Andando em sete annos que el-rei Dom Pedro de Castella reinava, na era de mil e trezentos e noventa e quatro, estando el-rei em Sevilha, mandou armar uma galé para ir folgar e vêr a pescaria que faziam nas covas das almadravas. E foi em uma galé a São Lucas de Barrameda, e achou ahi, no porto, dez galés de catalães e um lenho de que era capitão um cavalleiro aragonez, que diziam Mosse Frances de Emperellores, as quaes iam, por mandado de el-rei de Aragão, em ajuda de el-rei de França contra el-rei de Inglaterra.
E entrando elle capitão n'aquelle porto por tomar refresco, achou ahi dois baixeis de plazentinos carregados de azeites, que iam para Alexandria, e tomou os, dizendo que eram navios de genovezes, com que os catalães haviam guerra então.
El-rei lhe mandou dizer que pois aquelles baixeis estavam em seu porto, que os não quizesse tomar, ao menos por sua honra d'elle, pois estava de presente. E elle respondeu que aquellas gentes eram inimigos d'el-rei d'Aragão, e que os podia tomar de boa guerra. E el-rei lhe mandou dizer, outra vez, que fosse certo, se os deixar não quizesse, que mandaria prender em Sevilha todos os mercadores catalães que ahi eram, e tomar-lhes todos seus bens. O capitão das galés por tudo isto não o quiz fazer, e vendeu logo alli os baixeis por setecentas dobras, e foi-se seu caminho, sem mais falar a el-rei. E el-rei houve d'isto grande melancolia, e não sem razão, mas a vingança foi desarrazoada; porque assim como de pequena faisca se accende grande fogo, achando coisa disposta em que obre, assim el-rei Dom Pedro com destemperada sanha, por tomar d'aquillo vingança, moveu crua guerra contra Aragão, de sangue e fogo, por muitos annos, como ora brevemente ouvireis; cá elle mandou logo prender em Sevilha todos os mercadores catalães que ahi eram, e escrever lhes todos seus bens, e outro dia partiu-se á pressa por terra, e fel-os todos pôr em cadeias, e vender quanto lhes acharam.
E mandou logo a el-rei de Aragão fazer-lhe queixume de Mosse Frances, da pouca honra e cortezia que n'elle achara, mandando-lh'o rogar por duas vezes, e que porém lhe requeria que lh'o entregasse para d'elle haver emenda, e anadiu mais que tirasse uma commenda que dera a Dom Pedro Moniz de Godoi, que era homem a que bem não queria, e se estas cousas fazer não quizesse, que fosse certo que lhe faria guerra.
E el-rei de Aragão deu sua resposta, que lhe pesava do nojo que a el-rei fôra feito, e que como aquelle cavalleiro tornasse para seu reino, que elle o ouviria e faria justiça, de guisa que el-rei de Castella fosse contente; e que a commenda que havia dada a Dom Pedro Moniz, pois a el-rei não prazia d'ello, que cataria outra cousa de que lhe fizesse mercê, mas que até que al lhe désse, que lh'a não podia tirar sem grande sua mingua.
O mensageiro, que bem sabia a vontade de el-rei Dom Pedro, não foi contente d'esta resposta, e desafiou o logo, e seu reino.
El-rei de Aragão disse que el-rei de Castella não havia justa razão para fazer isto, e que o deixava em juizo de Deus, e mandou logo aperceber sua terra.
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