Sarmento Pimentel exilou-se no Brasil após a fracassada
revolta de 1927, quando tinha trinta e oito anos de idade. Personalidade
conhecida e prestigiada, homem nobre e inteligente, vivido e bem
relacionado, na cidade de São Paulo seria acolhido e considerado pela
elite como um dos seus, pelo que logo passou a frequentar tertúlias,
clubes e residências de escol, e a conviver com as mais gradas figuras da
então “pequena” cidade de menos de quinhentos mil habitantes.
Na época pontificava na capital do Estado do mesmo nome
a figura de Ricardo Severo – cunhado de Santos Dumont – brilhante
arquiteto e antropólogo portuense, sócio do grande escritório de
engenharia e arquitetura Ramos de Azevedo, onde era o responsável pelos
projetos, e a quem se ficou devendo o grande número de importantes
edifícios em estilo português espalhados pela cidade, além do belo estádio
do Pacaembu, de onde regressava em 1940, quando faleceu a caminho de sua
residência.
E se Ricardo Severo era a “estrela” da comunidade
portuguesa e uma das grandes personalidades da sociedade local, vinha-se
impondo no meio social o antigo sapateiro António Pereira Ignácio,
fundador do prestigiado Clube Português, e já então conceituado industrial
do ramo de tecidos. Mas nos aspetos económico e financeiro, era a família
Villares que ainda ocupava o “trono” paulistano, sendo proprietária de uma
grande fazenda “às portas da capital” – a Fazenda Votorantim, onde – sem
que o soubessem – se encontravam gigantescas reservas de excelente
calcário próprio para cimento.
António Pereira Ignácio era proprietário de um pequeno
“sítio” na divisa dessa fazenda Votorantim, onde tinha “descoberto” um
veio de calcário próprio para o fabrico de cimento, indústria que Pereira
Ignácio sonhava ali implantar. Mas o tal VEIO prosseguia para a fazenda
dos Villares, aos quais Pereira Ignácio nem sequer tinha coragem de
abordar, para fazer uma oferta de compra. Amigo de Sarmento Pimentel, e
sabendo da amizade deste com os Villares, procurou o capitão para
solicitar-lhe que intermediasse a tentativa de compra da fazenda, com o
argumento de que necessitava afastar da capital um seu filho conhecido
boémio, para tentar afastá-lo do vício.
E foi com esta incumbência que Sarmento procurou os
Villares seus amigos, por quem foi bem recebido, mas deles ouviu a
resposta que a fazenda não se encontrava à venda, nem Pereira Ignácio
teria dinheiro suficiente para a adquirir. Insistindo, Sarmento Pimentel
solicitou que – ao menos – lhe dessem um preço muito acima do valor da
propriedade, para que não regressasse com uma negativa para Pereira
Ignácio. Contemporizando, os Villares disseram que, como a fazenda valia
cem contos de réis, a venderiam por duzentos.
E foi essa a resposta que o capitão levou ao seu amigo
e conterrâneo, convencido que ele nem sequer discutiria mais esse assunto.
Mas qual não foi a surpresa de Sarmento Pimentel quando, ao informar
Pereira Ignácio que os Villares exigiam exorbitantes duzentos contos de
réis pela Fazenda Votorantim, ouviu dele que a fazenda era sua, ao mesmo
tempo que lhe solicitava que regressasse com o sinal e pedido de marcação
da escritura. E foi deste modo e pela mão de Sarmento Pimentel, que nasceu
o Grupo Votorantim, hoje a maior potência industrial da América Latina.
Sarmento Pimentel havia-se aposentado no posto de
capitão, para assumir a gerência de minas de ferro e ou carvão, em virtude
de – segundo suas próprias palavras – o soldo do exército não bastar para
o sustento próprio e da família, à qual desejava proporcionar uma vida
condigna, o que tinha conseguido no Porto e também alcançara no Brasil,
onde implantou a primeira fábrica de vidros planos para Tomé Feteira e foi
criador de bovinos de raça.
José Verdasca
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