no que lhe elle tinha ordenado: e el rei partiu logo, e o infante com elle, e foi em sete dias em Aguilar do Campo, onde Dom Tello estava.
E Dom Tello andava aquelle dia ao monte, e um seu escudeiro, quando viu el-rei foi-lh'o logo dizer, tossemente. E elle fugiu á pressa, e chegou a Bermeto uma sua villa ribeira do mar, e entrou em pinaças de pescadores, e foi-se para Bayona de Inglaterra.
El-rei, cuidando de o tomar, seguiu o caminho por onde elle fôra, e aquelle dia que Dom Tello chegou a Bermeo e entrou no mar, esse dia chegou el-rei, e entrou em outros navios, cuidando de o alcançar. O mar era um pouco buliçoso, e el-rei anojou-se, e deixou de o seguir porque ia mui longe, e tornou-se em terra, e prendeu Dona Joanna, sua mulher.
O infante Dom João, quando viu Dom Tello por esta guisa partido, disse a el-rei que bem sabia sua mercê como lhe dissera em Sevilha que queria matar Dom Tello, e dar-lhe a terra de Biscaia, que era sua, e que pois Dom Tello era fóra do reino sem sua graça, que fosse sua mercê de lh'a dar como lhe promettera. E el-rei disse que mandaria aos biscainhos que se ajuntassem, como haviam de costume, e que elle iria lá, e lhe mandaria que o tomassem por senhor. E o infante, com leda esperança de cobrar a terra, lhe beijou as mãos por isto, tendo-lh'o em grande mercê.
Os biscainhos indo para se ajuntar onde haviam de costume, falou el-rei com os maiores d'elles, dizendo-lhes em segredo que respondessem, quando elle propuzesse para dar a terra a Dom João, que não queriam outro senhor salvo el-rei; e elles disseram que assim o fariam.
Elles juntos, bem dez mil, propoz el-rei muitas razões por parte do infante seu primo, como a terra de Biscaia lhe pertencia por direito, por aso do casamento de sua mulher, e que lhes rogava e mandava que o tomassem por senhor: elles responderam que nunca tomariam outro senhor salvo el-rei de Castella, e que nenhum lhes fallasse em outra cousa. E el-rei disse então ao infante, que bem via as vontades d'aquelles homens, que o não queriam haver por senhor, porém, que elle iria a Bilbao, e que ainda tornaria outra vez a falar com elles que o tomassem por senhor. O infante começou de entender que isto era encoberta que el rei fazia, e teve-se por mal contente.
El-rei em Bilbao, mandou em outro dia chamar o infante, e elle veiu, e entrou só na camara, e ficaram dois seus á porta; e os que sabiam parte de sua morte começaram de joguetear com elle, por lhe tomarem um pequeno cutello que trazia, e assim o fizeram; e Martim Lopez, camareiro-mór de el-rei, abraçou-se então com o infante, e um bésteiro deu-lhe com uma maça na cabeça, e dês-ahi outros, e caiu o infante morto: e foi isto uma terça-feira, havendo quinze dias que o mestre Dom Fradarique fôra morto em Sevilha. E el-rei mandou-o deitar na rua por uma janella da casa onde pousava, e disse aos biscainhos que estavam ahi juntos:
--Vêdes ahi o vosso senhor de Biscaia, que vos demandava por seus? Isto feito, mandou logo el-rei João Fernandes de Hinestrosa que se fosse a Roa, onde estavam a rainha de Aragão, sua tia, madre do dito infante, e Dona Isabel, sua mulher, e que as prendesse ambas, não sabendo parte a madre do filho, nem a mulher do marido. E foram presas em um dia, e el-rei chegou no outro, e fez-lhes tomar quando tinham, e mandou-as presas a Castro Exariz; e d'alli partiu-se, e veiu-se a Burgos, onde esteve uns oito dias, e alli lhe trouxeram as cabeças d'aquelles que ouvistes que mandara matar pelo reino, quando o mestre Dom Fradarique foi morto.
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