JOSÉ VERDASCA
José Verdasca dos Santos. 79 anos, licenciado em Ciências Militares pela Academia Militar de Lisboa; em língua e cultura francesas pela Alliance Française; licenciado e pós-graduado em administração/gestão de empresas pela Universidade Mackenzie de São Paulo. Membro do Parlamento Mundial para Segurança e Paz (Itália), de dez academias brasileiras, da Sociedade de Geografia de Lisboa; diretor de relações internacionais das Faculdades Panamericanas e da Associação Alagoana de Imprensa. Condecorado pelo Parlamento de São Paulo com a "Honra ao Mérito" duas vezes e pela Câmara Municipal de São Paulo com "Laurea de Gratidão" além de cerca de vinte outras láureas acadêmicas. Tem oito livros publicados, além de artigos em revistas de cultura, poemas e centenas de outros na imprensa francesa, sul africana, brasileira e portuguesa. Presidente da Ordem Nacional de Escritores (Brasil).
João Sarmento Pimentel (VII)
Um Capitão cauteloso

Durante os 60 (sessenta) anos vividos no Brasil (1927-1987), o Sarmento Pimentel em tudo e com todos tomava as suas precauções; não dava um passo em falso, e também não aceitava ninguém no seu convívio ao primeiro contato; quando conhecia ou lhe apresentavam alguém, perguntava, observava e agia com cautela, só permitindo proximidade após tomar pessoalmente conhecimento da pessoa em questão. No convívio mais íntimo dava prioridade aos velhos conhecidos, apenas abrindo as portas a quem lhe merecia inteira confiança. Apesar de a porta de seu apartamento se encontrar sempre aberta – a filha residia no outro apartamento do mesmo andar – jamais encontrei ali pessoas estranhas, até porque quem não era íntimo não passava da portaria. 

Quando a sua biblioteca foi inventariada para seguir para Mirandela – encontra-se hoje em prédio construído para o efeito, sede que leva o seu nome, situada na Avenida João Sarmento Pimentel, que abriga ainda o museu – como era muito cauteloso, não enviou para o container o que lhe era mais ‘caro’ e considerava mais precioso, constituído por raríssima coleção de 33 miniaturas de antigas Bíblias, preciosidades que me encarregou de levar para Portugal e entregar pessoalmente ‘nas mãos’ do Presidente da Câmara, com a solicitação de ser ele a catalogar e depositar no lugar adequado tão valiosa ‘relíquia’. Assim fiz, depois de – já em Lisboa – combinar com o autarca o dia e hora em que nos encontraríamos na cidade natal do Velho Capitão. 

A mesma cautela ocorreu com a doação de outras preciosidades, como as esporas que usava quando em 1919 prendeu os monarquistas, enquanto almoçavam na messe do Porto, altura em que ali restabeleceu a República, ato para o qual – estando muito doente e fraco, hospitalizado com gripe ‘espanhola’ - sem licença abandonou a cama e colocou-se à frente de seu esquadrão da Guarda Republicana do Porto, para concretizar esse heroico ato. E essas esporas encontram-se no museu do Quartel da Guarda Nacional Republicana, no Carmo, em Lisboa, onde a seu pedido também as entreguei pessoalmente, junto com outras relíquias usadas durante a sua brilhante carreira militar de cerca de quinze anos.  

De Sarmento Pimentel recebi alguns livros de presente, entre eles vários exemplares de “Memórias do Capitão”, cujas dedicatórias iam ‘enriquecendo’ à medida que a nossa amizade se consolidava. No primeiro exemplar que Sarmento Pimentel me ofereceu o velho Capitão escreveu apenas: “Ao capitão José Verdasca dos Santos, meu ilustre camarada, com um abraço”. Depois Sarmento Pimentel ofereceu-me novo exemplar da mesma obra, com a seguinte dedicatória: “Ao capitão José Verdasca dos Santos, meu ilustre camarada e amigo”. Passado algum tempo, Sarmento Pimentel escreveu a seguinte dedicatória: “Ao capitão José Verdasca dos Santos, meu ilustre camarada e amigo, com um fraterno abraço do Velho Capitão”. Outras dedicatórias se seguiram, evidenciando profunda amizade, por vezes carinhosas e até mesmo paternalistas, em livros e retratos que guardo com gratidão. 

O Velho Capitão que aqui tento retratar fielmente, acabou abrindo o seu coração definitivamente quando, após a minha ida ao Conselho da Revolução para solicitar a sua promoção a general, a mesma foi concedida, e Marques Júnior veio a São Paulo colocar-lhe nos ombros as respetivas estrelas, que ele já não esperava. Foi no dia 25 de abril de 1980 (se a memória me não atraiçoa), talvez dez anos após o início de nosso relacionamento. Mas, então, eu e minha mulher já vínhamos sendo convidados para o almoço de seu aniversário, onde se servia o famoso folar (salgado) de sua terra natal, apenas para a sua família e os casais Verdasca e Baleizão, este último também refugiado político e seu afilhado de casamento. 

Homem de firme e reto carácter, cioso de seus direitos e cumpridor de seus deveres, Sarmento Pimentel era um homem objetivo e prático, de elevado prestígio e muito popular, mas que a poucos concedia intimidade. À parte os almoços das quartas feiras, quando recebia apenas seis comensais, a sua casa não era muito frequentada, exceção feita a Jorge de Sena e mais uns poucos, que se valiam da sua rica biblioteca para efetuar as suas pesquisas. E esses poucos eram os intelectuais portugueses residentes e ou de passagem por São Paulo, normalmente seus antigos companheiros da Seara Nova. Também recebia Mário Soares quando ele – a serviço da oposição  - se deslocava ao Brasil. Mas não era homem de – como aqui se diz – jogar conversa fora.

 
 

Diretório aberto a 19 de dezembro de 2014